Crescimento do movimento antivacina preocupa especialistas

Em Berlim, na Alemanha. manifestantes protestam contra isolamento social provocado pela covid-19 e contra a vacina. Foto de MV Sulupress, Via AFP – Agosto de 2020

Ação de negacionistas nas redes sociais ganha cada vez mais espaço, em meio à pandemia, e pode se transformar em uma ameaça global

Por Marina Oliveto | ODS 3 • Publicada em 19 de outubro de 2020 - 12:27 • Atualizada em 3 de novembro de 2020 - 10:07

Em Berlim, na Alemanha. manifestantes protestam contra isolamento social provocado pela covid-19 e contra a vacina. Foto de MV Sulupress, Via AFP – Agosto de 2020

Os grupos de movimento antivacina nunca estiveram tão vivos quanto agora. Mas isso não é uma novidade, assim como, em todas as outras crises sanitárias recentes, os extremistas encontram lugar entre os pares para ecoar as vozes durante esses períodos. Nesse momento de pandemia, os elementos que compõem as crenças dos negacionistas voltam a duelar com maior intensidade contra as informações divulgadas diariamente pelos cientistas na luta contra a doença, como afirma a Dra. Mellanie Fontes-Dutra, Neurocientista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS):

“Esses grupos, numa sociedade que hoje é dividida politicamente e que está passando por crises não só sanitárias, como a pandemia, como também econômica, essa desinformação acaba tendo um ecossistema excelente para criar movimentos antivacina”, analisa a neurocientista.

Hoje, o presidente Jair Bolsonaro voltou a dizer, em evento com apoiadores, que a futura vacina contra a covid-19 não será obrigatória. Bolsonaro tentava se opor ao governador de São Paulo, João Dória, adversário político, que afirmou que a vacinação contra o novo coronavírus será obrigatória. Exceto para pessoas que apresentem alguma restrição avalizada por um médico. Esse tipo de declaração dá mais gás para as vozes dos grupos radicais que pareciam estar adormecidas, mas que ganharam nova visibilidade com covid-19. Os protestos dos negacionistas se intensificaram. No início de agosto, em meio as críticas quanto ao isolamento social na Alemanha, diversos grupos radicais marcaram virtualmente um encontro em Berlim para pedir o fim das restrições contra a covid-19.

Mais de 500.000 pessoas confirmaram presença no evento, a maioria delas pertencentes a grupos neonazistas, negacionistas e antivacina. O encontro reuniu um número abaixo do esperado (17.000), mas ele desperta a necessidade de debater e combater o extremismo que ganha cada vez mais voz nas redes sociais. Dos compartilhamentos de notícias falsas, ameaças e manipulação de informações no mundo virtual, o protesto terminou com a invasão do parlamento alemão, pessoas feridas e inúmeros manifestantes presos.

Protesto anti-coronavírus e o novo normal, na cidade de Nürnberg, na Alemanha. Foto Unsplash/ Markus Spiske
Protesto anti-coronavírus e o novo normal, na cidade de Nürnberg, na Alemanha. Foto Unsplash/ Markus Spiske

O efeito positivo das vacinas

Para o pesquisador do Instituto de Medicina Social da UERJ, Kenneth Rochel de Camargo Júnior, a existência das vacinas ao longo dos séculos e a sua eficácia são contestadas há muitos anos. Para o pesquisador, “o movimento antivacina nunca deixou de existir. Desde que existe vacina, existem pessoas que são contra as vacinas”. E, para Kenneth Júnior, as redes sociais, se tornaram um combustível ainda mais inflamável que propaga suas chamas rapidamente:

“A internet e as redes sociais foram fundamentais, por duas razões: primeiro, porque na medida em a internet supera algumas barreiras de distância, é possível agregar grupos que estavam dispersos em diversas partes e que, isoladamente, não tinham tanta força. Mas, quando se juntam, aumentam a massa crítica e geram uma explosão atômica”.

Em seu artigo, o pesquisador Kenneth Júnior aponta que “com o desaparecimento virtual de várias doenças infecciosas devido às vacinas, o seu benefício tornou-se cada vez mais intangível para a população em geral, retirando uma forte motivação às pessoas em geral para se vacinarem, e em particular aos pais para vacinarem os seus filhos”, afirma o pesquisador do Instituto de Medicina Social da UERJ.

A covid-19 e a descrença na vacina

A pandemia da covid-19 e a corrida para a produção de uma vacina que possa imunizar a população rapidamente tem despertado muitos medos ao redor do mundo. A rapidez vem colocando em questão a qualidade e a eficiência do produto que deve ser colocado no mercado para atender mais de 70% da população mundial. Em seu podcast semanal publicado pela emissora alemã NDR info, o Professor Christian Drosten, virologista chefe da Berlim Charité e diretor do Instituto de Virologia Médica do Hospital Universitário de Frankfurt, afirmou recentemente que as vacinas tendem a evoluir nos próximos anos, mas no primeiro momento, contra a covid-19, elas devem seguir os padrões atuais, com aplicação intramuscular para reduzir a gravidade da doença.

“Diferentemente do sarampo – vacinação e imunidade vitalícia e você nunca mais será infectado – com a vacina da covid-19 não será tão simples. Certamente você estará protegido primeiro contra os sintomas graves, mas não contra um resfriado um tanto superficial que pode pegar com o vírus, é assim que você pode imaginar. E existem vacinas que são projetadas para induzir uma resposta celular contra o vírus. E outras são muito mais voltadas para boas respostas de anticorpos neutralizantes”, afirma o virologista Christian Drosten.

As incertezas quanto a qual será a eficácia da vacina tem sido um elemento fundamental para o ecoar de vozes dos movimentos antivacina, até mesmo naqueles que não fazem parte desses grupos. A disseminação de notícias falsas e informações divergentes com os estudos realizados estão causando pânico na população e podem contribuir para que a covid-19 se perpetue com força.

Segundo a neurocientista Mellania Fontes-Dutra, a vacina que está sendo produzida é muito segura, contrariando as desinformações propagadas: “Quanto aos mitos sobre a vacina, os RNAs não têm essa capacidade (de se incorporar). Essa vacina é muito segura em relação a esse parâmetro, ela não modifica o material genético. Desde a retratação do artigo que apontava uma relação da vacina com o autismo, todos os anos são publicados novos estudos que não apontam nenhuma evidência de que a vacina cause algum transtorno ao desenvolvimento, como o autismo”, afirma a neurocientista.

Protesto anti-coronavírus, na cidade de Nürnberg, na Alemanha. Foto Unsplash/ Markus Spiske
Protesto anti-coronavírus, na cidade de Nürnberg, na Alemanha. Foto Unsplash/ Markus Spiske

Como combater o movimento antivacina?

A forma essencial e básica de combate aos movimentos radicais é com informação. E, com o movimento antivacina, não pode ser diferente. Segundo o pesquisador Kenneth Júnior, “as pessoas têm que se informar. Em particular, acho importante o esforço dos cientistas em procurar se comunicar diretamente com a população. E aqui, tem toda uma série de problemas, a forma como o trabalho científico é incentivado, ele só valoriza a comunicação de um cientista com outro cientista e a divulgação (para a sociedade) é muito pouco valorizada”, aponta o pesquisador.

A via de combate à desinformação é com a informação de qualidade, com fundamentos científicos, mas que possa ser absorvida de uma forma mais simplificada pela sociedade. Para o pesquisador, a educação é um fator primordial para o combate, mas não é só ela, já que muitos países desenvolvidos sofrem com o avanço dos grupos negacionistas.

“A gente precisa educar as pessoas. Dar um maior nível de educação, embora isso não garanta, porque mesmo em lugares onde as pessoas têm níveis altos de educação formal, como os Estados Unidos e a Europa, eles continuam acreditando neste tipo de coisa”, analisa o pesquisador do Instituto de Medicina Social da UERJ.

Covid-19 x movimentos antivacina

Na última década, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já havia demonstrado uma grande preocupação com a desinformação e a expansão dos movimentos antivacina. Foi possível detectar nos últimos anos, a volta de algumas doenças que já estavam quase erradicadas no Brasil, como o sarampo, por exemplo, justamente pela ação desses grupos nas redes sociais imputando à vacinação uma série de males que não são comprovados. E a população, em meio à insegurança, passou a não se vacinar e isso se intensificou com a pandemia, como aponta a neurocientista.

“Agora, na pandemia da covid-19, a gente teve um aumento de 32 vezes na circulação de sarampo, uma doença super evitável pela vacinação. Então, além da pandemia, a gente está com este problema em paralelo, que influencia diretamente na pandemia, porque mostra essa insegurança das pessoas quanto a esse método e isso não faz sentido à luz da ciência, porque o método é muito seguro” afirmou a Dra. Mellanie Fontes-Dutra.

Twitter do presidente Donald Trump minimizando a pandemia de covid-19. Reprodução
Twitter do presidente Donald Trump minimizando a pandemia de covid-19. Reprodução

Ainda para a neurocientista da UFRGS, “os movimentos antivacina são extremamente nocivos. A realidade e a maior verdade sobre as vacinas, é que elas nos salvam todos os anos e evitam milhares de mortes, que podem ser evitatas por causa da vacinação, pelo fato da população se vacinar e que é preciso que uma grande parte da população se vacine para que a gente consiga controlar a transmissão que um agente infeccioso, seja vírus, seja bactéria, circulem numa população”, explica a neurocientista.

Para o virologista alemão Christian Drosten, “um dos maiores desafios na produção de vacinas como um todo é, mais tarde, quando você tem uma vacina que pode ser aprovada, você tem que produzir quantidades muito grandes. Muitas, muitas, muitas centenas de milhões de doses para as populações” afirmou o virologista no podcast semanal publicado pela emissora alemã NDR info.

Esse é o momento ideal para as autoridades e, principalmente, para que as plataformas de redes sociais apertem o cerco contra os propagadores da desinformação, para evitar o fortalecimento desses grupos que podem prejudicar a população como um todo, como aconteceu com a postagem do Presidente Donald Trump, minimizando a Covid-19.

“O fato da desinformação estimular que as pessoas não vacinem os seus filhos ou não se vacinem mata, e não só coloca elas em risco, como a população como um todo, que precisa que uma grande parte da população faça essa adesão a cobertura vacinal para ficar protegido”, afirma a neurocientista que ainda reafirma a necessidade de coibir a expansão e propagação de desinformação pelos movimentos antivacina. Para a Dra. Mellanie Fontes-Drutra, “esse movimento, em especial, é muito grave e é responsável por várias mortes que poderiam ser evitadas”, completou a neurocientista da UFRGS.

Marina Oliveto

Jornalista formada no Brasil e Mestre em Artes pela Hochschule Darmstadt, na Alemanha. Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade Lusófona (ULHT) em Portugal. Como Jornalista atuou em diversas emissoras de rádio e televisão no Paraná, dentre as principais: Band TV; CNT; Rede Massa. Atualmente é pesquisadora na área de novas narrativas jornalísticas pelo Nephi-Jor/CNPQ e atua como freelancer na Alemanha.

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