Morte de Paulinho Paiakan alerta para avanço da covid-19 entre indígenas

De acordo com entidade, quase seis mil indígenas já foram infectados durante a pandemia e líder kayapó é uma das 293 vítimas fatais

Por Oscar Valporto | ODS 16ODS 3 • Publicada em 18 de junho de 2020 - 13:22 • Atualizada em 3 de agosto de 2020 - 17:45

O líder caiapó Paulinho Paiakan em protesto na Praça dos Três Poderes em 2017: mais um dos quase 300 indígenas mortos pela covid-19 (Foto: Gert Peter Bruch/Planete Amazone/AFP)

O líder caiapó Paulinho Paiakan em protesto na Praça dos Três Poderes em 2017: mais um dos quase 300 indígenas mortos pela covid-19 (Foto: Gert Peter Bruch/Planete Amazone/AFP)

De acordo com entidade, quase seis mil indígenas já foram infectados durante a pandemia e líder kayapó é uma das 293 vítimas fatais

Por Oscar Valporto | ODS 16ODS 3 • Publicada em 18 de junho de 2020 - 13:22 • Atualizada em 3 de agosto de 2020 - 17:45

Famoso por lutar pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Federal 1988, o cacique kaiapó Paulinho Paiakan, de 67 anos, morreu de covid-19 em mais um trágico alerta para o avanço da doença entre os povos indígenas. “Estamos de luta pela morte de uma liderança histórica, mas estamos, na verdade, de luto pelos quase seis mil indígenas que já morreram no Brasil pelo coronavírus”, afirmou Sônia Guajajara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que participou de debate promovido pela Oxfam Brasil sobre a pandemia entre os indígenas no país

Há territórios indígenas onde vírus chegou através de funcionários da Funai, outros onde a contaminação veio pelos servidores dos distritos sanitários e lugares onde os indígenas foram infectados pelos militares do Exército. Parece uma ação do governo para o genocídio dos nossos povos

De acordo com a plataforma Observatório da Quarentena Indígena, criada pela API em parceria como outras entidades para monitorar o impacto da pandemia e dos casos confirmados e óbitos entre os povos indígenas, já foram infectados 5.743 casos de covid-19 entres indígenas e 293 pessoas morreram até esta quarta (17/06). “Foram registrados casos de covi-d19 em 103 etnias, ou seja, um terço das etnias indígenas já foram afetadas pelo vírus. Apenas da etnia Kokama, tivemos 55 indígenas mortos pela doença. É uma tragédia”, afirmou Sônia Guajajara no debate que contou também com a presença do fotógrafo Sebastião Salgado, com moderação da diretora da Oxfam, Katia Maia.

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A coordenadora da Apib anunciou que será lançado na próxima semana o Plano de Enfrentamento da Pandemia entre os Povos Indígenas para articular ações para prevenção e tratamento da Covid-19. “Precisamos de uma mobilização da sociedade civil já que está claro que o governo federal não tem a menor intenção de proteger os povos indígenas desta ameaça. Temos que pressionar o governo para tomar medidas urgentes para evitar que o coronavírus continua avançando e matando nossos irmãos”, afirmou.

Sonia Guajajara e Sebastião Salgado com Katia Maia, da Oxfam, em debate virtual: críticas ao governo pela falta de proteção aos indígenas na pandemia (Reprodução)
Sonia Guajajara e Sebastião Salgado com Katia Maia, da Oxfam, em debate virtual: críticas ao governo pela falta de proteção aos indígenas na pandemia (Reprodução)

Sônia Guajajara lembrou ainda que a falta de cuidado do governo Bolsonaro está levando a doença a se espalhar mais rapidamente entre os indígenas. “Há territórios indígenas onde vírus chegou através de funcionários da Funai, outros onde a contaminação veio pelos servidores dos distritos sanitários e lugares onde os indígenas foram infectados pelos militares do Exército. Parece uma ação do governo para o genocídio dos nossos povos”, alertou a coordenadora da Apib.

O fotógrafo Sebastião Salgado, que liderou uma campanha internacional de mobilização em defesa dos povos indígenas brasileiros diante da Covid-19 e da invasão de suas terras por garimpeiros, grileiros, madeireiros e líderes religiosos, lembrou que o mundo inteiro olha para o Brasil hoje com preocupação. “O país está no epicentro de uma pandemia e todos veem que temos um governo tomado pelo fascismo e incapaz de agir para proteger a população. O avanço da doença entre os indígenas é motivo de alarme internacional”, afirmou Salgado.

Na quarta-feira, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) voltou a denunciar o agravamento do contágio por coronavírus no interior das aldeias indígenas e a falta de ação da Funai e outros órgãos federais. “A contaminação continua se alastrando nas regiões do alto e médio Solimões, Vale do Javari, Rio Negro, no estado do Amazonas, e também nos estados de Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, assim como no litoral Sul do Brasil. Em todas estas regiões, o vírus já está presente no interior das aldeias. “Essa tragédia só não é maior devido às providências tomadas pelos próprios indígenas de fechar os seus territórios”, afirmou o Cimi.

A morte de Paulinho Paiakan

Liderança do povo Kayapó, Paulinho Paiakan morreu, no início da manhã desta quarta-feira (17), após lutar contra a covid-19 por 10 dias em uma Unidade de Terapia Intensiva, no Hospital Regional do Araguaia, município de Redenção, no Pará. Bep’kororoti Payakan, seu nome na língua do povo Kayapó, ficou famoso nas décadas  ao lutar pela inclusão dos direitos indígenas na Constituição Cidadã de 1988, pelo cancelamento do primeiro projeto da Hidrelétrica de Belo Monte (denominada de Kararô em 1989) e pela demarcação da Terra Indígena Kayapó (1991). com 3,3 milhões de hectares, em 1991, e da Terra Indígena Baú, com 1,5 milhão de hectares, em 2008. Hoje,  existam 12 mil caiapós no Brasil.

O corpo do cacique estava marcado para ser velado em um ritual na aldeia A-Ukre (a 280 quilômetros de Redenção). Maial Paiakan, filha de Paulinho, afirmou à reportagem da Amazônia Real que a família aguardava o corpo do pai. “Estamos viajando para levar o corpo para aldeia”, explicou ela, a caminho de A-Ukre.  Suas três filhas, Kokanã (Tânia), O.é e Maial devem participar do ritual com a viúva, Irekran Paiakan.

Organizações e lideranças relembraram a história de luta, a relevância e a inspiração de Paiakan para o movimento indígena em notas e depoimentos nas redes sociais. “Paiakan se foi como as centenas de vidas indígenas que estamos perdendo para pandemia da covid-19. É com tristeza e revolta que acompanhamos a perda de tantas vidas. Nossos anciões são sagrados e fonte de sabedoria dos povos indígenas”, lamentou, em nota, a APIB.

“Payakan nunca deixou de usar sua inteligência e voz para lutar pelos povos indígenas. Sempre foi atuante na sua região, nos assuntos relacionadas aos Kayapó. Em 2016, foi eleito Presidente da FEPIPA, pois estava engajado na luta dos povos do Pará, e com frequência em Brasília em diversos movimentos, tendo presença marcante nos Acampamentos Terra Livre”, anotou a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

A última aparição pública de Paulinho Paiakan foi no encontro promovido pelo cacique Raoni Kayapó, na Aldeia Piarauçu, da Terra Indígena Capoto Jarina, em janeiro de 2020.  Ao falar para os jovens sobre os riscos que o excesso de contato com o mundo branco poderia trazer, Paulinho refletiu sobre a influência do dinheiro no mundo atual. “Nenhum ser humano está sendo resistente para lidar com o dinheiro, é um vírus que nos corrompe se não lutarmos contra. A vida é mais do que ouro. As pessoas precisam entender bem o significado das ameaças que estão chegando às aldeias por causa do desejo e do dinheiro”, disse à Amazônia Real, durante o evento.

Em 1992, Paulinho Paiakan foi acusado de estupro por uma estudante de 18 anos.  Paiakan e sua mulher Irekran foram inocentados por falta de provas pelo juiz de primeira instância. Embora a Justiça jamais tenha condenado Paiakan pelo crime de estupro, ele foi condenado em 2006 por lesão corporal e atentado ao pudor, pela acusação ter colocado a mão no órgão sexual da estudante.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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