ODS 1
Morte de crianças com suspeita de covid-19 revela abandono dos Yanomami
Vacinação e equipes médicas ainda não chegaram na região dos casos, no noroeste da maior terra indígena do país
Ana Lucia Montel*
Boa Vista (RR) – A morte de nove crianças de 1 a 5 anos com suspeita de Covid-19 das comunidades Waphuta e Kataroa, na região do Surucucu, em Alto Alegre, ao norte da Terra Indígena (TI) Yanomami, em Roraima, alerta para a falta de assistência médica. Conforme denúncia do Conselho Distrital Indígena Yanomami e Ye´Kuana (Condisi-YY), as crianças que morreram apresentavam sintomas como febre alta, de 38 a 40 graus e dificuldades de respirar. O primeiro óbito ocorreu em 2 de janeiro, e até o momento essas comunidades não receberam equipes médicas, nem as doses da CoronaVac, segundo o Condisi.
No último dia 26, o Condisi-YY encaminhou um ofício à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, pedindo ajuda com o envio de profissionais de saúde para maior terra indígena do país Os moradores temem mais mortes, já que outras pessoas dessas comunidades estão enfermas, e os principais sintomas são da Covid-19, conforme relatou à Amazônia Real o presidente do Condisi Yanomami e Ye´Kuana, Junior Hekuari.
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Veja o que já enviamos“Até agora não temos nenhuma resposta. As comunidades Waphuta e Kataroa estão sem assistência de saúde. Eu recebi uma informação das lideranças dessas comunidades que ainda tem muitas pessoas doentes. Umas faixas de 25 crianças estão com os mesmos sintomas e em estado grave, isso é muito sério”, disse o presidente do Condisi-YY, Júnior Hekuari Yanomami, à Amazônia Real.
Segundo Júnior Hekuari, as nove mortes ocorreram em janeiro: quatro na comunidade Waphuta, sendo duas no último dia 25, e outras cinco mortes em Kataroa, região do Surucucu, norte de Roraima. Há cerca de dois meses, os postos de saúde da região estão fechados. “É muito descaso. Com toda essa onda de infecção nas comunidades, o povo indígena vem morrendo desde o início da pandemia. São crianças, jovens, lideranças que estamos perdendo por falta de responsabilidade com a vida humana. Como que deixam essas comunidades com os postos de saúde fechados?”, protestou Júnior Hekuari.
[g1_quote author_name=”Junior Hekuari” author_description=”Presidente do Conselho Distrital Indígna Yanomami e Ye´Kuana (Condisi-YY),” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Ainda não mandaram vacinas para as regiões do território indígena com acesso mais difícil. Já faz duas semanas que as doses chegaram em Boa Vista. Então, já era para ter mobilizado as equipes, planejar tudo. Mas por causa da negligência do Dsei Yanomami as crianças e os povos dessas comunidades estão pagando caro, pelos erros e incompetência dos homens brancos
[/g1_quote]A organização não-governamental Rede Pró-Yanomami e Ye´Kuana, que atua na defesa dos povos indígenas, informou que está apurando as informações sobre as mortes das crianças Yanomami. “Antes mesmo da pandemia chegar a esse território, os Yanomami e Ye’kwana já sofriam com o atendimento de saúde ineficiente e que não leva em conta as especificidades socioculturais e linguísticas dos grupos indígenas atendidos”, afirma nota da Rede Pró-Yanomami e Ye´Kuana.
De acordo com levantamento da Rede Pró-YY, até o momento foram registrados no monitoramento da organização, 1.641 casos confirmados de Covid-19 na Terra Indígena Yanomami, entre eles 16 óbitos. Outros 14 óbitos foram registrados como suspeitos. Estes números são maiores do que os registrados pela Sesai. Até o dia 28 de janeiro, o Dsei Yanomami notificou 1.255 casos de Covid-19 e 10 óbitos.
A primeira morte oficial por Covid-19 de um indígena no Brasil foi justamente entre o povo Yanomami. Em 9 de abril, um adolescente de 15 anos morreu por complicações no pulmão causadas pela Covid-19. Dias antes, ele chegou a ser transferido para diferentes unidades de saúde, sem um diagnóstico exato. A morte dele causou revolta entre os Yanomami porque seu corpo não passou pelos ritos tradicionais da etnia e foi enterrado em Boa Vista. No fim de junho, três bebês recém-nascidos morreram com suspeitas de Covid-19 e seus corpos foram considerados “desaparecidos” pelas mães. Na ocasião, outros dois corpos de crianças Yanomami também estavam com paradeiro incerto. A notícia ganhou projeção nacional.
Falta de planejamento e senso de urgência
O presidente do Condisi-Y protesta contra o descaso com a saúde indígena. “Ainda não mandaram vacinas para as regiões do território indígena com acesso mais difícil. Já faz duas semanas que as doses chegaram em Boa Vista (capital de Roraima). Então, já era para ter mobilizado as equipes, planejar tudo. Mas por causa da negligência do Dsei Yanomami as crianças e os povos dessas comunidades estão pagando caro, pelos erros e incompetência dos homens brancos”, afirmou Júnior Hekuari.
Procurado pela Amazônia Real, o coordenador do Dsei Yanomami e Yekuana, Rômulo Pinheiro, informou que encaminhou uma equipe para averiguar a situação de contaminação nas comunidades, e negou que os óbitos tenham sido por Covid-19. “Está sendo encaminhado um helicóptero para os locais. As equipes já estão se deslocando para as comunidades. Somente com essa averiguação podemos saber de fato quais os motivos do óbito e o que ocorreu”, explicou. “Até hoje desde o início da pandemia não houve nenhum registro de criança por Covid, essa informação não deve ser levada por veracidade”, enfatizou Rômulo Pinheiro.
As mortes ocorreram na região do Surucuru, no noroeste da Terra indígena. Vivem em Kataroa cerca de 412 indígenas Yanomami, e em Waputha são 816. O Dsei-Yanomami atende 28.141 indígenas distribuídos em 371 aldeias. As duas comunidades ficam no meio da Floresta Amazônica, em região de difícil acesso. As duas comunidades sofrem com invasões de garimpeiros. De acordo com o Condisi-YY, em Waputha, há pelo menos 150 garimpeiros atuando ilegalmente.
Após a declaração de Pinheiro, o presidente do Condisi Yanomami afirmou que a informação que eles receberam é a de que os profissionais da saúde só se deslocariam. na próxima semana. “Eles responderam que estão esperando um helicóptero e só vão para as comunidades dia 1 de fevereiro. Nenhum profissional foi enviado ainda. Isso está acontecendo por falta de profissionais e planejamento, segundo os coordenadores que estão nas comunidades o helicóptero irá chegar provavelmente nessa sexta-feira à tarde em Boa Vista”, disse Júnior Hekuari.
Segundo o coordenador do Dsei Yanomami, o quantitativo total enviado pelo Ministério da Saúde foi de 23.480 vacinas, compreendendo primeira e segunda dose. A distribuição das vacinas nas comunidades indígenas iniciou no dia 20/01.
“Nossas equipes de saúde estão realizando a aplicação das vacinas. Até o momento já foram distribuídas para as comunidades mais de 5 mil vacinas. No entanto, o número exato de vacinas aplicadas somente quando forem enviados os relatórios dentro da nossa rotina, uma vez que a comunicação é realizada por radiofonia e muitas vezes o sinal está indisponível”, explicou o coordenador, Rômulo Pinheiro.
A previsão de chegada da vacina na Região Surucucu, local onde as crianças vieram a óbito, está prevista para 1º de fevereiro. “Nossa rotina de trabalho é dividida em duas rotinas no mês, 15 em 15 dias, onde é realizado o envio de insumos e troca de equipe, por exemplo, a região da surucucu rotinas do dia 1 e 16, e assim com as demais”, Rômulo Pinheiro. O Distrito Yanomami informou à Amazônia Real que até o momento recebeu 23.480 doses.
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