Diário da Covid-19: Mais de 5 milhões de casos e 150 mil vidas perdidas no Brasil

Profissional de saúde examina homem da etnia indígena Guajajara de Urucu Juruá, Grajaú, no Maranhão. Foto Andre Borges/NurPhoto

Rio, Roraima, Mato Grosso e Brasília têm os maiores coeficientes de mortalidade por milhão de habitantes

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 11 de outubro de 2020 - 09:46 • Atualizada em 13 de outubro de 2020 - 11:57

Profissional de saúde examina homem da etnia indígena Guajajara de Urucu Juruá, Grajaú, no Maranhão. Foto Andre Borges/NurPhoto

A pandemia no Brasil avança em ritmo mais lento, mesmo assim atingiu números inacreditáveis. Já são mais de 5 milhões de pessoas com testes positivos do novo coronavírus e 150 mil vítimas fatais, até o dia 10 de outubro de 2020. O Brasil está em segundo lugar em número acumulado de mortes (atrás apenas dos EUA) e já ocupa o terceiro lugar no ranking global do coeficiente de mortalidade, com 709 óbitos por milhão de habitantes (atrás somente do Peru e da Bélgica). O continente americano é o mais afetado pela pandemia e o que mais sofre com as consequências econômicas e sociais.

Os Estados Unidos da América (EUA) são o país com o maior número acumulado de casos e de mortes da covid-19 e um dos países mais afetados pela recessão e o desequilíbrio macroeconômico. O “Congressional Budget Office” (CBO) – instituição independente do Congresso Americano – calculou que o déficit orçamentário dos EUA ficou em pouco mais de US$ 1 trilhão em 2019 e deve chegar a US$ 3,3 trilhões em 2020, atingindo 16% do PIB, o maior desde 1945. O CBO considera que a dívida federal em poder do público vai aumentar, acentuadamente, para 98% do PIB em 2020, em comparação com 79% no final de 2019 e 35% em 2007, antes do início da recessão anterior. O desemprego bateu recordes históricos e as eleições presidenciais de 2020 são as mais polarizadas, mais questionadas e mais imprevisíveis de todos os tempos.

Na América Latina e Caribe (ALC) a situação não é menos problemática, como mostra o relatório “Estudio Económico de América Latina y el Caribe” da Cepal, divulgado no dia 07 de outubro de 2020. Antes da pandemia, a região já apresentava baixas taxas de crescimento do PIB e crescentes vulnerabilidades sociais e macroeconômicas. Embora vários países tenham feito esforços fiscais e monetários significativos para mitigar os efeitos sociais e econômicos da pandemia, em algumas nações estes foram limitados pela disponibilidade de acesso ao financiamento, restrições fiscais e restrições externas. Por sua vez, os efeitos da pandemia foram ampliados como consequência da fragilidade dos sistemas de saúde e de proteção social nos países da região, além da alta informalidade dos mercados de trabalho.

O relatório da Cepal diz: “A crise de saúde que gerou a pandemia da doença do coronavírus (covid-19) também produziu a pior contração econômica e social das últimas décadas, tanto globalmente quanto nas economias da América Latina e Caribe. No contexto da região, na data em que este relatório foi escrito, vários países tornaram-se o epicentro da pandemia da covid-19 e é esperada uma queda na taxa de crescimento econômico de 9,1%, acompanhada por aumentos significativos na taxa de pobreza, que alcançará 37,3%, e um aumento na taxa de desemprego, que deverá ficar em torno de 13,5%, além de um agravamento considerável da desigualdade social” (CEPAL, 2020, p.15).

No dia 12 de outubro de 2020 será lembrado os 528 anos do “descobrimento” da América e o desembarque de Cristóvão Colombo e o começo da colonização europeia. As grandes navegações foram um marco fundamental da expansão da globalização e, também, o início das primeiras grandes epidemias do “Novo Mundo”.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde informou, no sábado (10/10), que o país chegou a 5.082.637 pessoas infectadas e 150.198 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 3%. Foram 26.749 novos casos e 559 mortes nas últimas 24 horas. Os números estão caindo, mas o Brasil continua em terceiro lugar no número diário de casos e de mortes (atrás apenas da Índia e dos EUA).

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de casos no território nacional entre 01/03 a 10/10 e a média móvel de 7 dias. Nota-se que o número de pessoas infectadas cresceu continuamente no Brasil, desde o início de março, com a média móvel chegando a 38,4 mil casos em 02 de julho. Nos dias seguintes a média caiu até 33,3 mil casos em 21 de julho. A partir daí subiu até o pico da curva epidemiológica com média de 46,4 mil casos em 29 de julho. Após o cume, a média móvel iniciou uma trajetória de queda e, apesar de algumas oscilações, a média móvel caiu para cerca de 25 mil casos em 10 de outubro de 2020. Todavia, mesmo com a queda significativa dos casos, o Brasil continua no pódio do ranking global, entre os 3 países com maior número acumulado de pessoas infectadas.

O gráfico abaixo mostra as variações absolutas diárias do número de óbitos no território nacional entre 15/03 e 10/10 e a média móvel de 7 dias. Nota-se que o número de vidas perdidas cresceu rapidamente até a média móvel ficar acima de 1 mil óbitos, no dia 04 de junho. Nas semanas seguintes o número diário de mortes se manteve em 4 dígitos e a média móvel atingiu o pico no dia 25 de julho, com 1.097 vítimas fatais. Até meados de agosto, os números caíram, mas a cifra se manteve em 4 dígitos. Somente a partir de 12 de agosto, os números diários de mortes voltaram a apresentar 3 dígitos. A partir de 01 de outubro a média móvel passou a ficar sistematicamente abaixo de 700 óbitos diários e atingiu 602 óbitos no dia 10 de outubro. Contudo, mesmo com a queda significativa das mortes pela covid-19, o Brasil continua em segundo lugar no número acumulado de mortes, à frente da Índia e atrás somente dos EUA.

Os dados acima indicam que o volume de casos e de mortes continuam caindo no Brasil, mas ainda permanecem em alto patamar. Nada garante que estes números vão ser zerados brevemente, pois a experiência internacional mostra que diversos países passam por uma segunda onda e alguns convivem, inclusive, por uma terceira onda da pandemia (como acontece no Irã). Portanto, todo cuidado é pouco!

O panorama nas regiões e nos Estados brasileiros

A pandemia atingiu todo o território nacional, mas com impactos diferentes nas regiões e nas Unidades da Federação (UFs). Evidentemente, as regiões Sudeste e Nordeste são aquelas que apresentam o maior número absoluto de casos e de óbitos, pois são as duas regiões mais populosas do país. Mas o Sudeste possui o menor coeficiente de incidência e o terceiro coeficiente de mortalidade. A região Sul tem o segundo menor coeficiente de incidência e o menor coeficiente de mortalidade. A região Norte tem o maior coeficiente de mortalidade, bem acima da média brasileira.

O Brasil apresentou, no dia 10 de outubro, 24 mil casos por milhão e 709 óbitos por milhão de habitantes. As Unidades da Federação (UFs) com maior coeficiente de incidência são Roraima (83 mil casos por milhão), Distrito Federal (65,4 mil casos por milhão), Amapá (57,2 mil casos por milhão) e Tocantins (44,7 mil casos por milhão). A UF com o menor coeficiente de incidência é Minas Gerais, com 15 mil casos por milhão de habitantes. Os maiores coeficientes de mortalidade estão no Distrito Federal com 1.118 óbitos por milhão, Rio de Janeiro com 1.117 óbitos por milhão, Roraima com 1.062 óbitos por milhão e Mato Grosso com 1.010 óbitos por milhão. A UF com o menor coeficiente de mortalidade também é Minas Gerais, com 379 óbitos por milhão de habitantes.

Comparando com o coeficiente de incidência global (4,8 mil casos por milhão) o coeficiente brasileiro é 5 vezes maior e o de Roraima é 17 vezes maior. O coeficiente de mortalidade mundial é de 139 mortes por milhão, sendo 5 vezes menor do que a mortalidade brasileira e 8 vezes menor do que o coeficiente do Distrito Federal.

O panorama global

O mundo chegou a 37 milhões de pessoas infectadas e 1,07 milhões de mortes no dia 10 de outubro de 2020, com uma taxa de letalidade de 2,9%. O mundo bateu o recorde histórico de mais de 350 mil casos diários da covid-19, no dia 09 de outubro.

O grande salto global no número de testes positivos para o SARS-CoV-2 ocorreu no mês de março e parecia que haveria um declínio a partir do mês de abril. Contudo, o número de casos continuou crescendo aceleradamente a partir de maio, conforme mostra o gráfico abaixo. Nos primeiros dias de julho o mundo ultrapassou a marca de 200 mil casos diários e no final de setembro passou de 300 mil casos diários. Nos 10 primeiros dias de outubro, a média móvel de 7 dias ficou em cerca de 220 mil casos diários e o pico ainda não parece próximo, pois os países da Europa e de outras partes do mundo enfrentam uma segunda onda e até uma terceira onda, como é o caso do Irã, Israel e outros países.

O gráfico abaixo mostra o número diário de óbitos e a média móvel de 7 dias para o mundo. A maior subida do número de mortes aconteceu em março e o pico da média móvel ocorreu no dia 16 de abril com mais de 7 mil vidas perdidas por dia. A partir daí, o número diário de vítimas fatais caiu até o dia 29 de maio, quando a média móvel ficou abaixo de 4 mil óbitos em 24 horas. Mas no mês de junho o número subiu para a casa de 5 mil mortes diárias e atingiu um novo pico no dia 14 de agosto, com média de cerca de 6.400 óbitos em 24 horas. De lá para cá, a média de mortes diárias tem variado entre 5 mil e 6 mil óbitos.

Os países com os maiores coeficientes de incidência são, pela ordem, Catar (45.508 casos por milhão), Bahrain, Israel, Panamá, Kuwait, Peru, Chile, Brasil e EUA (23.965 casos por milhão), conforme o gráfico abaixo. Todos estes 9 países possuem números muito maiores do que a média mundial (4.817 casos por milhão) e maiores do que o coeficiente de incidência da Índia (4.817 casos por milhão de habitantes). Nota-se que os 5 países que estão no topo do ranking dos casos são países que possuem baixo nível de mortalidade, enquanto os outros 4 possuem grande número de vidas perdidas.

Os países com os maiores coeficientes de mortalidade são, pela ordem, Peru (1.004 óbitos por milhão), Bélgica (875 óbitos por milhão), Brasil (709 óbitos por milhão), Espanha, Chile, EUA e Reino Unido (629 óbitos por milhão de habitantes). O coeficiente do mundo é de 119 óbitos por milhão e da Índia de 57 óbitos por milhão. Nota-se que o coeficiente do Brasil é 6 vezes maior do que a média mundial e 12 vezes maior do que o coeficiente da Índia.

A América é o continente mais sofre com a covid-19

O continente americano (incluindo América do Norte, Central e do Sul) é a região do Planeta mais impactada pela pandemia do SARS-CoV-2, o novo coronavírus que surgiu na China. Do gigante asiático, o vírus se espalhou pela Eurásia e pelo mundo, mas deixou mais casos e mais vidas perdidas nas Américas.

Os dois maiores países do continente são também os dois com os maiores números acumulados de vidas perdidas para a covid-19: os EUA com cerca de 220 mil óbitos e o Brasil com 150 mil óbitos, no dia 10 de outubro. O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME), da Universidade de Washington, estima que, no dia 31 de dezembro de 2020, o número de mortes no Brasil, deve ficar entre 172,1 mil e 182,2 mil vítimas fatais e nos EUA entre 277,3 mil e 427,5 mil óbitos.

A tabela abaixo mostra que o continente americano responde por 13,1% da população mundial, mas, no dia 10 de outubro, registrava 18,2 milhões de pessoas infectadas pela covid-19 (49% do total mundial) e 596,4 mil vítimas fatais (55% do total mundial). Em contraste, a Ásia – com 59,5% da população global – respondia por 31% dos casos e 20% das mortes. A Europa – com 9,6% da população mundial – respondia por 16% dos casos e 21% das mortes. A África – com 17,2% da população mundial – respondia por 4,2% dos casos e 3,5% das mortes. E a Oceania – com 0,5% da população mundial – respondia por somente 0,1% dos casos e das mortes globais, conforme mostra a tabela abaixo.

Portanto, as Américas são a região mais atingida pela pandemia da covid-19. Indubitavelmente, não é a primeira vez que o continente americano é vítima de uma pandemia vinda de fora. Como mostrou o biólogo e escritor Jared Diamond, no livro “Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas”, os colonizadores espanhóis, portugueses e europeus além de adotarem uma política de saque e exploração do “Novo mundo” (armas e aço), também provocaram um genocídio dos povos nativos ao entrar em contato com uma população que não tinha anticorpos para os vírus trazidos de forma exógena (germes).

Os povos da Eurásia começaram a domesticar plantas e animais há cerca de 12 mil anos (no início do Holoceno) e isto criou uma vantagem comparativa em relação aos povos de outros continentes. O “pacote agrícola e pecuário” do “Velho mundo” permitiu um grande avanço da economia no longo prazo. Mas também provocou a difusão de diversas doenças que os domesticadores adquiriram (como “presentes letais”) por causa do seu contato mais íntimo com os seus rebanhos. Diamond considera que, na Eurásia, as vantagens da domesticação dos animais se revelaram maiores do que as doenças surgidas, não obstante todas as dificuldades criadas para essas sociedades por essas doenças.

Todavia, quando as sociedades produtoras de alimentos se espalharam pelo planeta, essas doenças se transformaram em armas valiosas, mesmo que involuntárias, contra os povos coletores, já que no mundo inteiro estes últimos foram sistematicamente vitimados de maneira epidêmica, pois, não tendo domesticado os mesmos tipos de animais, careciam de resistências orgânicas ou imunológicas contra elas.

Desta forma, o “descobrimento da América” significou uma espécie de apocalipse para os povos tradicionais do continente. Calcula-se que no Brasil existiam cerca de 5 milhões de indígenas em 1500, número que foi reduzido a menos de 1 milhão ao longo dos primeiros quatro séculos de colonização. Segundo Waizbort e Porto (2018), as estimativas da população do continente americano em 1492 variam entre 50 e 100 milhões de ameríndios, sendo que pelo menos a metade morreu entre a chegada de Colombo e o fim do século XVI.

Portanto, não é de se estranhar que atualmente as estátuas de Cristóvão Colombo e outros colonizadores estejam sendo derrubadas em diversas nações do continente. A data de 12 de outubro deixou de ser um dia de festa para se transformar em dia de luto e de luta pela descolonização da herança da prática e do pensamento colonial.

Frase do dia 12 de outubro de 2020 (“Descobrimento” da América)

“O Colombo é o cara que quando saiu não sabia para onde estava indo e quando voltou não soube dizer onde tinha estado”

Eduardo Bueno, jornalista e escritor

Referências:

CBO. An Update to the Budget Outlook: 2020 to 2030, Congressional Budget Office , 02/09/2020

https://www.cbo.gov/publication/56517

Diamond, Jared. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Record, 2013

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/622169/mod_resource/content/1/Diamond%2C%20Jared%2C%20Armas%2C%20Germes%20e%20A%C3%A7o.pdf

Ricardo Waizbort e Filipe Porto. Epidemias e colapso demográfico no México e nos Andes do século XVI: contribuições da biologia evolutiva. Hist. cienc. saúde-Manguinhos vol.25 no.2, Rio de Janeiro Apr./June, 2018

https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702018000200391&script=sci_arttext

Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL). Estudio Económico de América Latina y el Caribe, 2020, Santiago, 2020.

https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/46070/89/S2000371_es.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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