ODS 1
Diário da Covid-19: Já dá para ver alguma luz no fim do túnel
Número de novos casos no Brasil se estabiliza e volume de mortes começa a cair, mas flexibilização do isolamento pode provocar uma segunda onda da pandemia
O pior já passou? Esta é a pergunta que mais ouço nas últimas semanas. Tem sido triste responder negativamente. Evidentemente, não é minha vontade evitar boas notícias. Apenas tento traduzir o que a análise estatística dos dados evidencia. Como fazemos todos os domingos, apresentamos um balanço da evolução do número de casos e de óbitos nas semanas epidemiológicas no Brasil e comparamos com a evolução da pandemia no mundo. Pois bem, o que os números indicavam desde a 16ª Semana Epidemiológica (SE de 12 a 18 de abril) era que os valores absolutos estavam aumentando rapidamente e os valores relativos estavam diminuindo lentamente, de tal forma, que o ritmo da pandemia no Brasil estava se acelerando em relação ao resto do mundo.
A diferença entre o Brasil e a média dos demais países aumentou até a 21ª SE (17 a 23) de maio. Na semana seguinte houve pouca alteração. Mas na 23ª SE (31/05 a 06/06) as cifras brasileiras continuaram crescendo, porém, numa velocidade menor quando comparada com a média mundial. E a melhor notícia aconteceu agora, na avaliação da semana passada (24ª SE de 07 a 13/06), quando o aumento do número absoluto de casos ficou, praticamente, constante e o número absoluto de mortes diminuiu em relação à semana anterior. É a primeira vez que isto acontece desde o início da pandemia em março.
Ainda é cedo para se ter uma conclusão definitiva, mas como mostramos no Diário do dia 12/06, “Pandemia reduz o ritmo nas capitais brasileiras”, já existem sinais de que o surto da covid-19 está desacelerando em terminados locais (embora aumentando em outros). Na 24ª SE (7-13/06) os sinais positivos apareceram na média nacional, o que nos dá esperança de que estamos próximos de atravessar o pico e iniciar a descida da curva, como veremos a seguir.
O panorama nacional
Os números da pandemia do coronavírus no Brasil divulgados pelo Ministério da Saúde, no sábado (14/06), indicam 850.514 casos e 42.720 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 5%. Foram 21.704 novos casos (número menor do que os 25 mil novos casos dos EUA) e 892 vidas ceifadas em 24 horas (número maior do que os 702 óbitos dos EUA e os 504 do México).
Para avaliar o ritmo da expansão da pandemia no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), segundo a definição do Ministério da Saúde que aponta a 10ª SE como a semana de 01 a 07 de março de 2020 e em seguida as demais. No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia).
Até a 13ª SE (22 a 28) os números relativos ficaram acima de 30% ao dia. Porém, nas semanas seguintes os números absolutos foram crescendo ao mesmo tempo que a variação percentual foi diminuindo. No mês de março houve acréscimo de 5,7 mil casos, em abril foram 80 mil casos, em maio impressionantes 429 mil casos e 336 mil casos somente nos 13 primeiros dias de junho.
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Veja o que já enviamosMas cabe ressaltar que na 23ª SE houve aumento absoluto de 174,4 mil casos e aumento relativo de 4,4% ao dia e na 24ª SE houve aumento absoluto de 177,7 mil casos e aumento relativo de 3,4% ao dia. Embora o número de pessoas infectadas seja muito alto, a boa notícia é que ficou praticamente estável em termos absolutos e caiu forte em termos relativos.
O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou de 397 casos na 13ª SE, mas foi a 2.267 pessoas na 16ª SE e mais do que decuplicou na 22ª SE. Porém, nas duas últimas semanas (23ª e 24ª) houve quase estabilidade nos novos números de casos. Nossa projeção é que esta estabilidade vai se manter na 25ª SE (de 14 a 20/06), com menos de 26 mil casos diários no Brasil.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3% na 12ª SE. Na semana seguinte, o número de óbitos chegou a 111 óbitos (ou 29,7% ao dia) na 13ª SE. Nas semanas seguintes o número de mortes foi crescendo até chegar aos atuais 42.720 óbitos, que coloca o Brasil no segundo lugar no triste ranking global das vítimas fatais do coronavírus. Mas, durante estes quase 3 meses, as variações percentuais vieram caindo e chegaram a 2,5% ao dia na 24ª SE (07 a 13/06).
O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE, passou para 46 óbitos na 14ª SE e se multiplicou por 20 vezes até a 21ª SE, com tristes 910 óbitos diários. Observa-se que enquanto cresciam os números absolutos, as taxas (números relativos) estavam, continuamente, caindo. Mas o recorde do número absoluto, com 1.014 óbitos ocorreu na 23ª SE e, a boa notícia, é que pela primeira vez desde meados de março o número absoluto de óbitos diminuiu de uma semana para a outra. O número de 970 mortes por dia na 24ª SE é alto, mas marca a primeira redução absoluta. Nossa projeção é que vai continuar caindo e devem ocorrer 956 óbitos ao dia na 25ª SE (de 14 a 20/06). Isto pode significar que o Brasil está atravessando o pico da pandemia.
O panorama global
O dia 13 de junho terminou com 7,9 milhões de casos e 431 mil vidas ceifadas no mundo, com uma taxa de letalidade de 5,5%. O número de pessoas infectadas chegou à marca histórica de 1 caso para cada 1 mil habitantes. O mundo caminha para 8 milhões de pessoas contaminadas. O número absoluto de casos globais está aumentando e bateu o recorde de 140 mil casos em 24 horas, em 12 de junho. O gráfico abaixo, assim como no Brasil, mostra as variações absolutas e relativas. Desde a 13ª SE os números relativos estão caindo e ficaram em 1,8% ao dia na 24ª SE.
O gráfico abaixo mostra que o aumento absoluto do número de mortes foi muito grande passando de 3 mil óbitos no dia 01/03 para 431 mil no dia 13 de junho. Mas a variação relativa chegou ao máximo na 13ª SE (com 13,1% ao dia) e diminuiu constantemente nas semanas seguintes até chegar a 1% ao dia na 24ª SE. Tudo indica que o ritmo do crescimento relativo das mortes na próxima semana vai ficar abaixo de 1% ao dia.
Todos os dados acima mostram que a pandemia no Brasil cresce a um ritmo mais rápido do que o ritmo da média mundial. Mas o gráfico abaixo deixa claro que o Brasil estava acelerando em relação ao mundo até a semana de 17 a 23 de maio e depois passou a desacelerar. O número de casos brasileiros chegou a subir 3 vezes mais rápido do que os casos mundiais, mas na 24ª SE (07-13/06) esta diferença caiu para 1,9 vezes.
Da mesma forma, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença passou para mais de 3 vezes. Contudo, no mês de junho houve desaceleração do ritmo brasileiro e a diferença caiu de 3,5 para 2,5 vezes entre a velocidade brasileira e global.
Os dados acima indicam que, até aqui, parece que o pior já passou. Ou seja, a fase de expansão acelerada do número absoluto de casos e mortes ficou para trás. No número de casos houve uma quase estabilidade entre as duas últimas semanas epidemiológicas (23ª e 24ª SE). Mas no número de mortes houve queda do número absoluto. Sendo que a queda maior ocorreu nas capitais, inclusive nas duas maiores cidades do Brasil (SP e RJ), embora haja necessidade de se verificar melhor as alterações nos registros por parte, principalmente, da prefeitura do Rio.
Todavia, é bom ter cautela no otimismo, pois o processo de flexibilização da quarentena e a retomada das atividades econômicas e sociais pode gerar uma segunda onda de contaminação. O Irã tem passado por uma segunda onda de casos que foi maior do que a primeira, porém menos letal, como mostramos no Diário do dia 09/06: “Turquia controla a pandemia e o Irã tem segunda onda”. Vários estados americanos também estão passando por uma segunda onda depois da liberação do isolamento social e das grandes manifestações de rua depois que um homem negro de 46 anos, George Floyd, ter sido morto após detido, algemado e imobilizado por um policial branco, na cidade americana de Minneapolis.
No mundo, a grande maioria dos países já reduziu o número de casos e de mortes depois de 90 dias do início do surto pandêmico. Na próxima semana vamos ver se o Brasil vai seguir a maioria e controlar a pandemia ou vai prosseguir sozinho rumo ao posto de nação mais atingida pela pandemia. Vamos torcer e trabalhar pelo melhor cenário.
Frase do dia 14 de junho de 2020
“A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo”
Fernando Pessoa (1888-1935)
Poeta português
Referências:
ALVES, JED. Diário da Covid-19: Pandemia reduz o ritmo nas capitais brasileiras, #Colabora, 12/06/2020 https://projetocolabora.com.br/ods3/pandemia-reduz-o-ritmo-nas-capitais-brasileiras/
ALVES, JED. Diário da Covid-19: Turquia controla a pandemia e o Irã tem segunda onda, #Colabora, 09/06/2020
https://projetocolabora.com.br/ods3/turquia-controla-a-pandemia-e-o-ira-tem-segunda-onda/
José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.