Diário da Covid-19: Já dá para ver alguma luz no fim do túnel

Elisabete Nagata (em cima) abraça sua cunhada Luiza Nagata, de 76 anos, através de uma cortina de plástico transparente em um lar de idosos em São Paulo. Foto Nelson Almeida/AFP

Número de novos casos no Brasil se estabiliza e volume de mortes começa a cair, mas flexibilização do isolamento pode provocar uma segunda onda da pandemia

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 14 de junho de 2020 - 12:58 • Atualizada em 19 de dezembro de 2021 - 11:52

Elisabete Nagata (em cima) abraça sua cunhada Luiza Nagata, de 76 anos, através de uma cortina de plástico transparente em um lar de idosos em São Paulo. Foto Nelson Almeida/AFP

O pior já passou? Esta é a pergunta que mais ouço nas últimas semanas. Tem sido triste responder negativamente. Evidentemente, não é minha vontade evitar boas notícias. Apenas tento traduzir o que a análise estatística dos dados evidencia. Como fazemos todos os domingos, apresentamos um balanço da evolução do número de casos e de óbitos nas semanas epidemiológicas no Brasil e comparamos com a evolução da pandemia no mundo. Pois bem, o que os números indicavam desde a 16ª Semana Epidemiológica (SE de 12 a 18 de abril) era que os valores absolutos estavam aumentando rapidamente e os valores relativos estavam diminuindo lentamente, de tal forma, que o ritmo da pandemia no Brasil estava se acelerando em relação ao resto do mundo.

A diferença entre o Brasil e a média dos demais países aumentou até a 21ª SE (17 a 23) de maio. Na semana seguinte houve pouca alteração. Mas na 23ª SE (31/05 a 06/06) as cifras brasileiras continuaram crescendo, porém, numa velocidade menor quando comparada com a média mundial. E a melhor notícia aconteceu agora, na avaliação da semana passada (24ª SE de 07 a 13/06), quando o aumento do número absoluto de casos ficou, praticamente, constante e o número absoluto de mortes diminuiu em relação à semana anterior. É a primeira vez que isto acontece desde o início da pandemia em março.

Ainda é cedo para se ter uma conclusão definitiva, mas como mostramos no Diário do dia 12/06, “Pandemia reduz o ritmo nas capitais brasileiras”, já existem sinais de que o surto da covid-19 está desacelerando em terminados locais (embora aumentando em outros). Na 24ª SE (7-13/06) os sinais positivos apareceram na média nacional, o que nos dá esperança de que estamos próximos de atravessar o pico e iniciar a descida da curva, como veremos a seguir.

Agentes da Guarda Municipal inspecionam a praia, no Recreio dos Bandeirantes, com o mar repleto de surfistas. Foto Allan Carvalho (NurPhoto)
Agentes da Guarda Municipal inspecionam a praia, no Recreio dos Bandeirantes, com o mar repleto de surfistas. Foto Allan Carvalho (NurPhoto)

O panorama nacional

Os números da pandemia do coronavírus no Brasil divulgados pelo Ministério da Saúde, no sábado (14/06), indicam 850.514 casos e 42.720 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 5%. Foram 21.704 novos casos (número menor do que os 25 mil novos casos dos EUA) e 892 vidas ceifadas em 24 horas (número maior do que os 702 óbitos dos EUA e os 504 do México).

Para avaliar o ritmo da expansão da pandemia no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), segundo a definição do Ministério da Saúde que aponta a 10ª SE como a semana de 01 a 07 de março de 2020 e em seguida as demais. No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia).

Até a 13ª SE (22 a 28) os números relativos ficaram acima de 30% ao dia. Porém, nas semanas seguintes os números absolutos foram crescendo ao mesmo tempo que a variação percentual foi diminuindo. No mês de março houve acréscimo de 5,7 mil casos, em abril foram 80 mil casos, em maio impressionantes 429 mil casos e 336 mil casos somente nos 13 primeiros dias de junho.

Mas cabe ressaltar que na 23ª SE houve aumento absoluto de 174,4 mil casos e aumento relativo de 4,4% ao dia e na 24ª SE houve aumento absoluto de 177,7 mil casos e aumento relativo de 3,4% ao dia. Embora o número de pessoas infectadas seja muito alto, a boa notícia é que ficou praticamente estável em termos absolutos e caiu forte em termos relativos.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou de 397 casos na 13ª SE, mas foi a 2.267 pessoas na 16ª SE e mais do que decuplicou na 22ª SE. Porém, nas duas últimas semanas (23ª e 24ª) houve quase estabilidade nos novos números de casos. Nossa projeção é que esta estabilidade vai se manter na 25ª SE (de 14 a 20/06), com menos de 26 mil casos diários no Brasil.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3% na 12ª SE. Na semana seguinte, o número de óbitos chegou a 111 óbitos (ou 29,7% ao dia) na 13ª SE. Nas semanas seguintes o número de mortes foi crescendo até chegar aos atuais 42.720 óbitos, que coloca o Brasil no segundo lugar no triste ranking global das vítimas fatais do coronavírus. Mas, durante estes quase 3 meses, as variações percentuais vieram caindo e chegaram a 2,5% ao dia na 24ª SE (07 a 13/06).

O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE, passou para 46 óbitos na 14ª SE e se multiplicou por 20 vezes até a 21ª SE, com tristes 910 óbitos diários. Observa-se que enquanto cresciam os números absolutos, as taxas (números relativos) estavam, continuamente, caindo. Mas o recorde do número absoluto, com 1.014 óbitos ocorreu na 23ª SE e, a boa notícia, é que pela primeira vez desde meados de março o número absoluto de óbitos diminuiu de uma semana para a outra. O número de 970 mortes por dia na 24ª SE é alto, mas marca a primeira redução absoluta. Nossa projeção é que vai continuar caindo e devem ocorrer 956 óbitos ao dia na 25ª SE (de 14 a 20/06). Isto pode significar que o Brasil está atravessando o pico da pandemia.

O panorama global

O dia 13 de junho terminou com 7,9 milhões de casos e 431 mil vidas ceifadas no mundo, com uma taxa de letalidade de 5,5%. O número de pessoas infectadas chegou à marca histórica de 1 caso para cada 1 mil habitantes. O mundo caminha para 8 milhões de pessoas contaminadas. O número absoluto de casos globais está aumentando e bateu o recorde de 140 mil casos em 24 horas, em 12 de junho. O gráfico abaixo, assim como no Brasil, mostra as variações absolutas e relativas. Desde a 13ª SE os números relativos estão caindo e ficaram em 1,8% ao dia na 24ª SE.

O gráfico abaixo mostra que o aumento absoluto do número de mortes foi muito grande passando de 3 mil óbitos no dia 01/03 para 431 mil no dia 13 de junho. Mas a variação relativa chegou ao máximo na 13ª SE (com 13,1% ao dia) e diminuiu constantemente nas semanas seguintes até chegar a 1% ao dia na 24ª SE. Tudo indica que o ritmo do crescimento relativo das mortes na próxima semana vai ficar abaixo de 1% ao dia.

Todos os dados acima mostram que a pandemia no Brasil cresce a um ritmo mais rápido do que o ritmo da média mundial. Mas o gráfico abaixo deixa claro que o Brasil estava acelerando em relação ao mundo até a semana de 17 a 23 de maio e depois passou a desacelerar. O número de casos brasileiros chegou a subir 3 vezes mais rápido do que os casos mundiais, mas na 24ª SE (07-13/06) esta diferença caiu para 1,9 vezes.

Da mesma forma, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença passou para mais de 3 vezes. Contudo, no mês de junho houve desaceleração do ritmo brasileiro e a diferença caiu de 3,5 para 2,5 vezes entre a velocidade brasileira e global.

Os dados acima indicam que, até aqui, parece que o pior já passou. Ou seja, a fase de expansão acelerada do número absoluto de casos e mortes ficou para trás. No número de casos houve uma quase estabilidade entre as duas últimas semanas epidemiológicas (23ª e 24ª SE). Mas no número de mortes houve queda do número absoluto. Sendo que a queda maior ocorreu nas capitais, inclusive nas duas maiores cidades do Brasil (SP e RJ), embora haja necessidade de se verificar melhor as alterações nos registros por parte, principalmente, da prefeitura do Rio.

Todavia, é bom ter cautela no otimismo, pois o processo de flexibilização da quarentena e a retomada das atividades econômicas e sociais pode gerar uma segunda onda de contaminação. O Irã tem passado por uma segunda onda de casos que foi maior do que a primeira, porém menos letal, como mostramos no Diário do dia 09/06: “Turquia controla a pandemia e o Irã tem segunda onda”. Vários estados americanos também estão passando por uma segunda onda depois da liberação do isolamento social e das grandes manifestações de rua depois que um homem negro de 46 anos, George Floyd, ter sido morto após detido, algemado e imobilizado por um policial branco, na cidade americana de Minneapolis.

No mundo, a grande maioria dos países já reduziu o número de casos e de mortes depois de 90 dias do início do surto pandêmico. Na próxima semana vamos ver se o Brasil vai seguir a maioria e controlar a pandemia ou vai prosseguir sozinho rumo ao posto de nação mais atingida pela pandemia. Vamos torcer e trabalhar pelo melhor cenário.

Frase do dia 14 de junho de 2020

“A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo”

Fernando Pessoa (1888-1935)

Poeta português

Referências:

ALVES, JED. Diário da Covid-19: Pandemia reduz o ritmo nas capitais brasileiras, #Colabora, 12/06/2020 https://projetocolabora.com.br/ods3/pandemia-reduz-o-ritmo-nas-capitais-brasileiras/

ALVES, JED. Diário da Covid-19: Turquia controla a pandemia e o Irã tem segunda onda, #Colabora, 09/06/2020

https://projetocolabora.com.br/ods3/turquia-controla-a-pandemia-e-o-ira-tem-segunda-onda/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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