O Senado aprovou, nesta terça-feira (09/12), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/2023, que insere no artigo 231 da Constituição Federal a tese do Marco Temporal – já julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – como condição para a demarcação de terras indígenas, além de prever que o Estado indenize fazendeiros em caso de desapropriação por interesse social. O novo ataque aos direitos dos indígenas teve 52 votos de senadores: a PEC agora vai para análise da Câmara dos Deputados.
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O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, acelerou a tramitação do marco temporal o que permitiu a deliberação em dois turnos de forma expressa. No primeiro turno, 52 senadores foram favoráveis à PEC e 14, contra; no segundo turno, houve um voto contrário a mais.
Organizações indígenas reagiram ao ataque aos direitos dos povos originários. “Trata-se de uma ameaça direta à demarcação e proteção das terras indígenas, pois restringe direitos territoriais e estimula conflitos fundiários”, alertou., em nota, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). A organização afirmou ainda que a tramitação ocorre sem consulta prévia, violando a Convenção 169 da OIT. “A PEC fere o direito à consulta livre, prévia e informada ao tramitar sem ouvir os povos diretamente afetados”, destacou.
A Coiab classificou a iniciativa como um novo ato de violência institucional contra os povos indígenas. A proposta ignora a realidade histórica de expulsões, violências e remoções forçadas sofridas pelos povos indígenas ao longo dos séculos”, criticou a entidade, lembrando que a PEC pretende limitar o reconhecimento de terras indígenas às áreas ocupadas em 5 de outubro de 1988.
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Veja o que já enviamosA entidade relacionou o avanço da PEC do Marco Temporal a disputas institucionais. “A votação acontece um dia antes do STF retomar o julgamento do Marco Temporal, o que evidencia que sua movimentação faz parte de uma disputa política entre poderes”, apontou. A entidade criticou o papel de Alcolumbre, eleito pelo Amapá. “É lamentável e contraditório que um representante de um território ameaçado pela destruição ambiental trabalhe para enfraquecer o bioma Amazônico que sustenta o Estado que o elegeu”, completou.
A Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam) classificou a PEC 48/2023 como um dos ataques mais severos aos direitos indígenas desde 1988. “A proposta representa um dos mais graves ataques já desferidos contra os direitos dos povos indígenas desde a promulgação da Constituição”, afirmou a entidade em nota. “A defesa dos direitos territoriais dos povos indígenas é uma defesa da democracia, da floresta em pé e da proteção climática”.
O advogado Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também protestou contra a aprovação da inclusão do Marco Temporal na Constituição através da PEC 48/2023. “Tentam reescrever nossa história, ignorando expulsões, violências, esbulhos e séculos de resistência. Nossa história não começa em 1988. Nós sempre estivemos aqui”, frisou, lembrando que a tese está na pauta do Supremo. “O movimento indígena segue firme. Confiamos no STF para garantir a Constituição, os direitos originários e a proteção da vida. Não permitiremos retrocessos. Ninguém tira os direitos indígenas da Constituição”, afirmou Dinamam, protestando ainda contra a restrição de lideranças indígenas de assistirem a sessão do Senado.
O Greenpeace Brasil também apontou a aprovação da PEC no Senado como um ataque aos direitos e garantias fundamentais da Constituição e condena a maneira como a votação foi conduzida: sem a participação dos povos indígenas e com apresentação do relatório com a sessão já em andamento. “A votação da PEC 48 reflete o modo de operar antidemocrático do Congresso: os povos indígenas não puderam acompanhar a votação em Plenário, o relatório foi apresentado com a sessão já em andamento, o processo de votação foi acelerado e não respeitou o intervalo de 5 sessões e, ainda, inseriram um novo artigo ao texto que obriga o governo a indenizar o proprietário em caso de desapropriação por interesse social”, protestou a especialista em políticas públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno.
A ambientalista destacou ainda as violências do texto aprovado. “Não bastava o absurdo da tese do marco temporal, no atropelo final, incluíram uma espécie de legalização da grilagem no novo parecer, momentos antes da votação. É a prova de que estão dispostos a tudo para garantir os privilégios de quem invadiu terra pública e ainda onerar os cofres públicos”, afirmou.
Marco Temporal em julgamento no STF
Alcolumbre acelerou a votação da PEC depois do Supremo ter marcado para esta quarta-feira (10/12) a votação de uma série de ações envolvendo a tese do Marco Temporal. Os ministros vão se debruçar sobre a constitucionalidade da Lei 14.701/23, batizada pelo movimento indígena como ‘Lei do Genocídio Indígena’, que tentou restabelecer o princípio do Marco Temporal, previamente declarado inconstitucional pelo STF no caso Xokleng no começo de 2023.
A tese do Marco Temporal, transformada em lei após o Congresso derrubar vetos do presidente Lula, gerou ações no STF. Em abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes estabeleceu a suspensão das ações que tratam da questão no Supremo, até que haja uma decisão final dos ministros. Na ocasião, foi estabelecido pelo STF um grupo de trabalho para discussão do tema com o Executivo e o Legislativo, o que havia levado à suspensão da tramitação da PEC 48/2023 no Senado. Quando o julgamento foi marcado, o senador Davi Alcolumbre decidiu acelerar a tramitação da PEC.
O resultado do julgamento impactará diretamente a eficácia do Artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e determina a obrigação do Estado de demarcá-las e protegê-las. No entendimento dos povos indígenas e seus aliados, a tese jurídica do marco temporal desrespeita a Constituição que reconhece aos indígenas, em seu artigo 231, “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
Assim, os povos indígenas teriam direito aos territórios, onde tinham raízes mesmo antes de 1988. Como, ao longo da história do Brasil, os indígenas foram expulsos de muitas terras, eles ainda teriam o direito a demarcação de territórios em que o estado reconhecesse sua ocupação tradicional pelos povos originários. “Nós, do movimento indígena, estaremos mobilizados para garantir que nossos direitos constitucionais sejam respeitados. Esperamos que os ministros do STF reafirmem a inconstitucionalidade do marco temporal e reconheçam que proteger as Terras Indígenas é proteger a democracia, o clima e o futuro do país”, afirmou Dinamam Tuxá,
Os defensores do marco temporal – principalmente proprietários rurais e seus aliados no Congresso – apoiam a tese jurídica de que os povos indígenas só possuem direito de reivindicar determinado território caso eles já o ocupassem em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da atual Constituição do Brasil. Esta data seria o marco de tempo para os direitos indígenas sobre as terras que não valeriam para o passado.
