Distrito Federal e 5 estados gastaram R$ 7,7 bilhões em 2023 na fracassada guerra às drogas

Estudo mostra que, com este orçamento, poderiam ter sido construídas 954 escolas públicas e feita a manutenção de 400 UPAs

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 10 de dezembro de 2024 - 05:01 • Atualizada em 11 de dezembro de 2024 - 09:05

Arte para capa do ‘Efeito Bumerangue: o custo da proibição das drogas’: cinco estados e Distrito Federal gastaram R$ 7,7 bilhões (Arte: Hebert Amorim/ Artedeft)

Levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) revela que o Distrito Federal e os estados São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pará e Santa Catarina consumiram R$ 7,7 bilhões de seu orçamento na implementação da Lei de Drogas (11.343/2006). Mais da metade dos gastos dessa política de ‘guerra às drogas’ foi para as Polícias Militares e os Sistemas Penitenciários – sem que fosse registrado qualquer significativa redução das atividades criminosas ligadas ao tráfico nem qualquer resultado do encarceramento em massa.

Leu essa? Polícia da Bahia mata uma pessoa negra a cada sete horas

O estudo ‘Efeito Bumerangue: o custo da proibição das drogas’ – lançado nesta terça-feira (10/12) – revela ainda que, juntos, Bahia, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo gastaram quase R$ 1 bilhão com o Sistema Socioeducativo em 2023, em privação e restrição de liberdade de adolescentes por infrações relacionadas à Lei de Drogas. A pesquisa inaugura a nova etapa do projeto Drogas: Quanto Custo Proibir, que amplia o território de análise sobre os impactos sociais e econômicos provocados pela chamada guerra às droga.

As polícias militares fazem operações muito custosas para o Estado e que devastam a vida e o futuro de milhares de jovens negros das periferias, seja pela letalidade da sua ação, seja pelo encarceramento ou pelas limitações impostas à vida cotidiana, como a impossibilidade de ir à escola ou a um centro de saúde. Em resumo, sob qualquer ponto de vista o custo da proibição também significa um prejuízo imenso para a sociedade

Julita Lemgruber
Socióloga e coordenadora do CESeC

Os responsáveis pelo estudo explicam que seu nome foi inspirado no movimento de um bumerangue, objeto que é arremessado com objetivo de regressar na direção de quem o lançou, mas, apesar de aparentemente ser uma jogada calculada, pode ter efeitos imprevistos, com uma trajetória diferente da esperada. “A guerra às drogas se assemelha a uma jogada de bumerangue amadora e sem estratégia, mas o objeto aqui é um montante bilionário de dinheiro público, que se volta contra a população, com impactos devastadores, principalmente para a juventude negra e periférica”, destaca a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do CESeC e do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir.

Com experiência na área pública como diretora do Departamento do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro entre 1990 e 1994 e ouvidora da Policia 1999 e 2000, ela destaca os efeitos dessa política de guerra às drogas”. “Como um efeito bumerangue, vemos as ações de todo o sistema de justiça destinadas a reprimir a circulação e o consumo de drogas se voltarem contra a população, aumentando a vulnerabilidade de territórios e corpos historicamente afetados pela violência do Estado e pela precariedade dos serviços públicos”, acrescenta Julita.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

O projeto Drogas: Quanto Custa Proibir vem, desde 2019, discutindo os impactos sociais e econômicos provocados pela chamada guerra às drogas, escolha política baseada no enfrentamento bélico ao varejo das substâncias consideradas ilícitas, que se consolidou no Brasil e no mundo. “A ‘guerra às drogas’, enquanto estratégia de segurança pública, frequentemente se materializa em operações policiais – promovidas pelas polícias em favelas e periferias – que nem são capazes de desmantelar as organizações criminosas, nem diminuem a circulação e o comércio de substâncias psicoativas nas grandes cidades do país”, destaca o documento do CESeC.

Arte para Efeito Bumerangue: com orçamento da guerra às drogas, poderiam ser construídas quase mil escolas e fazer manutenção de 400 UPAs (Arte: Hebert Amorim/ Artedeft)
Arte para Efeito Bumerangue: com orçamento da guerra às drogas, poderiam ser construídas quase mil escolas e fazer manutenção de 400 UPAs (Arte: Hebert Amorim/ Artedeft)

Diferenças entre estados

Essa nova fase do projeto busca ampliar a análise de custo da primeira etapa – Um Tiro no Pé, publicada em 2021 com base em dados de 2017 – que buscou calcular custo orçamentário da implementação das lei de drogas para o Sistema de Justiça Criminal apenas nos estados do Rio e São Paulo. Para o Efeito Bumerangue, a pesquisa selecionou unidades para que todas as regiões estivessem representadas: Bahia (Nordeste), Pará (Norte) Santa Catarina (Sul) e o Distrito Federal (Centro-Oeste). No próximo ano, o CESeC pretende alcançar todos os Estados da federação com o projeto Drogas: Quanto Custa Proibir.

O novo estudo está dividido em três seções: a análise de especialistas em segurança pública sobre os diferentes contornos da política de drogas e segurança nas seis unidades da federação selecionadas; a descrição detalhada da metodologia utilizada para mensurar a proporção do trabalho das instituições – Polícias Civil e Militar, do Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Justiça, Sistemas Penitenciário e Socioeducativo – com a aplicação da Lei de Drogas; e, finalmente, o custo da aplicação da Lei por unidade da Federação, com a demonstração de quanto do trabalho de cada instituição é destinado para implementar tal legislação.

O estudo revela diferenças muito significativas na comparação dos gastos de todo o fluxo do Sistema de Justiça Criminal entre as unidades federativas. O indicador da Polícia Militar, por exemplo, reflete as ocorrências registradas durante ações de patrulhamento e/ou flagrantes: na Bahia, 26,3% dos casos estão relacionados à Lei de Drogas, enquanto nos outros Estados e no Distrito Federal esse dado varia entre 3,5% (RJ) e 8,2% (PA). O trabalho do CESeC aponta também que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, 40% do total dos adolescentes atendidos pelos sistemas socioeducativos cumprem medidas de restrição e privação de liberdade por atos análogos aos crimes previstos na Lei de Drogas; no Pará, entretanto, a situação é inversa, representando apenas 3,9% do total de jovens nessas instituições. O estudo destaca ainda que o gasto da Bahia para manter todo o sistema de proibição de drogas é 46,5% maior que o do Rio de Janeiro.

A estratégia adotada para calcular o custo da implementação da Lei de Drogas pelo Sistema de Justiça Criminal das seis unidades da Federação selecionadas seguiu três etapas: estimar a fração do trabalho de cada instituição dedicada à aplicação da legislação; levantar as despesas liquidadas das instituições estaduais analisadas, em 2023; e calcular o custo da proibição das drogas para cada instituição estimando em suas despesas a proporção do trabalho dedicado à aplicação da lei. Todos os indicadores foram construídos a partir de informações oficiais fornecidas pelas instituições, via Lei de Acesso à Informação – foram 138 pedidos para o estudo – ou disponíveis nos sites dos governos.

Gastos do Sistema de Justiça Criminal dos Estados com a guerra às drogas (Gráfico: CESeC)

Gastos subestimados nas PMs

De acordo com o levantamento, os gastos das PMs das seis unidades com a implementação da Lei de Drogas chegaram a R$ 2,5 milhões, em 2023 – o maior entre todas as instituições. Entretanto, os responsáveis pelo estudo lembram que parte do trabalho direcionado aos crimes relativos às drogas pelas PMs não é registrada ou publicada: ações cotidianas de revistas nas ruas, por exemplo, só resultam em registros formais quando alguma quantidade de droga é apreendida.

Também não existem informações oficiais sobre o custo das operações policiais, o que subestima o valor total do real impacto da implementação da Lei de Drogas nestas corporações. “O processo que já começa com pouca transparência compromete todo o sistema. As polícias militares fazem operações muito custosas para o Estado e que devastam a vida e o futuro de milhares de jovens negros das periferias, seja pela letalidade da sua ação, seja pelo encarceramento ou pelas limitações impostas à vida cotidiana, como a impossibilidade de ir à escola ou a um centro de saúde. Em resumo, sob qualquer ponto de vista o custo da proibição também significa um prejuízo imenso para a sociedade”, ressalta a socióloga Julita Lemgruber.

Os custos do encarceramento também são significativos: são pelo menos R$ 2 milhões para o sistema penitenciário em cinco unidades da federação (Santa Catarina ficou de fora porque o orçamento dos sistemas penitenciário e socioeducativo é o mesmo). Não é à toa: no primeiro estudo sobre o impacto orçamentário da Lei de Drogas no Sistema de Justiça Criminal foi identificado que, nas penitenciárias do Rio de Janeiro, 30,2% dos presos cumpriam pena por crimes relacionados a drogas, enquanto em São Paulo o número correspondia a 37,2%.

Este estudo – Um Tiro no Pé – revelou o gasto de R$ 5,2 bilhões com a implementação da Lei de Drogas apenas em São Paulo e Rio de Janeiro em 2017. A segunda etapa, Tiros no Futuro, demonstrou que 74% das escolas cariocas vivenciaram pelo menos um tiroteio com presença dos agentes de segurança em seu entorno em 2019, o que prejudica o desempenho escolar e a renda futura dos estudantes. Saúde na Linha de Tiro, terceira etapa, analisou o impacto da guerra às drogas na saúde e no acesso aos equipamentos públicos de saúde para os moradores de favelas cariocas. Num estudo mais econômico do ciclo de pesquisas, Favelas na Mira do Tiro estimou um prejuízo anual de R$ 14 milhões para moradores e de R$ 2,5 milhões para comerciantes em apenas dois complexos de favelas cariocas como consequência da violência provocada por agentes de segurança pública.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile