ODS 1
Análise de 21 mil casos de violência tem polícia como protagonista
Relatório 'Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude' da Rede de Observatório de Segurança reforça alerta sobre maioria negra entre as vítimas
O monitoramento de 21.563 eventos violentos em sete estados pela Rede de Observatórios da Segurança, feito a partir dos veículos de comunicação, revela o domínio das operações policiais – mais de 50% – no noticiário e a ênfase na guerra às drogas. E a análise dos pesquisadores nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo tem outro alerta: “os números alcançados pelos registros dos nossos pesquisadores evidenciam o racismo que coloca pessoas negras como principais vítimas da violência”, destaca o estudo, batizado, não por acaso, de “Máquina de moer gente preta: a responsabilidade da branquitude”, divulgado nesta quarta-feira (6).
No período analisado de agosto de 2021 a julho de 2022, foram 59 ocorrências de violência por dia, ou seja, a cada meia hora ao menos uma pessoa recebeu algum tipo de agressão. O monitoramento é feito diariamente a partir de notícias e comunicações sobre violência, criminalidade e segurança publicadas nos grandes veículos de comunicação, nas redes sociais e em sites de polícias e secretarias de Segurança. Os pesquisadores coletam informações e alimentam um banco de dados que posteriormente é revisado e consolidado.
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Entre os 16 indicadores de violência criados pela Rede de Observatório de Segurança, as ações policiais ainda representam mais da metade desses registros. Os destaques foram para o Rio de Janeiro, o estado em que a polícia mais mata, e a Bahia, com a maior letalidade policial da Região Nordeste. No conjunto dos sete estados, os eventos ligados às polícias representam 55% do estudo, mas no Rio de Janeiro, eles chegam a 67%.
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Veja o que já enviamosPara a coordenadora da Rede de Observatórios da Segurança, a cientista social Silvia Ramos, os números citados no estado do Rio de Janeiro e na Bahia são impressionantes quando se trata de violência policial. Ela afirma que este tipo de brutalidade tem aumentado nos últimos anos e, na verdade, ela pode envolver outros tipos de preconceitos e violências. “É sempre importante lembrar que quando lemos uma notícia sobre óbitos em uma operação policial, nós podemos imaginar que essa morte é a ponta de um iceberg, pois existem outras violências sendo reproduzidas nesse cenário, como o racismo, por exemplo”, acrescenta a pesquisadora do CESeC (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania).
O levantamento indica que o Rio de Janeiro ainda é uma das unidades federativas com o maior número de registros de violência, com 4.545 casos, 21% do total para os sete estados. O documento cita o registro de 40 chacinas em apenas um ano no estado, o que a entidade considera um caso chocante. “O que estamos vendo é que a polícia do Rio criou um modelo de segurança pública que é baseado principalmente em operações policiais e muito pouco em ações de inteligência, investigação ou de desarticulação do crime. Foi criado o modelo do confronto, de entrar nos bairros e atirar”, afirma Silvia Ramos.
O documento destaca que, embora São Paulo seja o estado que apresenta o maior número de ações de policiamento (3.622) e também de denúncias de abuso de agentes, o Rio de Janeiro é o estado com maior letalidade. O relatório da Rede de Observatórios aponta que, em 12 meses, a PM do Rio de Janeiro matou 306 pessoas, enquanto as mortes registradas nos outros seis estados somados totalizam 281. Números do estudo mostram ainda o estado teve mais que o dobro de mortes de crianças e adolescentes e mais que o triplo de feridos.
O relatório registra também 167 casos de linchamento no período de um ano, destacando os 24 casos em Pernambuco e, especialmente, as 34 ocorrências no Piauí. “Eles são respostas da sociedade que desacredita do sistema de justiça e resolve os problemas com as próprias mãos em um ato
bárbaro. As principais vítimas são meninos negros vistos como suspeitos e que mereceriam um corretivo. Estes são julgados e condenados sem presunção de inocência, sem provas, sem defesa”, ressalta o documento.
Este é o terceiro ano em que a Rede de Observatórios da Segurança realiza este monitoramento e, pela primeira vez, os números do Maranhão e Piauí passaram a ser apresentados no levantamento. Um dos pontos que os pesquisadores mais se surpreenderam, segundo o documento, é que estes dois estados lideram os casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes, com 44 e 47 registros, respectivamente. São Paulo, por sua vez, teve um aumento de 15% na violência contra essas minorias.
O relatório da Rede de Observatórios destaca que seus dados não substituem as informações produzidas pelas secretarias de segurança (homicídios, roubos, estupros etc.) e devem ser usados como fontes adicionais de análise para entendermos dinâmicas de violência. A Rede destaca ainda que monitora indicadores que as polícias não acompanham (ou não divulgam), como operações policiais, linchamentos, chacinas, violências de agentes de segurança ou corrupção policial. “A isso, chamamos de produção cidadã de dados, pois nossos números não dependem de governos e polícias”, registra o documento.
Violência contra a mulher
Quando se trata sobre a violência contra a mulher, São Paulo lidera em números absolutos de casos, com mais de 902 registros de violência contra o público feminino. Entretanto, segundo o estudo, foi a Bahia quem apresentou o maior crescimento dos índices de violência contra a mulher com aumento de 47% em relação ao último ano.
Em relação aos feminicídios, Pernambuco ocupa o primeiro lugar entre os estados do Nordeste, além de ser também a unidade federativa que mais mata mulheres trans, com total de 13 registros. De acordo com o relatório, no ano passado o estado registrou uma onda de ataques contra travestis, o que culminou no posicionamento de liderança do estado no ranking.
Embora tenha aumentado os casos de crimes contra as mulheres, a coordenadora da Rede de Observatórios de Segurança conta que é necessário destacar algumas ações positivas realizadas ao longo dos anos, como a criação da Lei Maria da Penha, da Lei do Feminicídio e a criação de delegacias especializadas para mulheres. Eu acredito que, de forma positiva, os movimentos de mulheres e feministas estão conseguindo obrigar os estados e o país a dar uma resposta. Primeiro elas, estão chamando atenção para esses crimes e, em segundo, elas cobram mudanças dos poderes públicos. Isso já faz alguma diferença”, afirma Silvia Ramos. “mas ainda são extremamente insuficientes os dispositivos de apoio e acolhimento de mulheres vítimas de violência”, ressalva.
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Com dupla nacionalidade (brasileira e peruana), Nathalie Hanna Alpaca é carioca, graduanda em jornalismo e estudante de publicidade e propaganda pela PUC-Rio. Passou pelas redações da revista VEJA e da CNN Brasil. Com interesse pelas áreas de cidade e internacional, escolheu o jornalismo para compartilhar histórias de todos os tipos.