A esquizofrenia da PM

Manifestantes lembram o AI5 durante ato em SP contra o massacre de Paraisópolis. Foto Felipe Beltrame/NurPhoto

Caso Paraisópolis escancara a ausência do Estado e a diferença de tratamento entre os cidadãos de primeira e de segunda classe

Por Jorge Antonio Barros | ODS 16 • Publicada em 6 de dezembro de 2019 - 15:56

Manifestantes lembram o AI5 durante ato em SP contra o massacre de Paraisópolis. Foto Felipe Beltrame/NurPhoto
Manifestantes lembram o AI5 durante ato em SP contra o massacre de Paraisópolis. Foto Felipe Beltrame/NurPhoto
Manifestantes lembram o AI5 durante ato em SP contra o massacre de Paraisópolis. Foto Felipe Beltrame/NurPhoto

O Caso Paraisópolis – a morte de nove jovens pisoteados em consequência de uma ação policial desastrada num baile funk na favela paulistana – é o retrato da esquizofrenia policial brasileira, manifestada sobretudo pelas polícias militares. Desde que foram para as ruas fazer policiamento ostensivo, no final da década de 1960, sob a égide da Constituição de 1967, implantada pelo regime militar, as polícias militares – sob o controle dos estados – desenvolveram duas maneiras de operar: uma nas favelas e periferias e outra no asfalto e nas chamadas áreas nobres das cidades, onde o IPTU é alto e o PIB mais ainda.

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A coisa funciona assim. Nas periferias e favelas, os policiais contam com a ausência do Estado e, consequentemente, com a falta de políticas públicas que estimulem os moradores daquelas áreas a buscarem seus direitos civis, e denunciarem os excessos e arbitrariedades do Estado policial. Aqueles moradores que enfrentam o sistema, e denunciam, constantemente são alvos de represálias dos agentes públicos, amparados pelas próprias corporações. Isso dá àqueles policiais uma espécie de “salvo-conduto” para fazer e acontecer, sem se preocupar com qualquer consequência para sua carreira.

Manifestantes seguram cartazes em protesto contra o massacre de Paraisópolis.  Foto Felipe Beltrame/NurPhoto
Manifestantes seguram cartazes em protesto contra o massacre de Paraisópolis. Foto Felipe Beltrame/NurPhoto

Já nas áreas nobres das cidades, os mesmos policiais sabem que deverão agir com o máximo de cautela e respeito às leis, pois sofrerão na pele a reação de moradores vítimas de excessos e arbitrariedades policiais. Sem contar que muitos integrantes das classes médias desenvolveram o método de intimidação movido pela célebre frase: “Sabe com quem está falando?”. Feliz ou infelizmente, isso ainda assusta muito policial. Nesse caso, então, o agente da lei é cauteloso e respeitoso na abordagem de suspeitos ou cidadãos de modo geral.

Sendo assim, é fácil entender como agiram os policiais que invadiram o baile funk em perseguição a supostos criminosos em fuga. Os agentes da lei pouco se importaram no que resultaria a ação policial no meio da multidão. Na verdade, os frequentadores do baile tiveram muita sorte de não verem várias pessoas mortas a tiro pelos policiais e, depois, os bandidos em fuga serem responsabilizados por esse virtual massacre.

O governador João Dória agora está diante de uma tremenda crise, que poderá até mesmo botar água em suas futuras pretensões políticas. A forma como Dória e a cúpula da PM paulista vai lidar com essa crise também vai sinalizar se o governador terá alguma chance de concorrer à presidência da República. O episódio sangrento numa das maiores favelas da capital paulista, vizinha ao bairro do Morumbi – que concentra boa parte do PIB brasileiro – em uma desigualdade perversa, vai decidir se Dória tem condições de manter suas pretensões ao Palácio do Planalto.

Jorge Antonio Barros

É jornalista especializado em segurança pública e criminalidade desde 1981, autor do blog Repórter de Crime e do Twitter @reporterdecrime

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