O que você faria se sua irmã ou filha fosse vítima de feminicídio?

Parentes de Marina Máximo contam como a solidariedade tem ajudado a superar a dor da tragédia que abateu a família

Por Gabriel Dias | ODS 16ODS 5 • Publicada em 25 de novembro de 2019 - 08:11 • Atualizada em 7 de abril de 2020 - 11:14

Passeata em Sete Lagoas deu início ao projeto Marinas (Foto: acervo pessoal)

Passeata em Sete Lagoas deu início ao projeto Marinas (Foto: acervo pessoal)

Parentes de Marina Máximo contam como a solidariedade tem ajudado a superar a dor da tragédia que abateu a família

Por Gabriel Dias | ODS 16ODS 5 • Publicada em 25 de novembro de 2019 - 08:11 • Atualizada em 7 de abril de 2020 - 11:14

Passeata em Sete Lagoas deu início ao projeto Marinas (Foto: acervo pessoal)

“O sonho da vida da minha irmã era fazer o curso que vocês estão fazendo agora”. Foi assim que Gabriella Máximo abriu a sua palestra, diante de uma plateia formada por 60 estudantes de Medicina, no Auditório da Faculdade Atenas, na cidade de Sete Lagoas (MG). No início de outubro, ela foi chamada pela instituição para apresentar o Projeto Marinas, idealizado por ela e por sua mãe, Anny Christiny, depois que a sua irmã, Marina Máximo, foi assassinada pelo ex-namorado. Marina estudou por cinco anos em um pré-vestibular de Belo Horizonte até ser morta. Ela foi uma das 156 mulheres vítimas de feminicídio em Minas Gerais no ano passado – o estado com o maior índice de casos, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O crime aconteceu na casa do pai, em Sete Lagoas, no dia 17 de dezembro de 2018, antes de ela usar a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para se candidatar a uma faculdade.

Ele foi uma pessoa que, até o dia em que ele cometeu o assassinato, era como um irmão para mim

No dia 17 de março de 2019, quando Marina faria 25 anos, Gabriella e Anny deram início ao projeto com uma passeata na cidade. Centenas de pessoas foram da Praça Tiradentes até a Praça Dom Carmelo Mota, com a frase “não para a morte de Marinas, Marias e Mulheres” estampada nas camisas e aos gritos de “Marina vive” e “parem de nos matar”. Desde esse dia, as duas têm como objetivo levar o debate sobre feminicídio e violência doméstica às instituições de ensino.

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Gabriella com a mãe Anny: dor transformada em solidariedade após a morte da irmã (Foto: acervo pessoal)

Ao longo dos cinco anos em que Marina se preparou para o Enem, ela desenvolveu a doença de Crohn, uma inflamação intestinal bem complexa que piora com a tensão emocional, a ansiedade e o estresse. Ela tinha uma dieta bem restrita para evitar as dores abdominais: “Um pedacinho de chocolate deixava ela de cama”, explica Gabriella. “O ânimo era só o de estudar e passar. Quando ela decidiu que queria se especializar futuramente em gastroenterologia, veio mais ainda uma força para melhorar”, completa a mãe, em uma conversa com o #Colabora no Rio de Janeiro.

Gabriella sentiu a melhora da irmã no segundo semestre de 2018, após sessões de terapia cognitiva comportamental. Marina ganhou uma vontade imensa de viver. E, com essa mudança, já visitava a mãe, no Rio de Janeiro, sem a presença do namorado, com quem teve um relacionamento de sete anos. Juliano Correa era enfermeiro do Hospital Municipal de Sete Lagoas. “Ele foi uma pessoa que, até o dia em que ele cometeu o assassinato, era como um irmão pra mim. Como não se envolver com alguém que está há sete anos na sua casa, convivendo com a sua família, em momentos felizes e não tão felizes?”, questionou Gabriella.

Às vezes, era uma suposta superproteção confundida com carinho; outra vez, uma piada sobre o batom vermelho ‘nada chamativo’ da namorada

Apesar de 88,8% das vítimas de feminicídio no Brasil terem sido assassinadas pelo próprio companheiro ou ex-companheiro – o que sugere que a morte foi o ato máximo de um ciclo de violência doméstica constante –, o caso da Marina foi diferente. Ela não sofreu agressão física durante o namoro. Mas, hoje, revendo os comportamentos de Juliano, Gabriella nota que a irmã passou por “sinais muito sutis de um relacionamento abusivo”: “Às vezes, era uma suposta superproteção confundida com carinho; outra vez, uma piada sobre o batom vermelho ‘nada chamativo’ da namorada. E quando Marina teve o ímpeto de terminar o relacionamento, o vitimismo também foi uma das camadas. Em todas elas, estava o machismo velado”.

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Após o fim do namoro, Marina e Gabriella saíram para a balada, um programa que há muito tempo não faziam juntas. “Eu nunca tinha visto ela dançar”, conta Gabriella. No meio da noite, depois de um pesadelo, a mãe Anny ligou para confirmar se estava tudo bem. E estava tudo ótimo. Na volta para a casa, em uma chamada de vídeo, Marina comentava a festa com a mãe. “Me deu uma felicidade tão grande ver minha filha se divertindo. Ver o brilho no olhar que estava fosco. Aquele azul, aquele brilho. Eu nunca vi igual”, relembra Anny.

Marina e Gabriella no dia 16 de dezembro de 2018, véspera do crime (Foto: acervo pessoal)

No dia seguinte, Juliano ligou para Gabriella perguntando como Marina estava, se tinha saído, o que tinha feito. Ele buscava algum conselho com a cunhada para reatar o namoro. Sussurrando, Marina pedia a irmã não contar nada ao telefone, não tinha mais que dar satisfação, a vida estava andando. Ela comentou com a Gabriella que não o amava mais como antes. Duas horas depois, Juliano abriu o portão da garagem. Marina esperava por ele para conversar. Ao entrar na casa, Gilmar Máximo, o pai das jovens, o cumprimentou e lhe ofereceu um café. Bateram um papo curto. Marina subiu para o quarto com Juliano avisando ao pai que seria rápido. Gilmar respondeu que, quando terminassem, gostaria de conversar a sós com Juliano também. Passaram-se cerca de 5 minutos, e Marina ligou para o pai avisando que podia subir. Na escada, Gilmar ouviu dois disparos. Logo depois que matou a pessoa com quem dividiu quase uma década, Juliano Correa, de 37 anos, se suicidou.

Voltar ao passado é o que a mãe mais faz para buscar alguma explicação para esse desfecho. Anny Christiny, de 48 anos, mora no Rio de Janeiro e estuda psicologia desde 2017. Depois do crime, passou a se debruçar nos estudos sobre psicopatia para entender o que se passou na cabeça do Juliano naquela tarde. Ela também procurou o psiquiatra da filha para rever o progresso de Marina, e tudo o que ela sentiu durante o relacionamento com Juliano.

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Com olhos eternamente mareados, Anny fala bem baixo, mas com força. A incompreensão do crime reflete nas suas respostas longas, às vezes perdida – e ela sempre se desculpa por isso. Mas sabe que precisa “trazer à tona toda essa energia para alertar as outras pessoas”. Quando se formar no curso de psicologia, Anny pretende trazer o Projeto Marinas para o Rio de Janeiro e trabalhar no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica. Em Sete Lagoas, Gabriella, que é bióloga, se divide entre o curso de Direito e as palestras, os pedidos de medidas protetivas para mulheres que procuram pelo projeto e a atenção a muitas vítimas de agressão. O Projeto Marinas conta com a colaboração de outras iniciativas – como a Colheres de Ouro e o Grupo Empoderadas – que ajudam mulheres a identificarem e a saírem de um relacionamento abusivo. Mas o trabalho principal é levar a educação sobre o tema a jovens de escolas públicas e de universidades. “Foi a primeira vez que eu chorei numa palestra”, Gabriella comentou na saída da Faculdade Atenas. “Eu choro muito em casa. Fico pensando se a Marina ficaria feliz com esse trabalho que a gente faz”.

Gabriel Dias

Gabriel Dias é aluno de jornalismo na PUC-Rio e um eterno estudante da música popular brasileira. Quer viver com um pé na academia e o outro na roda de samba. Mais do que escrever, gosta de ouvir.

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