Queimada é crime inafiançável, nos EUA

Bombeiros tentam controlar o fogo que em 2018, atingiu a Shasta Trinity National Forest, na Califórnia. Foto Josh Edelson/AFP

Acostumados com rígido controle florestal, americanos acham inacreditável o descaso do governo brasileiro com as chamas na Amazônia

Por Mônica Medeiros | ODS 15 • Publicada em 13 de setembro de 2019 - 13:01 • Atualizada em 13 de setembro de 2019 - 14:02

Bombeiros tentam controlar o fogo que em 2018, atingiu a Shasta Trinity National Forest, na Califórnia. Foto Josh Edelson/AFP
Bombeiros tentam controlar o fogo que em 2018, atingiu a Shasta Trinity National Forest, na Califórnia. Foto Josh Edelson/AFP
Bombeiros tentam controlar o fogo que em 2018, atingiu a Shasta Trinity National Forest, na Califórnia. Foto Josh Edelson/AFP

Colorado (EUA) – Para os americanos, desastres naturais em proporções sem precedentes não são mais coisa de terras longínquas, países pobres e regiões exóticas. Eles estão acontecendo nos EUA, com mais frequência e intensidade e em áreas onde nunca aconteceram. É assim que as pessoas estão sentindo a crise climática, que um dia já foi uma questão de se acreditar ou não, e agora passou a ser uma realidade incontestável. Os últimos cinco anos foram os dos maiores e piores furacões, enchentes, tornados, secas e nevascas já registrados e o apoio a medidas que revertam as mudanças climáticas cresce. O Diretor do Programa de Ciência, Tecnologia e Política Ambiental, Michael Oppenheimer, que foi cientista-chefe do Fundo de Defesa Ambiental e participante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, é enfático: o clima já mudou e está matando, destruindo e sacrificando a economia mundial.

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Os incêndios florestais contribuem significativamente para o aquecimento global que resulta nos desastres sem precedentes, sem contar que destroem um importante retentor de CO2 que são as florestas. Apesar de no oeste americano muitas florestas precisarem de queimadas para se renovar, estados como Colorado e Califórnia fazem manejamento florestal para deixar queimar apenas o que é essencial para que as florestas se mantenham.

Acreditamos que a preocupação internacional com o desmatamento da Amazônia brasileira criará dificuldades para a exportação e fluxo de investimentos para o Brasil. Com base na reação do presidente Jair Bolsonaro às queimadas e as recentes medidas na área de política ambiental, o mais provável é que ele mantenha sua posição de que a proteção das florestas impede o crescimento da economia e do agronegócio

No Colorado, existe até a figura do meteorologista especializado em condições climáticas que causam queimadas – humidade do ar, temperatura e estabilidade atmosférica. Como aqueles que fazem previsão de bom ou mal tempo, eles comunicam no noticiário a propensão a queimadas e o nível de alerta em que se encontra a região. Dependendo do nível do estado de alerta, fica proibido fumar, entrar com veículos em áreas não asfaltadas, até o fechamento das áreas florestadas. Provocar incêndios mesmo que sem intenção é, normalmente, um crime inafiançável e a pena pode ser de até prisão perpétua. A agente florestal Terry Barton, que acidentalmente causou um dos maiores incêndios do estado, em 2002, foi condenada a 12 anos de prisão e 15 anos em liberdade condicional, além de uma multa de US$ 42 milhões. Tudo que ganha além do que é necessário para suas despesas tem que ser entregue ao estado, que exige que ela trabalhe pelo menos 40 horas semanais.

Placas mostram os riscos de queimadas florestais na região do Colorado. Foto Monica Medeiros
Placas mostram os riscos de queimadas florestais na região do Colorado. Foto Monica Medeiros

Corte de árvores e queimadas controladas são meios usados no gerenciamento das florestas. Nas áreas devastadas por incêndios, os troncos que não foram queimados totalmente são retirados e em muitos casos semeia-se capim; em todos os casos, agentes florestais se certificam que os cones, nas florestas de pinheiro, não sejam retirados, para que brotem e reflorestem a área. Bombeiros são treinados anualmente em novas técnicas de combate aos incêndios florestais, além de voluntários, que são treinados e convocados quando necessário.

Dito tudo isso, dá para entender a reação dos americanos, diante das queimadas na Amazônia, considerada por muitos no Brasil uma histeria. As pessoas, mesmo que não se interessem por política ou militância ecológica, estão chocadas com a falta de iniciativa do governo brasileiro e não entendem como se deixa uma floresta queimar sem fazer o mínimo esforço para controlar as chamas. Os americanos estão acompanhando diariamente na imprensa e, cada um a seu jeito, tenta ajudar, pressionando políticos, fazendo protestos e boicotes, arrecadando doações para ajudar o Brasil a apagar o fogo. Jornais e TVs reportam o estado das queimadas todos os dias e entrevistam especialistas comentando os diversos ângulos do problema, especialmente o impacto no clima mundial. A CNN mandou para a Amazônia o seu mais experiente correspondente de guerra, que faz reportagens diárias sobre as queimadas, as causas, a política que resulta no desmatamento, as comunidades locais e indígenas e as ações ilegais que levam ao desmatamento, se embrenhando na floresta. Os candidatos do partido Democrata, que concorrem à nomeação para  a disputa contra Donald Trump nas eleições para presidente em 2020, foram convocados para uma sabatina com eleitores sobre a Crise Climática, essa semana, que será patrocinada e televisionada pela CNN.

Não há mais tolerância nos EUA com descaso, negligência e ações que impactem o meio ambiente. Já se sabe que não basta cuidar e proteger a sua parte porque estamos todos no mesmo barco, que é o planeta Terra. Assim, forçar de alguma forma, como através de sanções econômicas, a proteção das florestas pelo mundo se tornou uma missão de todos. Empresas não querem estar associadas a desmatamentos temendo boicotes e perda de mercado para os concorrentes que se empenham em oferecer produtos que não impactem o meio ambiente. A empresa VF Corporation, dona de várias marcas de roupas e calçados, disse que não comprará mais couro de fornecedores brasileiros se não tiver garantias de que cadeia de produção do couro inteira não contribui para a destruição da Floresta Amazônica.

Fitch Solutions, empresa americana que faz análises macro-econômicas e de mercado financeiro publicou dois relatórios alertando para o risco de se investir no Brasil diante da política do governo Bolsonaro para a Amazônia. “Acreditamos que a preocupação internacional com o desmatamento da Amazônia brasileira criará dificuldades para a exportação e fluxo de investimentos para o Brasil”, diz um dos relatórios, acrescentando que “com base na reação do presidente Jair Bolsonaro às queimadas e as recentes medidas na área de política ambiental, o mais provável é que ele mantenha sua posição de que a proteção das florestas impede o crescimento da economia e do agronegócio”.

Estados e cidades americanos estão investindo em medidas para impedir o aquecimento global, como cortar a emissão de CO2 e cumprir as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, do qual o governo federal se retirou. No entanto, segundo Oppenheimer, especialista também em política ambiental, o problema não pode ser resolvido localmente, a solução está a nível federal e global. Ele observou que os desastres ambientais estão mostrando que estamos perdendo o controle do problema da mudança climática; a redução das emissões de gases tem que ser drástica e imediata. A intensidade do furacão Harvey que atingiu o Texas e o ciclone Idai que devastou Moçambique, Madagascar e Malauí foi comprovadamente resultado do efeito estufa. O prejuízo em vidas, destruição (estimada em US$ 125 bilhões) e desabrigados causado pelo Harvey foi o mais alto de todos os desastres naturais da história americana. “Não resolver esse problema não é questão de não ter tecnologia, não é porque é muito caro; o problema é vontade política”, afirmou Oppenheimer.

Mônica Medeiros

Mônica é carioca mas expatriada nos EUA, onde fez mestrado em Jornalismo e foi professora de teoria da comunicação. Cobriu política, cidade e meio ambiente para O Globo e Veja. É jornalista freelance com interesse especial por cidadania, feminismo, meio ambiente, e apaixonada pela ideia de lixo zero. É também tradutora e voluntária de Tradutores sem Fronteira.

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