Amazônia: ‘Quando a clareza voltar, a colaboração poderá continuar’

Manifestantes protestam contra o desmatamento na Amazônia em frente à embaixada do Brasil em Berlim (Foto: Odd ANDERSEN / AFP)

Ministra do Meio Ambiente da Alemanha, Svenja Schulze, diz que governo brasileiro deixa dúvidas se realmente quer a preservação da floresta

Por Luisa Valle | ODS 15 • Publicada em 27 de agosto de 2019 - 10:22 • Atualizada em 27 de agosto de 2019 - 14:08

Manifestantes protestam contra o desmatamento na Amazônia em frente à embaixada do Brasil em Berlim (Foto: Odd ANDERSEN / AFP)
Manifestantes protestam contra o aumento do desmatamento na Amazônia em frente à embaixada do Brasil em Berlim (Foto: Odd ANDERSEN / AFP)

DÜSSELDORF – Enquanto o Brasil parece ir na contramão do resto do mundo quando o assunto é aquecimento global, a onda de calor que atingiu vários países da Europa neste verão ligou o sinal de alerta, em especial na Alemanha, um dos maiores emissores de gás carbono do continente. Por isso, não surpreende a decisão da ministra do Meio Ambiente, Svenja Schulze, de suspender o envio de um apoio financeiro de R$ 35 milhões de euros (quase R$ 158 milhões) para projetos de combate ao desmatamento e de conservação da Amazônia. O país do hemisfério Norte, que de acordo com dados do departamento oficial que monitora o clima (DWD) registrou as maiores temperaturas já medidas em seis dos 16 estados, precisou adotar medidas emergenciais para tentar conter os efeitos do forte calor:

“Aqui na Alemanha, a questão não foi apenas neste verão, mas quando vemos a série de ondas de calor. Tivemos temperaturas extremas em 2003, 2010, 2015, 2018 e 2019. Existem estatísticas que mostram que isso não é uma situação normal, mas claramente um efeito do aquecimento global. Não é possível prever como será o tempo no próximo ano, mas sabemos que o clima ficará mais extremo ao longo das próximas décadas”, explica o diretor do departamento de Geografia da Universidade Humboldt de Berlim, Christoph Schneider.

No fim de julho, o país europeu chegou a registrar 42,6 graus, o que levou à suspensão da navegação de barcos em um trecho do Rio Danúbio, na Bavária, e até a limitação da velocidade em algumas estradas ao sul do país – famoso pelas autobahns sem limites –  por precaução de acidentes provocados por possíveis rachaduras no asfalto. A Deutsche Bahn, companhia que controla os trens, ofereceu aos passageiros a possibilidade de adiarem ou cancelarem suas viagens sem custo, e em Berlim o prefeito da cidade pediu que as pessoas saíssem de casa com garrafas de água para doar aos moradores de rua:

“Morar nas ruas em dias de calor excepcional oferece um perigo ainda maior para os desabrigados”, disse Michael Müller aos jornais locais na ocasião, quando chamou a atenção também para os cuidados com a população de idosos.

Na Bavária, as linhas de trem foram pintadas de branco, numa técnica que reduz a temperatura do metal aquecido pelo sol em oito graus (Foto: Karl-Josef Hildenbrand/dpa)

Em várias cidades era comum ver pessoas se refrescando em lagos e até chafarizes. Parques com brinquedos de água viraram a sensação das crianças, muitas com roupas de banho como se estivessem em um clube com piscinas ou uma praia. Isso porque eram poucos os locais para se refrescar.

Globalmente nós dificilmente conseguiremos alcançar o objetivo de limitar esse aumento em apenas 1,5 graus

Diferentemente do Brasil, onde o ar-condicionado é quase condição para a sobrevivência, esse ainda é um artigo de luxo por aqui. Os aparelhos chegaram a esgotar, e muitos modelos ficaram mais caros. Um modelo da Confee, que em junho custava 230 euros, passou para 399 euros, um aumento de 73% . Mesmo em hotéis eles nem sempre estão disponíveis:

“Quando pedimos na recepção, fomos informados que o dono do estabelecimento disse que nunca precisou usar nada disso no verão na Alemanha, por isso não tinha”, contou o aposentado Hélio Santos, que chegou em Düsseldorf  para visitar os netos no dia 25 de julho, justamente quando foi registrado o recorde de calor no país, e precisou comprar um ventilador para conseguir dormir.

Protesto contra o uso do carvão

Hoje a Alemanha é um dos maiores emissores de CO2 do continente. Um dos motivos é o uso do carvão lignito para abastecer cerca de ¼ do país, um dos entraves para alcançar o objetivo de chegar até 2050 com emissões neutras de carbono. Revoltados com os efeitos do aumento de temperatura, algumas pessoas fizeram protestos para pedir a aceleração do fim do uso desse tipo de energia, previsto apenas para 2038. Para o professor da Universidade Humboldt de Berlim, no entanto, esse prazo deveria ser antecipado para 2030 ou até mesmo 2025: “Isso foi um acordo político. Mas significa apenas o fim da produção do carvão lignito, o carvão marrom. A Alemanha continua importando vastas quantidades de carvão de outros países para produzir eletricidade. Isso também deve acabar o mais breve possível”.

Usina de carvão em Neurath, da companhia RWE (Foto: AFP)

Schneider vê como ambiciosa a meta de baixar em 100% as emissões do CO2 em 30 anos, mas provavelmente tarde demais:

“Talvez a gente consiga manter o aumento de temperatura em 2 graus, mas globalmente nós dificilmente conseguiremos alcançar o objetivo de limitar esse aumento em apenas 1,5 graus (como prevê o Acordo de Paris). A esperança é que outros países vejam nossos esforços e também se comprometam a abaixar as emissões. O ponto é que a partir da segunda metade deste século, por volta de 2060 e adiante, será preciso produzir emissões negativas de carbono”.

Já Mathilde Tessier, pesquisadora da Universidade Mines ParisTech, na França, e que foi candidata pelo Partido Verde ao Parlamento Europeu, acredita que seja um bom objetivo chegar em 2050 com emissões zero, mas alerta que não basta apenas ter uma meta:

O desmatamento da Amazônia poderia fazer a Terra atingir um ponto de inflexão no sistema climático, um limiar que, quando excedido, pode levar a grandes mudanças no estado do sistema

“A União Europeia já está atrasada quanto aos planos propostos para 2020, principalmente em relação ao aumento das matrizes de energia renováveis. Ter um objetivo não é suficiente, nós precisamos tomar atitudes concretas e rápidas. Por exemplo, nós precisamos parar de extrair combustíveis fósseis e parar de subsidiar as empresas desse setor, além de banir qualquer acordo comercial com países que não respeitam o tratado de Paris”.

A pesquisadora também alerta para a importância da conservação da Amazônia, responsável por parte da absorção do gás carbônico produzido no planeta:

“O desmatamento da Amazônia poderia fazer a Terra atingir um desses chamados pontos de inflexão. Um ponto de inflexão no sistema climático, um limiar que, quando excedido, pode levar a grandes mudanças no estado do sistema. Alguns especialistas acham que, se 20% a 25% da Amazônia original forem destruídas, esse ponto de inflexão na capacidade da floresta mundial de absorver CO2 suficiente seria atingido e a elevação da temperatura global seria realmente mais rápida. É vital parar o desmatamento na Amazônia”.

Imagem de satélite da NOAAA (National Oceanic and Atmospheric Administration - Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera) dos Estados Unidos mostra fumaça de incêndios no Mato Grosso e em Rondônia. (Photo: NOAA/AFP)
Imagem de satélite da NOAAA (National Oceanic and Atmospheric Administration – Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera) dos Estados Unidos mostra fumaça de incêndios no Mato Grosso e em Rondônia. (Foto: NOAA/AFP)

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento cresceu 278% no mês de julho, informação que foi rechaçada pelo ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, e pelo presidente Jair Bolsonaro, e culminou com a exoneração do então diretor do órgão. O assunto, no entanto, passou a ser visto com preocupação e virou assunto prioritário na Alemanha, que anunciou na semana passada o congelamento dos repasses para projetos de preservação e, junto com a Noruega, decretou o fim do Fundo Amazônia. A ministra do Meio Ambiente alemão afirmou ao #Colabora, por meio de um porta-voz, que a política do governo brasileiro na Amazônia deixa dúvidas de que ele realmente busca a preservação da floresta.

“Apenas quando a clareza for restabelecida, o projeto de colaboração poderá continuar. É bom que o governo brasileiro tenha se comprometido com o Acordo de Paris. Mas é necessário, no entanto, que o Brasil esteja efetivamente implementando seus objetivos de mudança climática adotados sob o acordo. A propósito, o aumento do desmatamento não é apenas um problema para o clima global. A agricultura brasileira também se prejudica. Porque o desmatamento também destrói a biodiversidade, os recursos naturais e a abundância de água”, afirmou, em nota,  Svenja Schulze.

Luisa Valle

Jornalista formada na PUC-Rio com especialização em História do Rio de Janeiro pela UFF. Trabalhou no jornal "O Globo" por 14 anos, onde passou pela editoria Rio e pela Revista Boa Viagem, além de participar de grandes coberturas nas editorias de País, Mundo e Ela. Atualmente vive na Alemanha, onde trabalha como freelancer

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