DÜSSELDORF – Enquanto o Brasil parece ir na contramão do resto do mundo quando o assunto é aquecimento global, a onda de calor que atingiu vários países da Europa neste verão ligou o sinal de alerta, em especial na Alemanha, um dos maiores emissores de gás carbono do continente. Por isso, não surpreende a decisão da ministra do Meio Ambiente, Svenja Schulze, de suspender o envio de um apoio financeiro de R$ 35 milhões de euros (quase R$ 158 milhões) para projetos de combate ao desmatamento e de conservação da Amazônia. O país do hemisfério Norte, que de acordo com dados do departamento oficial que monitora o clima (DWD) registrou as maiores temperaturas já medidas em seis dos 16 estados, precisou adotar medidas emergenciais para tentar conter os efeitos do forte calor:
“Aqui na Alemanha, a questão não foi apenas neste verão, mas quando vemos a série de ondas de calor. Tivemos temperaturas extremas em 2003, 2010, 2015, 2018 e 2019. Existem estatísticas que mostram que isso não é uma situação normal, mas claramente um efeito do aquecimento global. Não é possível prever como será o tempo no próximo ano, mas sabemos que o clima ficará mais extremo ao longo das próximas décadas”, explica o diretor do departamento de Geografia da Universidade Humboldt de Berlim, Christoph Schneider.
No fim de julho, o país europeu chegou a registrar 42,6 graus, o que levou à suspensão da navegação de barcos em um trecho do Rio Danúbio, na Bavária, e até a limitação da velocidade em algumas estradas ao sul do país – famoso pelas autobahns sem limites – por precaução de acidentes provocados por possíveis rachaduras no asfalto. A Deutsche Bahn, companhia que controla os trens, ofereceu aos passageiros a possibilidade de adiarem ou cancelarem suas viagens sem custo, e em Berlim o prefeito da cidade pediu que as pessoas saíssem de casa com garrafas de água para doar aos moradores de rua:
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Veja o que já enviamos“Morar nas ruas em dias de calor excepcional oferece um perigo ainda maior para os desabrigados”, disse Michael Müller aos jornais locais na ocasião, quando chamou a atenção também para os cuidados com a população de idosos.
Em várias cidades era comum ver pessoas se refrescando em lagos e até chafarizes. Parques com brinquedos de água viraram a sensação das crianças, muitas com roupas de banho como se estivessem em um clube com piscinas ou uma praia. Isso porque eram poucos os locais para se refrescar.
[g1_quote author_name=”Christoph Schneider” author_description=”Diretor do departamento de Geografia da Universidade Humboldt de Berlim” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Globalmente nós dificilmente conseguiremos alcançar o objetivo de limitar esse aumento em apenas 1,5 graus
[/g1_quote]Diferentemente do Brasil, onde o ar-condicionado é quase condição para a sobrevivência, esse ainda é um artigo de luxo por aqui. Os aparelhos chegaram a esgotar, e muitos modelos ficaram mais caros. Um modelo da Confee, que em junho custava 230 euros, passou para 399 euros, um aumento de 73% . Mesmo em hotéis eles nem sempre estão disponíveis:
“Quando pedimos na recepção, fomos informados que o dono do estabelecimento disse que nunca precisou usar nada disso no verão na Alemanha, por isso não tinha”, contou o aposentado Hélio Santos, que chegou em Düsseldorf para visitar os netos no dia 25 de julho, justamente quando foi registrado o recorde de calor no país, e precisou comprar um ventilador para conseguir dormir.
Protesto contra o uso do carvão
Hoje a Alemanha é um dos maiores emissores de CO2 do continente. Um dos motivos é o uso do carvão lignito para abastecer cerca de ¼ do país, um dos entraves para alcançar o objetivo de chegar até 2050 com emissões neutras de carbono. Revoltados com os efeitos do aumento de temperatura, algumas pessoas fizeram protestos para pedir a aceleração do fim do uso desse tipo de energia, previsto apenas para 2038. Para o professor da Universidade Humboldt de Berlim, no entanto, esse prazo deveria ser antecipado para 2030 ou até mesmo 2025: “Isso foi um acordo político. Mas significa apenas o fim da produção do carvão lignito, o carvão marrom. A Alemanha continua importando vastas quantidades de carvão de outros países para produzir eletricidade. Isso também deve acabar o mais breve possível”.
Schneider vê como ambiciosa a meta de baixar em 100% as emissões do CO2 em 30 anos, mas provavelmente tarde demais:
“Talvez a gente consiga manter o aumento de temperatura em 2 graus, mas globalmente nós dificilmente conseguiremos alcançar o objetivo de limitar esse aumento em apenas 1,5 graus (como prevê o Acordo de Paris). A esperança é que outros países vejam nossos esforços e também se comprometam a abaixar as emissões. O ponto é que a partir da segunda metade deste século, por volta de 2060 e adiante, será preciso produzir emissões negativas de carbono”.
Já Mathilde Tessier, pesquisadora da Universidade Mines ParisTech, na França, e que foi candidata pelo Partido Verde ao Parlamento Europeu, acredita que seja um bom objetivo chegar em 2050 com emissões zero, mas alerta que não basta apenas ter uma meta:
[g1_quote author_name=”Mathilde Tessier” author_description=”pesquisadora da Universidade Mines ParisTech, na França” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]O desmatamento da Amazônia poderia fazer a Terra atingir um ponto de inflexão no sistema climático, um limiar que, quando excedido, pode levar a grandes mudanças no estado do sistema
[/g1_quote]“A União Europeia já está atrasada quanto aos planos propostos para 2020, principalmente em relação ao aumento das matrizes de energia renováveis. Ter um objetivo não é suficiente, nós precisamos tomar atitudes concretas e rápidas. Por exemplo, nós precisamos parar de extrair combustíveis fósseis e parar de subsidiar as empresas desse setor, além de banir qualquer acordo comercial com países que não respeitam o tratado de Paris”.
A pesquisadora também alerta para a importância da conservação da Amazônia, responsável por parte da absorção do gás carbônico produzido no planeta:
“O desmatamento da Amazônia poderia fazer a Terra atingir um desses chamados pontos de inflexão. Um ponto de inflexão no sistema climático, um limiar que, quando excedido, pode levar a grandes mudanças no estado do sistema. Alguns especialistas acham que, se 20% a 25% da Amazônia original forem destruídas, esse ponto de inflexão na capacidade da floresta mundial de absorver CO2 suficiente seria atingido e a elevação da temperatura global seria realmente mais rápida. É vital parar o desmatamento na Amazônia”.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento cresceu 278% no mês de julho, informação que foi rechaçada pelo ministro do Meio Ambiente do Brasil, Ricardo Salles, e pelo presidente Jair Bolsonaro, e culminou com a exoneração do então diretor do órgão. O assunto, no entanto, passou a ser visto com preocupação e virou assunto prioritário na Alemanha, que anunciou na semana passada o congelamento dos repasses para projetos de preservação e, junto com a Noruega, decretou o fim do Fundo Amazônia. A ministra do Meio Ambiente alemão afirmou ao #Colabora, por meio de um porta-voz, que a política do governo brasileiro na Amazônia deixa dúvidas de que ele realmente busca a preservação da floresta.
“Apenas quando a clareza for restabelecida, o projeto de colaboração poderá continuar. É bom que o governo brasileiro tenha se comprometido com o Acordo de Paris. Mas é necessário, no entanto, que o Brasil esteja efetivamente implementando seus objetivos de mudança climática adotados sob o acordo. A propósito, o aumento do desmatamento não é apenas um problema para o clima global. A agricultura brasileira também se prejudica. Porque o desmatamento também destrói a biodiversidade, os recursos naturais e a abundância de água”, afirmou, em nota, Svenja Schulze.