Mercados promissores para borracha e óleo de copaíba

O interesse de empresas por matérias-primas amazônicas pode contribuir para ampliar a escala de produção de rede de economia florestal comunitária

Por Elizabeth Oliveira | ODS 15 • Publicada em 23 de julho de 2019 - 16:40 • Atualizada em 24 de julho de 2019 - 02:12

Extração de borracha em Riozinho do Anfrízio: especialistas apontam que floresta em pé tem mais valor do que derrubada (Foto Rogério Assis/ISA)

Altamira (PA) – Em 2018, comunidades tradicionais do sudoeste do Pará, integrantes da rede de cantinas da Terra do Meio, produziram cerca de 6,5 toneladas de mantas e blocos de borracha natural. O produto final é resultado de um conhecimento herdado por vários filhos e netos de seringueiros que geraram riqueza para o Brasil antes do declínio do ciclo dessa matéria-prima no século passado, prejudicada por uma doença chamada de mal-das-folhas que dizimou seringais da Amazônia. No esforço de retomada dessa cultura nativa da região, caso consigam vencer o desafio de ampliar a produção para até 30 toneladas, há mercado garantido para a compra. O interesse foi manifestado pelo facilitador da empresa Mercur, Jorge Hoelzel Neto, durante a Sexta Semana de Extrativismo (Semex), realizada em Altamira na primeira semana de junho.

LEIA MAIS: veja outras reportagens da série Floresta de Pé

Fabricante de produtos para as áreas de saúde e educação, a tradicional empresa gaúcha é uma das principais apoiadoras dessa iniciativa de economia comunitária e tem participado da Semex, desde a primeira edição, em 2014. Como parte dos avanços dessa parceria, além de comprar blocos e mantas, a Mercur tem investido em um processo de aprimoramento tecnológico de um tecido emborrachado que, se tudo sair conforme planejado, será produzido em maior escala por comunidades indígenas dessa região paraense. Testes estão sendo realizados para garantir a qualidade e indicar se essa produção artesanal amazônica poderá substituir totalmente, ou em parte, a borracha importada usada em artigos terapêuticos como as bolsas térmicas.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos
[g1_quote author_name=”Marcelo Salazar” author_description=”Instituto Socioambiental (ISA)” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Se ainda temos florestas é porque existem vidas humanas e não humanas interagindo nesses ambientes. Diante da crise climática enfrentada globalmente, é emocionante poder presenciar o fortalecimento dessa rede

[/g1_quote]

Hoelzel destacou que o Brasil consome somente 30% de borracha natural produzida no mercado interno. O restante da demanda industrial é suprido principalmente por produtos importados da Ásia. Em nível nacional, diante do declínio da produção de borracha da Amazônia, a matéria-prima passou a ser fornecida por projetos agrícolas da região sudeste. No entanto, segundo enfatiza, há um mercado interessado nesse produto da floresta, a exemplo da própria Mercur.

O laboratório da FirmenichCotia, em São Paulo, usa o óleo de copaíba da Terra do Meio. Foto Rogério Assis
O laboratório da FirmenichCotia, em São Paulo, usa o óleo de copaíba da Terra do Meio. Foto Rogério Assis/ISA

Embora haja um reconhecimento de que os custos para a produção de borracha na Amazônia sejam mais altos, quando comparados aos das plantações que funcionam a partir de um modelo industrial, Hoelzel considera importante empreender esforços para impulsionar a produção de látex na floresta. Segundo ele, esse movimento fortaleceria cadeias produtivas sustentáveis como a rede comunitária da Terra do Meio. Garantiria, ainda, mais qualidade de vida às pessoas que colhem a seringa a partir de um conhecimento transmitido de geração a geração e agregaria mais valor à produção pela sua origem.

Embora o Brasil esteja passando por uma crise econômica, fortalecer a cadeia da borracha amazônica pode ser uma excelente alternativa, na opinião de Hoelzel, porque os seus custos tendem a cair com essa expansão da produção. Ele defende, ainda, um esforço amplo para apresentar o produto da floresta a outras empresas, a fim de agregar mais parceiros a essa iniciativa de desenvolvimento local com visão de longo prazo. “O desafio é mostrar para a sociedade que a floresta tem valor e que o custo para conservá-la deve ser pago por todos nós em reconhecimento a essa importância.”

Diante das perspectivas positivas demonstradas nos debates da Semex, João Carlos Souza, cantineiro da Aldeia Tucayá, da Terra Indígena Xipaya, afirmou que nas comunidades da Terra do Meio tem sempre alguém que domina a técnica de extração do látex das seringueiras existentes na região. Esse conhecimento dos moradores mais antigos pode ser repassado para os mais jovens, durante atividades de capacitação. Conhecedor do processo, ele mesmo se prontificou a colaborar com futuros treinamentos, em resposta a vários participantes do evento que demonstraram interesse em atuar nesse segmento extrativista,

A julgar pelo interesse demonstrado, há uma expectativa de que seja ampliada futuramente a estrutura que garante a atual produção comunitária de mantas e blocos da rede de cantinas, formada por nove casas de borracha e 153 estradas de seringa (conjuntos de seringueiras destinadas à extração do látex).

Oficina de produção de mantas de borracha na Terra do Meio. Foto Elizabeth Oliveira
Oficina de produção de mantas de borracha na Terra do Meio. Foto Elizabeth Oliveira

Mercado de moda também usa borracha da Amazônia

A designer Flavia Amadeu participou pela primeira vez da Semex e ao conhecer a experiência da rede de extrativismo decidiu comprar 1 tonelada de manta de borracha para iniciar uma parceira com as comunidades da Terra do Meio. Ela afirma que espera avaliar bem as entregas para ampliar os negócios, futuramente, e também demonstra interesse nos tecidos emborrachados com desenhos indígenas que estão em processo de aprimoramento tecnológico.

Há 15 anos, a designer começou a avançar em suas criações com base em pesquisas de mestrado e de doutorado desenvolvidas, respectivamente, na Universidade de Brasília (UnB) e no London College of Fashion, na Inglaterra, quando se aprofundou em tecnologia química com borracha natural. A paixão acadêmica se transformou em um projeto de empreendedorismo e, desde então, ela trabalha com matéria-prima produzida por comunidades extrativistas do Acre e do Pará.

Com base nessas parcerias para o aprimoramento dos processos produtivos nas comunidades com as quais trabalha, Flavia tem desenvolvido coleções de acessórios com borracha colorida, material muito bem aceito no mercado da moda. As suas criações têm atraído grande interesse de consumidores no Brasil e no exterior.

“Avanços têm sido alcançados nessa troca de experiências que também permite uma aproximação maior com a realidade das comunidades amazônicas. Para elas eu tenho buscado gerar impactos positivos com esses projetos focados em tecnologias sociais”, ressalta a designer que manifestou otimismo diante dos relatos das experiências extrativistas comunitárias apresentados na Semex.

Parcerias ampliadas e avanços reconhecidos

Assim como ocorreu com o segmento de borracha natural, houve uma manifestação de interesse pela ampliação das compras de óleo de copaíba das comunidades extrativistas da Terra do Meio. André Tabanez, gerente da subsidiária brasileira do grupo suíço Firmenich, especializado no mercado de fragrâncias, confirmou que há grande demanda para essa matéria-prima amazônica e que percebe espaço para fortalecer a parceria com a rede de cantinas da Terra do Meio por meio do crescimento do seu fornecimento.

Menina da tribo indígena Arara, em Medicilândia, no Pará. Foto Mauro Pimentel/AFP
Menina da tribo indígena Arara, em Medicilândia, no Pará. Foto Mauro Pimentel/AFP

Como o preço do óleo de copaíba tem melhorado para o produtor, segundo relatado na Semex atingiu a média de R$ 44 por quilo, em 2018, a garantia de compra de até quatro toneladas despertou interesse dos extrativistas para ampliar a produção de 800 quilos, vendida à empresa de perfumaria, no ano passado.

O gestor também apresentou à rede uma possibilidade de parceria para fornecimento de cumaru. Mas, segundo ressaltou, para a fabricante não compensa comprar pequenos volumes. O mínimo seria de 800 quilos. Havendo interesse da rede ele destacou que garantiria, ainda, a compra dessa outra matéria-prima.

Tabanez afirmou ter percebido avanços na experiência da rede de cantinas desde que iniciou a parceria, em 2012. Até então, a Firmenich comprava de intermediários, mas passou a se interessar em conhecer de perto os fornecedores de matérias-primas da Amazônia. Assim se aproximou das comunidades extrativistas da Terra do Meio. Naquela época, inclusive, a empresa contribuiu para a formação do capital de giro que veio a se tornar fundamental ao funcionamento dessa rede.

Patrícia Cota Gomes, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), contou que ficou emocionada ao perceber como as comunidades se tornaram protagonistas dessa experiência desenvolvida em rede. “A sociedade tem muito a aprender com vocês sobre como desenvolver atividades econômicas que sejam compatíveis com a conservação florestal,” afirmou durante a sua apresentação na Semex.

Após dois dias de inúmeros debates, Marcelo Salazar, do ISA, concluiu as atividades da Semex destacando que a experiência da rede de cantinas só tem dez anos e ainda tem muito espaço para crescer. Mas para garantir um crescimento não somente quantitativo, mas também qualitativo, ele começou a discutir durante o evento a proposta de aperfeiçoamento de um modelo de gestão para administrar todo o trabalho dessa iniciativa de desenvolvimento local sustentável à qual tem se dedicado.

“Se ainda temos florestas é porque existem vidas humanas e não humanas interagindo nesses ambientes”, observa. “Diante da crise climática enfrentada globalmente, é emocionante poder presenciar o fortalecimento dessa rede”, acrescenta. Para Salazar, é fundamental que as comunidades integrantes dessa rede sejam cada vez mais reconhecidas pelos serviços prestados à sociedade por intermédio de seus modos de vida e valores culturais agregados à forma de produzir e de interagir com a natureza.

Elizabeth Oliveira

Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *