Brasil: vilão global do desmatamento

Áreas desmatadas no município de Careiro da Várzea, no Amazonas: avaliação internacional sobre florestas indica pequena redução no desmatamento no mundo em 2021, mas Brasil registra aumento e lidera em área devastada (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Avaliação da Declaração Florestal indica pequena redução no desmatamento no mundo em 2021, mas Brasil registra aumento e lidera em área devastada

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 24 de outubro de 2022 - 13:02 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 20:16

Áreas desmatadas no município de Careiro da Várzea, no Amazonas: avaliação internacional sobre florestas indica pequena redução no desmatamento no mundo em 2021, mas Brasil registra aumento e lidera em área devastada (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

O presidente Bolsonaro pode espernear e mentir descaradamente, mas, aos olhos do mundo, o Brasil é um dos maiores vilões do desmatamento do planeta. Em 2021, o desmatamento global diminuiu modestos 6,3%, de acordo com a Avaliação da Declaração Florestal (Forest Declaration Assessment), estudo conduzido por uma coalizão da sociedade civil e organizações de pesquisa e divulgado nesta segunda-feira, 24/11. Esse resultado fica aquém das metas internacionais de interromper a perda e degradação florestal até 2030 e limitar as mudanças climáticas a 1,5°C. “Uma das principais razões para isso é que quatro dos cinco principais países com maior desmatamento absoluto aumentaram suas taxas de desmatamento em 2021: Brasil (aumento de 3%), Bolívia (6%), República Democrática do Congo (RDC) (3%) , e Paraguai (1%)”, aponta o relatório. “O Brasil continua sendo o maior contribuinte para o desmatamento globalmente”, destaca.

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O ano de 2021 foi marcado por uma uma série de promessas ambiciosas para as florestas na COP26; 145 governos – inclusive o Brasil – assinaram a Declaração dos Líderes de Glasgow com o objetivo de deter e reverter a perda de florestas e a degradação da terra por 2030. De acordo com a Avaliação da Declaração Florestal, em 2021, o desmatamento bruto global totalizou 6,8 milhões de hectares – uma área comparável em tamanho à República da Irlanda – e gerou 3,8 Gt de CO2 e de emissões de gases de efeito estufa. E um ano depois da assinatura do acordo em Glasgow, não há sinais de avanço em direção às metas. “A falta de transparência sobre como as promessas relacionadas estão sendo cumpridas – como reduzir os impactos florestais do comércio internacional e fortalecer os direitos de posse dos povos indígenas e comunidades locais – dificulta tanto a prestação de contas quanto o progresso real”, critica o documento.

O estudo, de mais de 100 páginas, está dividido em quatro temas: Objetivos Florestais Abrangentes; Produção e Desenvolvimento Sustentável; Financiamento para florestas; e Governança Florestal. E os números do desmatamento no Brasil aparecem sempre como destaque negativo; com o maior área desmatada em números absolutos. A avaliação ressalta, por exemplo, o avanço na América Latina. “Apesar da influência desproporcional do Brasil e da tendência crescente de desmatamento no país, a América Latina tropical como um todo experimentou uma redução líquida no desmatamento em 2021 em comparação com a base média de 2018-2020”, aponta o documento, que constatou redução no desmatamento em países como México (queda de 36%), Venezuela (54%) e Colômbia (16%). Na avaliação dos Objetivos Florestais Abrangentes, o relatório aponta ainda que Brasil e Bolívia apresentaram os maiores aumentos relativos de emissões de gases provocadas por desmatamento em 2021.

No tema de produção e desenvolvimento sustentável, o Brasil volta a ser lembrado, nem sempre positivamente.  “A mineração contribui indiretamente com 9% do desmatamento na Amazônia brasileira”, aponta o relatório, que identifica iniciativas econômicas na Amazônia sem preocupação de preservar ou recuperar a floresta. “Outros países fornecem apoio sem um foco principal nas metas florestais. O Brasil, por exemplo, opera vários programas de incentivo, incluindo o programa de crédito rural, voltado para a melhoria das práticas entre os pequenos agricultores. A eficácia desses programas é muitas vezes limitada por financiamento ou capacidades insuficientes das instituições governamentais relevantes. Por exemplo, pequenos pecuaristas na Amazônia brasileira não têm acesso a assistência técnica e muitas vezes dependem de agricultura extensiva e pastagem”, critica o relatório.

O capítulo sobre produção e desenvolvimento sustentável destaca ainda a importância – Bolsonaro também não vai gostar – dos povos indígenas e comunidades locais. “Uma análise sistemática de iniciativas de conservação descobriu que a participação ativa de povos indígenas e comunidades locais resultou em resultados ambientais e sociais significativamente melhores do que quando organizações externas exercem o controle primário. Terras administradas por povos indígenas e comunidades locais, em média, sequestram mais que o dobro do equivalente em dióxido de carbono do que outras terras, de acordo com um estudo de Avaliação da Declaração Florestal do Brasil, Colômbia, México e Peru”, indica a Avaliação da Declaração Florestal.

O Brasil também não fica nada bem aos olhos do mundo no tema governança florestal. “A violência contra os defensores do meio ambiente também continuou a aumentar em todo o mundo. De acordo com o relatório da ONG Global Witness, pelo menos 200 defensores da terra e do meio ambiente foram mortos em 2021, com mais da metade dos assassinatos ocorrendo no México, Colômbia e Brasil”, lembra o documento divulgado nesta segunda-feira, que também cita o “enfraquecimento da proteção dos direitos” de povos indígenas e comunidades locais durante a pandemia de covid-19 em cinco países – Brasil, Colômbia, República Democrática do Congo, Indonésia e Peru. “Em todos os cinco países, houve mudanças legislativas e regulatórias, bem como práticas que violam os direitos dos Povos Indígenas, como a exclusão dos Povos Indígenas na tomada de decisões, mineração e extração ilegal de madeira em territórios indígenas e aumento da violência contra os defensores dos direitos dos Povos Indígenas”, alerta o relatório, que, no tema Governança Florestal, também lembra ações judiciais de organizações da sociedade civil e partidos para barrar o desmatamento e preservar a Floresta Amazônica.

Operação contra desmatamento e extração ilegal de madeira no Pará: relatório aponta mudanças legislativas e regulatórios que afetam povos indígenas e proteção das florestas no Brasil (Foto: Agência Pará - 11/08/2019)
Operação contra desmatamento e extração ilegal de madeira no Pará: relatório aponta mudanças legislativas e regulatórios que afetam povos indígenas e proteção das florestas no Brasil (Foto: Agência Pará – 11/08/2019)

Mundo longe da meta

A Avaliação da Declaração Florestal, apesar de apontar avanços localizados contra o desmatamento, não traz boas notícias. “Nem um único indicador global está no caminho certo para atender às metas para 2030 de parar a perda e degradação florestal e restaurar 350 milhões de hectares de paisagem florestal”, destaca o relatório. “O financiamento para proteger e restaurar florestas deve aumentar em 200 vezes os níveis atuais para atingir as metas florestais, e os melhores gestores da floresta – povos Indígenas e comunidades locais – permanecem excluídos da tomada de decisões”.

Representantes das organizações responsáveis pela Avaliação da Declaração Florestal cobraram mudanças no lançamento do documento. “Vários fluxos de dados mostram que o mundo não está no caminho certo para cumprir nossos compromissos de proteger as florestas. Estamos nos movendo rapidamente para outra rodada de compromissos vazios e florestas desaparecidas”, disse o pesquisador David Gibbs, da Global Forest Watch. “O mundo não pode deixar 2030 passar como o marco fracassado de 2020 da Declaração de Florestas de Nova York.” acrescentou Franziska Haupt, sócia-gerente da Climate Focus. “Os governos e o setor privado devem adotar reformas ousadas para valorizar as florestas em pé proporcionalmente ao seu valor. E eles devem trabalhar em conjunto com a sociedade civil para acelerar a ação florestal, apoiada pela transparência e responsabilidade”.

A Avaliação da Declaração Florestal é uma iniciativa independente liderada pela sociedade civil para avaliar o progresso em direção às metas globais de deter o desmatamento e restaurar 350 milhões de hectares de terras degradadas até 2030, conforme estabelecido na legislação internacional. declarações como a Declaração de Nova York sobre Florestas (2014) e a Declaração dos Líderes de Glasgow sobre Florestas e Uso da Terra (2021). Apesar de ter constatado que a pequena diminuição do desmatamento global em 2021 não correspondeu ao ritmo necessário para atingir a meta de 2030 de eliminar o desmatamento estabelecida no compromisso de Glasgow, o documento destaca o “progresso excepcional” por parte de alguns países (o Brasil de Bolsonaro não está entre eles). A Ásia tropical é a única região atualmente a caminho de interromper o desmatamento até 2030, com base principalmente no progresso da Indonésia (o único país a reduzir sua taxa de desmatamento nos últimos cinco anos) e sua vizinha Malásia. Houve também avanços na África tropical: Gana e Costa do Marfim reduziram significativamente o desmatamento causado por commodities em 2021: enquanto Uganda e Tanzânia reduziram o desmatamento em geral.

O relatório destaca ainda que, embora as taxas de desmatamento na África tropical e na América Latina tenham diminuído nos últimos anos, essas reduções ainda são insuficientes para atingir a meta de 2030. “Onde houver progresso, o crédito pode ser compartilhado entre mandatos governamentais e aplicação efetiva, ação ousada e colaborativa da empresa e esforços inovadores liderados pela sociedade civil e iniciativas de base. Aumentar a ação colaborativa e obrigatória sobre as florestas pode e tem sido eficaz para mudar a maré do desmatamento”, destaca o documento.

A avaliação destaca ainda que as florestas são fundamentais para regular e reestabilizar o clima global, com as florestas tropicais desempenhando um papel desproporcional nesse sentido. Eliminar o desmatamento até 2030 é um marco importante para a meta de Paris porque as mudanças no uso da terra, incluindo desmatamento e degradação, representam cerca de 12% das emissões globais. “Não estamos no caminho certo para atingir nossas metas para 2030. Não há caminho para atingir a meta de 1,5°C estabelecida no Acordo de Paris ou reverter a perda de biodiversidade sem interromper o desmatamento e a conversão. É hora de uma liderança ousada e soluções ousadas para reverter essa tendência alarmante”, disse Fran Price, líder global de práticas florestais do WWF – World Wide Fund for Nature.

O relatório, entretanto, frisa que é possível alcançar a meta global de acabar com a devastação florestal e aponta como evidência – Bolsonaro também não vai gostar – “as reduções notáveis no desmatamento em vários períodos desde 2004, quando essas ferramentas foram empregadas na Indonésia, Gana, Costa do Marfim, Gabão, Guiana e Brasil”. Mas faz outro alerta. “No entanto, algumas dessas conquistas foram revertidas – notadamente no Brasil – ou correm risco, à medida que os países eliminam ou revertem os ganhos de políticas por meio de propostas e emendas recentes”, destaca o relatório.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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