Bispos da Amazônia pedem ao Senado a retirada do PL da Grilagem

Área desmatada ilegalmente por madeireiros no Pará: bispos entregam carta ao presidente do Senado pedindo retirada do PM da Grilagem (Foto: Ronan Frias/Semas-PA/Fotos Públicas)

Carta ao senador Rodrigo Pacheco afirma que proposta "beneficiaria grandes invasores e especuladores de terra, incentivando a grilagem"

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 5 de maio de 2021 - 09:35 • Atualizada em 10 de maio de 2021 - 19:41

Área desmatada ilegalmente por madeireiros no Pará: bispos entregam carta ao presidente do Senado pedindo retirada do PM da Grilagem (Foto: Ronan Frias/Semas-PA/Fotos Públicas)

Carta assinada por mais de 60 bispos da região da Amazônia brasileira foi entregue nesta terça-feira (4/5) ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, exigindo a retirada de tramitação do Projeto de Lei nº 510/2021, o chamado PL da Grilagem. “O PL 510/2021 não resolverá o problema da indefinição fundiária, nem da diminuição do desmatamento ilegal, pelo contrário, pode acirrar ainda mais os conflitos no campo e aumentar a procura por terras, na certeza da legalização mais adiante, com novas mudanças de lei”, afirmam os bispos.

O PL 510/2021 permite que florestas públicas invadidas e desmatadas em qualquer tempo sejam legalizadas. Aprová-lo significa concordar que o nosso patrimônio natural seja objeto de ocupação irregular para posterior desmatamento e titulação, o que é uma afronta a toda a sociedade

Na semana passada, o projeto de lei foi incluído na pauta do Senado pelo presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco, que pretendia botar em votação o parecer do relator – senador Carlos Fávaro – direto no Plenário, sem passar pelas comissões. Houve reação de entidades ambientais e indígenas e dos próprios senadores, que apresentaram 44 emendas em um dia, grande parte delas retirando os instrumentos que facilitavam a ocupação e legalização de invasões em terras públicas. Sem acordo, o PL da Grilagem foi retirado da pauta.

Na carta, os bispos afirmam que o PL 510/2021 permite que florestas públicas invadidas e desmatadas em qualquer tempo sejam legalizadas e que isso tem consequências enormes do ponto de vista fundiário, social e ambiental. “Aprová-lo significa concordar que o nosso patrimônio natural seja objeto de ocupação irregular para posterior desmatamento e titulação, o que é uma afronta a toda a sociedade”, destaca o documento.

A carta, assinada por mais de 60 bispos que atuam na Amazônia, foi entregue durante um encontro virtual com a presença do arcebispo de Belo Horizonte (MG) e presidente da CNBB, dom Walmor Oliveira de Azevedo; o arcebispo de Porto Alegre (RS) e primeiro vice-presidente da CNBB, dom Jaime Spengler; o bispo de Roraima (RR) e segundo vice-presidente, dom Mário Antônio da Silva; o bispo auxiliar do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral, dom Joel Portella Amado e o assessor político da CNBB, padre Paulo Renato Campos.

“A grilagem de terras públicas é responsável por 1/3 (um terço) do desmatamento no Brasil, além de ser promotora de violência, e que a aprovação de um projeto como esse beneficiaria grandes invasores e especuladores de terra, incentivando a grilagem, observamos que o PL 510/2021 não resolverá o problema da indefinição fundiária, nem da diminuição do desmatamento ilegal, pelo contrário, pode acirrar ainda mais os conflitos no campo e aumentar a procura por terras, na certeza da legalização mais adiante, com novas mudanças de lei”, afirmam os bispos no documento.

A carta lembra ainda que segundo a nota técnica do Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas (CPI/PUC), o PL 510/2021 é “praticamente uma cópia do segundo parecer do senador Irajá Abreu sobre a MP nº 910/2019” (a chamada MP da Grilagem, enviada ao Congresso em 2019, que caducou por falta de votação. Os bispos já havia protestado contra a MP “como nociva aos povos da Amazônia”, há exatamente um ano, em nota pública, que pediam ação para combater a pandemia na Amazônia.

A nota técnica dos pesquisadores da PUC, reproduzida na carta, afirma que o “PL altera o marco temporal, flexibiliza os requisitos para a regularização, estende o procedimento simplificado para imóveis até 2.500 hectares e enfraquece as salvaguardas ambientais”.

O documento dos bispos destaca ainda que a tentativa de votação do PL veio depois do Governo Federal declarar suas intenções de preservação da Amazônia, na Cúpula Internacional do Clima convocada pelo Governo dos EUA, com a presença de dezenas de líderes mundiais. ” Os olhos do mundo estão observando a política ambiental do Brasil; corremos o risco de aprovar mais uma Lei na contramão dos projetos de cuidado e salvaguarda ambiental”, afirma a carta.

Os bispos pedem que o PL seja retirado de pauta e só volte a ser discutido depois da pandemia. “Considerando que o PL 510/2021 se refere a patrimônio público que será entregue à iniciativa privada, urge que haja discussão com toda a sociedade por meio, por exemplo, de audiências públicas nos biomas que serão atingidos, requisito que não deve ser cumprido enquanto estivermos em pandemia”, enfatiza o documento.

A carta também lembra a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, realizada em outubro de 2019, que afirmam os bispos, ” nos coloca em marcha como Igreja comprometida e em permanente aliança com as comunidades e povos que protegem a floresta”. E ao pedir “respeitosamente” a retirada da tramitação, os bispos lembram que o PL atinge, principalmente, sua região. “O PL 510/2021, ao mudar as regras para a privatização de terras federais desmatadas ilegalmente, teria um maior impacto na Amazônia, onde essas áreas se concentram”, afirmam.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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