Ruídos de humanos prejudicam vida marinha

Peixe palhaço em uma anêmona marinha na costa das ilhas Surin, na Thailândia: animais dessa espécie marinha podem ficar perdidos com poluição sonora (Foto: Gabriel Barathieu / Biosphoto / AFP)

Pesquisa mostra que poluição sonora pode até afetar habitats das criaturas marinhas e levar animais a buscar outros locais

Por José Eduardo Mendonça | ODS 14 • Publicada em 29 de março de 2021 - 10:10 • Atualizada em 30 de março de 2021 - 11:55

Peixe palhaço em uma anêmona marinha na costa das ilhas Surin, na Thailândia: animais dessa espécie marinha podem ficar perdidos com poluição sonora (Foto: Gabriel Barathieu / Biosphoto / AFP)

Quando se fala em poluição, a maioria das pessoas menciona sujeira no mar como lixo, plástico, petróleo ou substâncias químicas. E agora também, depois de estudos recentes, começa a crescer na comunidade científica a preocupação com a poluição sonora.

Somos todos familiares com os ruídos que nos envolvem, mas a maioria das pessoas não se dão conta daqueles que acontecem debaixo da água.

A vida não é tão quieta sob a superfície, como sugere o romance Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne. Longe disso.

Quando colocamos na água um hidrofone, um microfone à prova de água, o mar nunca é um lugar quieto, não importa em qual oceano do mundo. Ouvimos o vento soprar e a chuva caindo sobre a superfície, mesmo a uma profundidade de centenas de metros.

A água é muito mais densa que o ar, e suas moléculas são agrupadas de forma mais apertadas. Isto quer dizer que o som, que depende de moléculas vibrando e empurrando umas contra as outras, se propaga até muito mais longe e rápido sob a água que no ar.

Navegantes sabiam de outra fonte de som por milhares de sons: a vida marinha. Muitos animais produzem sons, desde os menores camarões até as maiores baleias. Diversos peixes se comunicam acusticamente sob a água, como no tempo da reprodução.

A luz não chega muito sob a água. Perto da superfície, em água clara, pode se enxergar alguns metros, mas nas profundezas não se vê nada. Assim alguns animais marinhos se desenvolveram para “ver com som”, usando a acústica para navegar, detectar predadores e caça, e para se comunicarem com outros membros de sua espécie.

O problema é que sons feitos por humanos podem interferir nestes comportamentos na vida marinha.

Os efeitos dos ruídos nos animais marinhos se parecem com aqueles sobre nós. Se você já saiu de um zumbido de um concerto de rock, vai perceber que o som alto pode afetar temporariamente, ou mesmo afetar sua audição permanentemente.

O barulho excessivo pode mudar os habitats das criaturas marinhas também. Os animais podem resolver abandonar seus habitats se as coisas ficarem insuportáveis, ficando expostas a problemas de alimentação ou à ação de predadores. A questão é se podem encontrar outro local aceitável para viver.

Uma coisa positiva é que mesmo que a poluição do barulho viaje muito rápido e a grandes distâncias no oceano, no momento em que a fonte é desativada ela desaparece. Isto é muito diferente da poluição de plásticos ou substâncias químicas e nos dá esperança de ser administrada com sucesso.

O ruído antropogênico ocupa os sons dos mares, colocando a vida marinha sob imenso estresse. No caso dos peixes-palhaços, pode até mesmo deixá-los vagando sem conseguir encontrar o caminho de casa.

Hidrofone usado por pesquisadores da agência francesa de biodiversidade na costa de Ajaccio, no Mar Mediterrâneo: cada vez mais estudos sobre poluição sonora na vida marinha (Foto: Boris Horvat / AFP)
Hidrofone usado por pesquisadores da agência francesa de biodiversidade na costa de Ajaccio, no Mar Mediterrâneo: cada vez mais estudos sobre poluição sonora na vida marinha (Foto: Boris Horvat / AFP)

“O ciclo se rompe”, diz Carlos Duarte, ecologista marinho da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah, na Arábia Saudita, e autor de recente estudo publicado na revista Science. “A trilha sonora de casa agora fica difícil de ouvir e em muitos casos desaparece.”

No oceano, referências visuais desaparecem depois de dezenas de metros, e marcos químicos se dissipam em centenas. Mas o som pode viajar milhares de quilômetros e ligar animais nas bacias oceânicas e na escuridão. Como resultado, muitas espécies marinhas são totalmente adaptadas para se comunicar com o som.

Duarte teve a ideia do estudo sobre a vida marinha há sete anos. Sabia da importância do som por muito tempo de sua longa carreira como ecologista, mas achou que a questão tinha de ser reconhecida em escala global.

Descobriu que a comunidade científica focada na questão era relativamente pequena e dividida – de um lado o estudo da vocalização dos mamíferos marinhos, e de outro atividade sísmica submarina e tomografia acústica, além dos interesses econômicos e estratégicos.

“Todos estivemos em nossas pequenas corridas do ouro”, disse Steve Simpson, biologista marinho da Universidade de Exeter, na Inglaterra, e um dos autores do estudo.

Os pesquisadores também apontaram a mineração de mar profundo como um setor emergente que pode se tornar uma fonte importante de ruído submarino, e sugerem que as novas tecnologias possam ser projetadas para minimizar o som, antes que a atividade de mineração comece.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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