Governo promete 740 fiscais ambientais, mas autoriza concurso só para 157

Fiscal do Ibama em operação contra desmatamento ilegal em Rondônia: falta de servidores é o principal problema dos órgãos ambientais (Foto: Fernando Augusto/Ibama – 17/06/2018)

Ibama receberá 96 analistas ambientais, 10% do que precisa, e ICMBio, 61; maior parte das vagas é para técnicos que só podem apoiar fiscalização

Por Observatório do Clima | ODS 14ODS 15 • Publicada em 8 de setembro de 2021 - 18:03 • Atualizada em 11 de setembro de 2021 - 10:35

Fiscal do Ibama em operação contra desmatamento ilegal em Rondônia: falta de servidores é o principal problema dos órgãos ambientais (Foto: Fernando Augusto/Ibama – 17/06/2018)

(Felipe Werneck*) – Após dois anos e oito meses de governo, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, afirmou em audiência no Senado no dia 31/8 que seriam contratados 740 novos fiscais ambientais. No entanto, portaria do Ministério da Economia publicada nesta segunda-feira (6/9) autoriza a realização de concurso público para 568 vagas de diversos cargos no Ibama, dos quais apenas 96 são analistas ambientais, que têm atribuição em lei para fiscalizar o meio ambiente. Também foi autorizado concurso para 171 cargos no ICMBio, dos quais 61 são analistas (nível superior).

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A maioria dos cargos autorizados para os dois institutos é de técnico ambiental (73% das 739 vagas), que exige apenas nível médio. Um técnico ambiental recebe R$ 2.222,94 de vencimento básico inicial, equivalente a dois salários-mínimos. Já o salário dos analista de nível superior, que podem atuar como fiscais, começa em R$ 4.720,84, mais que o dobro.

A Lei 10.410/2002, que criou a carreira de especialista em meio ambiente, define três atribuições para o cargo de técnico ambiental: 1 – prestação de suporte e apoio técnico especializado às atividades dos gestores e analistas ambientais; 2 – execução de atividades de coleta, seleção e tratamento de dados e informações especializadas voltadas para as atividades finalísticas; e 3 – orientação e controle de processos voltados às áreas de conservação, pesquisa, proteção e defesa ambiental. Ou seja, os técnicos ambientais só podem atuar na fiscalização prestando apoio aos analistas ambientais, que têm competência legal para atuar como fiscais e são especialistas em áreas como biologia, engenharia florestal, agronomia etc.

No Ibama, serão contratados 432 técnicos ambientais para fazer basicamente o que o Exército tem feito na Amazônia nos últimos dois anos e que não deu certo: apoiar o trabalho de analistas ambientais, os verdadeiros fiscais.

O anúncio ocorre a dois meses da COP de Glasgow, e faz parte de um pacote de medidas que o governo Bolsonaro quer apresentar para dizer que está combatendo o desmatamento. No entanto, como já admitiu o vice-presidente Hamilton Mourão, em 2021 deverá ser registrada pelo terceiro ano seguido taxa de desmatamento maior que 10 mil km² na Amazônia, o que não ocorria desde 2008.

Redução do quadro de servidores do Ibama, com queda acentuada desde 2014 (Gráfico: Observatório do Clima; Fonte Ministério da Economia, 2021, Portal de Dados Abertos)
Redução do quadro de servidores do Ibama, com queda acentuada desde 2014 (Gráfico: Observatório do Clima; Fonte Ministério da Economia, 2021, Portal de Dados Abertos)

Órgãos ambientais com déficit de servidores

A falta de servidores é o principal problema dos órgãos ambientais. Nota técnica do Ibama de maio de 2020 aponta a necessidade de contratar pelo menos 1.306 servidores de nível superior para o instituto (970 analistas ambientais e 336 analistas administrativos). O governo autorizou apenas 10% disso (96 analistas ambientais e 40 analistas administrativos).

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Só no Ibama há um déficit de 2.928 servidores – mesmo considerando os cargos de nível médio, o número anunciado representa menos de 20% dos cargos vagos no instituto. Hoje com 2.544 servidores ativos, o Ibama tem menos da metade dos profissionais que tinha em 2002. O último concurso ocorreu há nove anos.

Em maio de 2020, com déficit de fiscais, o Ibama havia encaminhado ofício ao MMA pedindo concurso para 2.311 servidores, dos quais 970 analistas ambientais. Em junho passado, o órgão alterou o pedido, sem manifestação da área técnica, reduzindo o número de cargos para 655, sendo 104 de analista ambiental, 43 de analista administrativo e 508 de técnico ambiental.

O concurso autorizado contraria proposta de reforma administrativa anunciada pelo ministro Paulo Guedes, que prevê a redução de cargos de nível médio no governo federal. Outros órgãos de fiscalização, como Receita Federal e agências reguladoras, não contratam servidores de nível médio.

“Esse concurso é mais uma cloroquina do governo Bolsonaro. É um engodo após três anos de desmonte. Querem mostrar serviço na COP26 sem comprometer recursos. A quem pensam que vão enganar?”, questiona Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e ​especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Um técnico de nível médio não tem formação para analisar ou monitorar grandes empreendimentos como hidrelétricas e atividades de exploração de petróleo. Mesmo a fiscalização do desmatamento requer formação sofisticada: pressupõe capacidade de análise de dados, avaliação de danos, uso de geotecnologias e outras atividades que exigem conhecimentos científicos específicos, habilidades incompatíveis com o cargo de nível médio”, acrescenta.

*Felipe Werneck,  jornalista com especialização em meio ambiente pela Coppe/UFRJ, é editor do Fakebook.eco, iniciativa do Observatório do Clima

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O Observatório do Clima é uma rede que reúne entidades da sociedade civil para discutir a questão das mudanças climáticas no contexto brasileiro.

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Um comentário em “Governo promete 740 fiscais ambientais, mas autoriza concurso só para 157

  1. Luiz Cezar Salama disse:

    Acho que devemos mesmo lamentar a situação do IBAMA, um orgão necessario e que faz um trabalho excelente dentro do que lhe é permitido, mas vamos ser honestos na hora de comparar a ação do Governo Federal…
    Segundo o grafico apresentado, nos ultimos 3 anos houve uma redução de 46 colaboradores no IBAMA e segundo esse mesmo grafico, uma redução de cerca de 1900 colaboradores somente entre 2007 e 2008 e mais de 3000 entre 2007 e 2017.
    Se esses numeros representam “mais uma cloroquina desse governo” (uma alusão à ineficacia da Hidroxicloroquina no tratamento da COVID, feita no ultimo parágrafo) então podemos aludir que a comparação mais honesta do gráfico apresentado com os governos Lula e Dilma deveriam ser com algum organofosforado, certo?

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