Governo – enfim – vê desastre ambiental no Nordeste

Jovem voluntário no trabalho de limpeza das praias em Cabo de Santo Agostinho (PE): improviso marcou resposta ao desastre ambiental nas praias do Nordeste (Foto: Leo Malafaia/AFP)

Só 50 dias depois do aparecimento das primeiras manchas de óleo no litoral, Mourão mobiliza Exército e manda três ministros à região

Por Oscar Valporto | ODS 14 • Publicada em 22 de outubro de 2019 - 16:17 • Atualizada em 22 de outubro de 2019 - 18:21

Jovem voluntário no trabalho de limpeza das praias em Cabo de Santo Agostinho (PE): improviso marcou resposta ao desastre ambiental nas praias do Nordeste (Foto: Leo Malafaia/AFP)
Voluntários, servidores de órgãos ambientais e da prefeitura fazem mutirão na praia de Paiva, em Cabo de Santo Agostinho. Pernambuco: mais de 900 toneladas de óleo recolhidas desde setembro em nove estados do Nordeste (Foto: Leo Malafaia/AFP)
Voluntários, servidores de órgãos ambientais e da prefeitura fazem mutirão na praia de Paiva, em Cabo de Santo Agostinho, Pernambuco: mais de 900 toneladas de óleo recolhidas desde setembro em nove estados do Nordeste (Foto: Leo Malafaia/AFP)

Foi no dia 2 de setembro que apareceram as primeiras manchas de óleo nas praias dos Nordeste. Mas foi só nesta terça (22/10), 50 dias depois, que o governo Bolsonaro começou a tratar a emergência ambiental no litoral da região com a gravidade que a situação, evidentemente, exigia semanas atrás quando o derramamento de óleo já havia se espalhado de Sergipe ao Maranhão. Nesta terça, três ministros – do Meio Ambiente, da Defesa e do Desenvolvimento Regional – estavam em Pernambuco para discutir com dirigentes de órgãos federais no Nordeste e autoridades da região ações para enfrentar a crise ambiental.  O comandante da Marinha foi chamado ao Palácio do Planalto com a mesma pauta, convocado pelo vice-presidente Hamilton Mourão que, no dia anterior, já havia determinado que tropas do Exército no Nordeste reforçassem o trabalho dos órgãos ambientais e dos voluntários na retirada e contenção do óleo.

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É o maior acidente ambiental da história do Brasil e não pode ser tratado, depois de 50 dias, da forma improvisada como a gente está vendo nos dias de hoje. É fundamental que tenha uma força-tarefa, para que todos os equipamentos disponíveis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sejam colocados à disposição

Sim: foi preciso que o presidente Jair Bolsonaro estivesse do outro lado do mundo para que o governo resolvesse, pelo menos, mostrar estar consciente da gravidade da emergência ambiental e da necessidade de ação. “A presença do ministro aqui é uma deferência, mais um reforço”, explicou o general Fernando Azevedo e Silva, titular do Ministério da Defesa, após encontro com o governador de Pernambuco.   O general disse que a Marinha estava “debruçada” sobre o problema desde o início de setembro, mas admitiu que as providências começaram a ser tomadas só um mês depois. “Nós não julgávamos ser necessário empregar o Exército. Quando precisou, empregamos o Exército. A imprevisibilidade do local que as manchas aparecem nas praias é dificuldade para nós”, afirmou o ministro da Defesa.

Voluntário no trabalho de limpeza das praias em Cabo de Santo Agostinho (PE), adolescente sai do mar coberto de óleo: 200 localidades atingidas em todo o Nordeste (Foto: Leo Malafaia/AFP)
Voluntário no trabalho de limpeza das praias em Cabo de Santo Agostinho (PE), adolescente sai do mar coberto de óleo: 200 localidades atingidas em todo o Nordeste (Foto: Leo Malafaia/AFP)

O ministro do Meio Ambiente amanheceu em Pernambuco num voo de helicóptero, o terceiro desde o começo de outubro. Ricardo Salles Salles desceu de helicóptero na praia de Itapuama, no sul do estado. A visita durou aproximadamente dez minutos, elogiou o trabalho dos militares, dos servidores do Ibama, ICMBio, das prefeituras e dos voluntários e seguiu para a reunião na Capitania dos Portos para discutir a emergência ambiental. Salles só tem ouvido reclamações. Quando apareceu pela primeira vez no Nordeste, dia 5 de outubro, um mês depois das manchas de óleo, escolheu o litoral de Sergipe, único estado da região governador por um partido aliado, o PSD. O governador Belivaldo Chagas, entretanto, queixou-se da morosidade do governo.  “O fato é que houve um vacilo por parte do Governo Federal. Efetivamente, isso começou a acontecer no dia 2 de setembro e todo o material que veio para as praias deveria ter sido recolhido com uma certa rapidez”, disse após a visita do ministro.

Os  outros governadores vêm sendo mais duros. “É o maior acidente ambiental da história do Brasil e não pode ser tratado, depois de 50 dias, da forma improvisada como a gente está vendo nos dias de hoje”, reclamou o pernambucano Paulo Câmara (PSD) horas antes de Salles, Azevedo e Silva e Gustavo Canuto, do ministro do Desenvolvimento Regional, chegarem ao Recife para tratar do desastre ambiental. “É fundamental que tenha uma força-tarefa, para que todos os equipamentos disponíveis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica sejam colocados à disposição para tratar desta questão”, acrescentou. O ministro do Meio Ambiente – depois de atacar pelas redes sociais com o governador da Bahia, Rui Costa (PT), o Greenpeace e outras entidades ambientalistas e deputados nordestinos de oposição, sempre culpando a Venezuela pelo derramamento de óleo – reapareceu no Nordeste com discurso menos bélico.  “O governo não vai gastar mais um minuto com polêmica”, disse em Pernambuco.

O dark ship procura as sombras. E essa navegação às sombras produz essa dificuldade de detecção dos responsáveis pelo vazamento

Marinha atrás de dark ship

Em Brasília, o comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa, após reunião com Mourão para discutir o desastre ecológico, deu sua primeira entrevista coletiva sobre as manchas de óleo: para ele, a maior probabilidade é que o vazamento tenha partido de um navio irregular, os chamados dark ships. “O mais provável é de um dark ship que teve um incidente e, infelizmente, não progrediu a informação como deveria”, afirmou, lembrando que a Marinha concentra sua investigação em 30 navios de 10 países diferentes.

Um dark ship é um navio que tem seus dados informados às autoridades, mas, em função de qualquer restrição ou embargo, leva uma carga que não pode ser comercializada. O comandante da Marinha explicou que esses navios buscam vias de comunicação marítimas que não são tão frequentadas, procura escapar das Marinha e não alimenta seus sistemas de identificação. “O dark ship procura as sombras. E essa navegação às sombras produz essa dificuldade de detecção dos responsáveis pelo vazamento”, explicou o almirante Ilques Barbosa.

Ambientalista tira óleo das pedras da Pedra do Sal, em Salvador: Marinha teme que mais toneladas de óleo cheguem às praias brasileiras (Foto: Antonello Veneri/AFP)
Ambientalista tira óleo das pedras da Pedra do Sal, em Salvador: Marinha teme que mais toneladas de óleo cheguem às praias brasileiras (Foto: Antonello Veneri/AFP)

O comandante da Marinha fez mais um alerta: a quantidade de óleo que já chegou à costa brasileira é muito menor do que a capacidade dos navios investigados, cada um com cerca de 300 mil toneladas. Até esta segunda-feira (21), haviam sido recolhidas 900 toneladas de resíduos de óleo cru nas praias do Nordeste. O o mais recente balanço do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, divulgado nesta segunda (21), o óleo já atingiu 200 localidades, de 78 municípios, nos noves estados nordestinos.

Depois de assegurar que não houve vazamento em navios, plataformas ou terminais brasileiros, o almirante botou água fria na fervura da polêmica alimentada por Salles e o próprio Bolsonaro sobre a origem do óleo nas praias nordestinas.  ““O que se sabe, pela análise dos cientistas, é que o petróleo é de origem venezuelana. Não quer dizer que houve em algum momento – e não houve isso – envolvimento de qualquer setor responsável, tanto privado quanto público, da Venezuela nesse assunto”, disse o comandante da Marinha.

 

 

 

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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2 comentários “Governo – enfim – vê desastre ambiental no Nordeste

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