Dois decretos – o 10.965 e o 10.966 – publicados no Diário Oficial da União desta segunda (14/02) pelo governo Bolsonaro tem o declarado objetivo de estimular o garimpo, chamado de mineração artesanal, atividade responsável por incontáveis crimes ambientais. As duas medidas seguem a fórmula consagrada pelo ex-ministro Ricardo Salles para passar a boiada sobre a legislação ambiental, usando decretos e outras providências infralegais para evitar debates no Congresso Nacional.
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O decreto 10.965 altera o Código de Mineração determina que ANM (Agência Nacional de Mineração) estabeleça “critérios simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de outorga, principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte”. O 10.966 cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa). A área de atuação prioritária do programa será a região da Amazônia Legal (Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e Maranhão), a mais assediada pelo garimpo ilegal.
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Os decretos provocaram protestos generalizados. “Os dois decretos fragilizam ainda mais o quase inexistente controle na cadeia do garimpo. Ao invés de estabelecer critérios mais rígidos para os controles e fiscalização, que são necessários por parte do governo federal, estimulam a atividade que hoje é uma das principais ameaças à Floresta Amazônica e seus povos”, criticou, em nota, o Instituto Escolhas, que, na semana passada, divulgou estudo mostrando que o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro, quase a metade de toda a produção nacional, com indícios de ilegalidade.
Ambientalistas foram às redes sociais contra os decretos. “Em meio à explosão do garimpo ilegal na Amazônia acaba de ser publicado um decreto que possibilita que garimpos mesmo de escala industrial sejam classificados como “artesanais” e beneficiados por regras mais flexíveis. Não é incompetência, é projeto”, escreveu o professor Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG.
Editor do Observatório da Mineração, o jornalista Maurício Angelo aponta que o que é chamado oficialmente de “pequena escala” é o garimpo (como explícito no artigo 4), “hoje massivamente industrial, feito com máquinas pesadas, estrutura e logística multimilionária e rotineiramente ligado a uma série de crimes”. Para Angelo, “o decreto abre brechas para a ampliação do garimpo na Amazônia, já extremamente problemático hoje”.
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Veja o que já enviamosPorta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace, o agronômo Danicley Aguiar vê “desespero eleitoral” nos decretos de Jair Bolsonaro para favorecer os garimpeiros. “Com certeza, esse decreto vai provocar um aumento na corrida ao ouro, um avanço do garimpo ilegal sobre as florestas nacionais, sobre as unidades de conservação de uma forma geral, mas também sobre as terras indígenas que hoje vivem numa situação desesperadora do ponto de vista da invasão dos seus territórios”, afirmou.
Parlamentares oposicionistas também usaram as redes sociais para protestar. As coisas precisam ser chamadas pelo nome: não existe “mineração artesanal”, o que o governo Bolsonaro quer é, através de decreto, seguir liberando geral o garimpo na Amazônia. Vamos apresentar projeto para reverter mais esse absurdo!”, escreveu a líder do Psol na Câmara, deputada Samia Bomfim. “Este decreto estimula uma atividade clandestina, predatória e ilegal. A mineração artesanal é o novo garimpo ilegal, um passaporte para a destruição”, protestou o deputado Rodrigo Agostinho, do PSB, coordenador da Frente Ambientalista do Congresso. “Mineração artesanal é eufemismo para garimpo ilegal”, postou o deputado petista Nilto Tatto, ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
Em nota, o Palácio do Planalto afirmou que o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala significa uma “nova perspectiva de políticas públicas sobre a atividade garimpeira no Brasil”. A nota do governo Bolsonaro diz ainda que a mineração artesanal e em pequena escala “é fonte de riqueza e renda para uma população de centenas de milhares de pessoas”; logo, acrescenta, “é fundamental que as ações de governo reconheçam as condições em que vive o pequeno minerador, o alcance de sua atividade e as necessidades primárias da sociedade circundante”.