ODS 1
Câmara aprova PL da Devastação e conclui implosão do licenciamento ambiental

Texto da nova lei segue agora para sanção do presidente Lula, que poderá vetá-lo parcial ou integralmente. Mas a decisão final ainda será do Congresso.

Enquanto a maior parte do Brasil dormia, a Câmara dos Deputados concluiu a implosão do licenciamento ambiental no Brasil às 1h53 da madrugada desta quinta-feira (18/07), por 267 votos a favor e 116 contra. O relator do PL da Devastação, deputado Zé Vitor (PL-MG), acatou as emendas dos senadores, que pioraram um texto já muito ruim aprovado antes pelos deputados. Manteve, por exemplo, o absurdo criado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), do “licenciamento ambiental especial” – LAE é uma “porteira” escancarada para liberar a toque de caixa projetos de alto impacto ambiental, como os de mineração.
Manifesto através da SBPC pelos cientistas brasileiros, com respaldo de 160 organizações, destacou impactos nocivos do projeto aprovado na madrugada: aumento potencial de emissões de carbono, dispensa de licenciamento para o agronegócio, desvinculação do licenciamento da outorga de uso da água, ameaça às Unidades de Conservação, ameaças a direitos dos povos e comunidades tradicionais, condicionantes ambientais fragilizadas, inexistência de uma lista mínima de atividades sujeitas ao licenciamento, além de criação da Licença Ambiental Especial. “O PL ignora solenemente o estado de emergência climática em que a humanidade se encontra, e o fato de que quatro biomas brasileiros (floresta Amazônica, Cerrado, Pantana e Caatinga) estão muito próximos dos chamados de pontos de não retorno”, alertavam.
Nos últimos dias, muitas outras vozes se levantaram contra a fúria parlamentar contra a legislação ambiental. Com mais de 60 milhões de seguidores no Instagram, a cantora Anitta compartilhou na rede um post da Mídia Indígena Oficial apelando ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) e aos deputados que não votassem o projeto. “Dizer SIM ao projeto de lei da Devastação é dizer NÃO à vida”, destacava o post. com Anitta, a atriz Débora Bloch, o ator Marcos Palmeira, o filósofo Ailton Krenak e a cantora Daniela Mercury, além de outros artistas, foram responsáveis pela hashtag “#PLdadevastação” ter alcançado o 3º lugar entre os trending topics do X no Brasil. De 9h de 3ª feira às 9h de ontem, a hashtag foi mencionada em mais de 294 mil tweets.
Pelo menos cinco cartas foram enviadas por entidades voltadas para questões éticas e de governança, lideranças ambientais e áreas de sustentabilidade de empresas e instituições empresariais. Entre os signatários dos manifestos estão Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, Rede Brasil do Pacto Global, Pensamento Nacional das Bases Empresariais, Instituto Akatu, Capitalismo Consciente Brasil, Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – Gife, Sistema B Brasil, Instituto Talanoa, Rede Brasil do Pacto Global, PainelMar, FecomercioSP, Observatório do Clima, Observatório da Governança da Água, Fundação SOS Mata Atlântica e Rede de ONGs da Mata Atlântica.
Para o físico Paulo Artaxo, professor da USP e um dos principais cientistas do IPCC, a proposta desestrutura um dos instrumentos centrais de proteção ambiental no Brasil: “Esse projeto de lei modifica, para pior, todo o processo de licenciamento ambiental no nosso país. O licenciamento é o instrumento que o Estado tem para proteger os bens públicos, nossos rios, florestas e o ar que respiramos”, disse.
Desastre ambiental
O Brasil amanheceu com as repercussões negativas da ação na madrugada pela implosão do licenciamento ambiental pelo Congresso. O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) divulgou nota de repúdio a aprovação do PL (Projeto de Lei) 2.159/2021 pela Câmara dos Deputados, destacando que o texto desmonta os pilares do licenciamento ambiental e enfraquece a capacidade do Estado de prevenir danos ao meio ambiente. “No momento em que o Brasil se prepara para um dos eventos mais importantes para o futuro da humanidade, a COP30 em Belém, nosso Congresso nos brinda com uma agenda que vai na contramão de nossa liderança global: um PL que usa o correto pretexto de simplificar, para tornar o processo de licenciamento ambiental no Brasil menos transparente e mais arriscado para o meio ambiente”, avalia André Guimarães, diretor executivo do IPAM.
A especialista em Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno, fez um a apelo para que o texto seja vetado integralmente. “A aprovação do PL da Devastação demonstra que os nossos parlamentares estão mais preocupados em destruir do que aprimorar a legislação ambiental, esvaziando a capacidade do Estado de prevenir e mitigar os impactos de obras Brasil afora. O momento é crítico, mas esperamos que parte dessa lambança feita pelo Congresso Nacional possa ser revertida na sanção presidencial. Veta tudo, Lula!”, pediu Nepomuceno.
Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, classificou de trágica a decisão dos deputados. “Em vez de aperfeiçoar as regras do licenciamento e a avaliação de impactos ambientais, o Congresso optou por consolidar a lei da não-licença e o autolicenciamento. Um apertar de botão, sem apresentação prévia de qualquer estudo ambiental, será o procedimento padrão que gerará a maior parte das licenças no país, na modalidade por Adesão e Compromisso”, lamentou. “Já a chamada Licença Ambiental Especial, criada para facilitar grandes empreendimentos, é oficialmente guiada por interesses políticos. Terras indígenas não homologadas e territórios quilombolas não titulados serão ignorados nos processos, afastando-se direitos fundamentais assegurados pela Constituição. É uma tragédia para nossa política ambiental, um dia que lembraremos para sempre: a marca do descontrole ambiental no país”, acrescentou Suely Araújo.
Para Marcio Astrini, secretário executivo do OC, o texto aprovado expõe a capacidade de destruição do Congresso e coloca o governo federal sob escrutínio. “Tal como foi aprovado, o projeto de lei estimula o desmatamento e agrava a crise climática. O presidente Lula diz que o Brasil vai liderar a agenda ambiental pelo exemplo. O veto do PL 2.159, às vésperas da COP 30, é a oportunidade perfeita para transformar o discurso em prática. Esperamos que ele cumpra seus compromissos de campanha e rejeite esse texto absurdo aprovado pelo Congresso brasileiro”, enfatizou.
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Oscar Valporto
Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade