ODS 1
Cada vez mais tartarugas são contaminadas com plásticos nos mares da África do Sul
Pesquisadores alertam que número de filhotes contaminados este ano já supera o volume de todo o ano de 2021
(Cidade do Cabo, África do Sul) – Em 8 semanas, 146 filhotes de tartarugas foram resgatados em diferentes praias da costa sul-africana. O período anual de encalhe desses pequenos animais começou em março no país que é banhado pelos oceanos Atlântico e Índico. Pedaços de plástico foram identificados em fezes de ao menos 70 deles até agora.
Quando esses animais são encontrados na praia, a recomendação de especialistas locais é que, em vez de serem colocadas de volta no mar, as tartarugas – muitas vezes feridas, doentes, desidratadas, cansadas – sejam levadas para o aquário Two Oceans (Dois Oceanos, em português), na Cidade do Cabo, para um período de reabilitação.
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O mês de maio nem terminou e o número de filhotes de tartarugas trazidos para o aquário já é maior que o de resgatados na costa sul-africana em todo o ano passado: 61, sendo que pedaços de plástico foram encontrados em fezes de 42 deles ao longo de todo o ano de 2021. Isso tem preocupado Talitha Noble, gerente de conservação do setor que cuida apenas de tartarugas do aquário.
“Isso significa que há mais plástico no oceano. Claro que isso não é normal. É definitivamente chocante porque essas tartarugas já estão lutando no mar, enfrentando ameaças e nós, humanos, estamos colocando ainda mais ameaças. Então, isso não é o ideal”, disse. Formada em biologia marinha, ela lidera atualmente um time de 16 pessoas (7 profissionais e 9 voluntários) que cuidam apenas de tartarugas.
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Veja o que já enviamosO #Colabora esteve no aquário, que é visitado frequentemente também por estudantes de diferentes idades. Naquela manhã nublada da Cidade do Cabo, véspera do Dia Mundial da Tartaruga, comemorado no dia 23 de maio, professores organizavam longas filas de crianças que tinham menos de um metro de altura e olhavam maravilhadas para o alto quando passavam em um túnel de vidro dentro do aquário. Um dos objetivos aqui é conscientizar os visitantes, o quanto antes, sobre educação ambiental e os riscos que o plástico representa para vida marinha.
A coordenadora de mídia do setor, Martine Viljoen, acompanhou a reportagem e mostrou os pedaços de plástico encontrados nas fezes de tartarugas trazidas para o centro de reabilitação. Um deles, preto, cobre quase toda a mão de Martine. Ela conta que muito provavelmente a tartaruga engoliu aquele pedaço de plástico achando que fosse uma alga marinha. Normalmente o plástico no fundo do mar é confundido pelos animais com algum alimento saudável.
Há amostras menores, mas o mais chocante foi ver que ela precisou das duas mãos para exibir um outro pedaço de plástico (branco) que também foi engolido por um dos animais resgatados. “Quando a tartaruga não sobrevive, às vezes encontramos pedaços de plástico dentro delas depois de fazer autópsia”, contou Martine.
Atualmente há 74 tartarugas passando por reabilitação aqui, sendo 67 delas filhotes. A reportagem esteve não só nos corredores por onde os visitantes passam, mas também nos bastidores do aquário, frequentado por quem trabalha no local. O vento trouxe uma embalagem de plástico transparente que acabou caindo no tanque dos tubarões, que tem a parte superior aberta. O plástico foi retirado rapidamente, antes que algum dos animais pudesse também engoli-lo confundindo com comida. Na parte superior do aquário há 8 tanques onde os bebês de tartarugas ficam em observação, separadamente, recebendo tratamento adequado. Cinco deles estão ocupados no momento. Esses tanques são cobertos, assim como as cinco piscinas onde ficam as tartarugas maiores. Pelo menos dois desses animais estão no tanque que pode ser visto pelo público do lado de dentro do aquário.
Uma das tartarugas se chama Pan. Está aqui desde 2019. Também havia plástico nas fezes dela quando chegou. Já passou por três cirurgias e se recupera de uma infecção no ouvido. Nadando no mesmo tanque que Pan e outras espécies marinhas também está o Bob, que foi resgatado há quase 8 anos. Chegou doente, com infecções. Aparentemente está sempre em busca de comida. Também havia engolido plástico achando que fosse comida no mar. Ele logo se aproxima da plataforma do tanque ao perceber que a reportagem estava no local. Certamente acreditando que era hora de comer. Bob come 1,5 kg de vegetais por dia, como pepino, brócolis e alface. Continua no aquário porque se recupera de um dano cerebral, não necessariamente ligado ao consumo de plástico.
A equipe ainda espera conseguir comprar um rastreador para instalar nele antes de soltá-lo no mar novamente, o que pode custar dezenas de milhares de reais. O período de reabilitação varia de um animal para outro, mas em média um filhote fica cerca de 9 meses aqui até que possa voltar para a vida no oceano. O tratamento de cada um durante este período custa o equivalente a quase R$ 2.500,00. No caso das tartarugas adultas o custo certamente é maior, e quase sempre demanda mais medicamentos e tratamentos específicos. Este ano não houve até agora nenhuma tartaruga adulta resgatada. O tratamento de alguns desses animais é custeado por pessoas que “adotam” as tartarugas, acompanhando o tratamento e o desenvolvimento dos animais, mesmo que à distância, quando estão em outros países.
Quando estão totalmente recuperados, os animais voltam para o habitat natural. Em janeiro, foram levadas de volta para o mar 44 tartarugas, sendo 40 filhotes. Apenas dois desses 4 adultos soltos possuem rastreadores. O motivo é a falta de recursos, pelo que Martine explicou à reportagem. O ideal também é que os filhotes voltem para o mar com chips, menores e mais baratos do que os rastreadores necessários para as tartarugas adultas, mas com o mesmo objetivo: permitir que os biólogos acompanhem a rotina dos animais no mar.
O aquário de Cape Town é uma empresa, mas aqui também funciona a Two Oceans Aquarium Education Foundation, fundação sem fins lucrativos que hospeda o time de conservação e reabilitação de tartarugas, o que custa aproximadamente R$ 500 mil por ano, despesa coberta com doações, segundo a gerente da equipe.
A luta contra este cenário preocupante não é só sul-africana. Este ano 157 países da ONU – inclusive o Brasil – aprovaram uma resolução histórica que pretende acabar com a poluição do plástico. Foi na Assembleia das Nações Unidas do Meio Ambiente, que terminou no início de março, no Quênia. A resolução estabelece a criação de um Comitê Intergovernamental de Negociação para refletir sobre o ciclo de vida completo dos plásticos, design de produtos e materiais reutilizáveis e recicláveis, lembrando da necessidade de uma reforçada colaboração internacional para facilitar o acesso à tecnologia, capacitação e cooperação científica e técnica. A expectativa é que os trabalhos comecem logo.
A diretora executiva do PNUMA, Inger Andersen, que é economista e ambientalista dinamarquesa, considera que esta resolução “marca um triunfo do planeta sobre os plásticos descartáveis”, destacando que “este é o acordo multilateral ambiental mais significativo desde o acordo de Paris.”
Este é um setor gigantesco e bilionário. A produção de plástico era de 2 milhões de toneladas em 1950. Aumentou para 348 milhões de toneladas em 2017, tornando-se uma indústria global avaliada em US$ 522,6 bilhões de dólares. A expectativa é que sua capacidade duplique até 2040.
Para tentar minimizar ao máximo o impacto disso no meio ambiente, só aumenta a pressão sobre empresas e cada ser humano que, além de consumir mais e mais plástico, parece ainda não saber como descartá-lo adequadamente, seja na África do Sul ou no resto do planeta. Talitha Noble diz que a solução é reduzir a quantidade de plástico nos oceanos.
“Há duas etapas para isso. Uma é lidando com os sintomas, diante do fato de haver plástico no oceano, olhando para os motivos. Em um segundo nível que devemos mudar, temos que diminuir a quantidade de plástico que usamos e temos que ser mais responsáveis sobre como descartamos isso”, disse, sem esquecer da necessidade de governos agirem e da ajuda, que pode vir de cada pessoa, na remoção de plástico dos oceanos.
Ela concorda que este cenário é um problema corporativo e individual. Concluiu a entrevista lembrando o quanto estamos ligados ao oceano, mesmo que nem todos percebam isso. “Tudo o que usamos, mesmo que descartemos de um modo correto, pode ir parar no oceano, que está sendo tratado como uma lata de lixo. Mesmo que algo não esteja sendo jogado diretamente no oceano, um rio acaba no mar. Coisas voando podem acabar no oceano. Então é sobre nossa desconexão do oceano, falta de entendimento de que estamos ligados ao oceano e precisamos disso para sobreviver. Se entendermos isso melhor teremos um sentimento mais profundo de responsabilidade e cuidamos mais disso”, finalizou.
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É jornalista desde 2004. Atualmente é correspondente na África para a GloboNews e outros meios brasileiros. Coordenou o projeto de Jornalismo independente "E aí, vereador?", apoiado pela Associação Brasileira de Imprensa. Em 2014 foi um dos palestrantes do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo, quando falou sobre investigações em câmaras municipais.