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Boto-cinza: MPF move ação para impedir obra sem licença ambiental
Para procurador, autorização concedida por órgão estadual do Rio, sem estudo de impacto, leva risco à espécie ameaçada de extinção
O Ministério Público Federal entrou com Ação Civil Pública para impedir uma obra na Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha Boto-cinza, localizada na Baía de Sepetiba, no litoral fluminense. A ação contesta a autorização concedida pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para a empresa Porto Sudeste realizar corte de rochas submarinas de cerca de 900m³ para ampliação do canal de navegação do Porto de Itaguaí.
Na ação, o procurador Sergio Gardenghi Suiama destaca a ameaça aos botos-cinza. “A Baía de Sepetiba abriga a maior população de botos-cinza (Sotalia guianensis) do planeta e, desde a década de 1980, vem sofrendo forte impacto decorrente da expansão urbana e da instalação de empreendimentos industriais e portuários. Tal situação causou significativa diminuição do número de botos-cinza, espécie vulnerável que figura na Lista da Fauna Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção”, afirma o representante do MPF.
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Na ação, o Inea também figura entre os processados por ter concedido uma licença sem que os responsáveis pela obra da Companhia Porto Sudeste S.A. tenham cumprido todas as exigências obrigatórias para concessão de licenciamento ambiental. De acordo com o MPF, o órgão concedeu autorização ambiental para que a empresa Porto Sudeste do Brasil S.A. realizasse corte de rochas submarinas na unidade de conservação sem estudo prévio de impacto ambiental e sem consultar a população local e o Conselho Gestor da APA.
A ação foi ajuizada após procedimento preparatório instaurado a partir da representação, em junho, do Instituto Boto-cinza – ONG de pesquisas e educação ambiental – para apurar supostas irregularidades na prorrogação de validade da autorização ambiental para a Porto Sudeste. O MPF destaca que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Mangaratiba (SMMA) havia embargado provisoriamente a atividade em julho, exigindo a apresentação de autorização do Conselho Gestor da APA Boto-cinza para a intervenção, conforme previsão no Plano de Manejo, bem como de carta do órgão autorizador estadual atestando a regularidade da autorização ambiental.
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A SMMA, com base em parecer jurídico, apontou que a obra prevista pela Porto Sudeste não consta no rol daquelas permitidas no interior da APA, devendo obedecer ao Plano de Manejo da unidade de conservação. Segundo o parecer da secretaria de Mangaratiba, a atividade pode gerar significativo impacto à fauna marinha e à atividade tradicional de pesca artesanal na região. O embargo provisório foi contestado pelo próprio Inea que defendeu sua suspensão por entender que as áreas portuárias estariam excluídas do perímetro da APA Boto-cinza, bem como que a atividade poderia ser classificada como “baixo impacto”, o que dispensaria o estudo prévio e a autorização do Conselho Gestor da APA. A SMMA atendeu ao Inea e desembargou a obra.
O MPF, entretanto, entende que a obra terá um alto impacto na Baía de Sepetiba porque o aumento do fluxo de navios de grande porte com a ampliação do porto pode representar risco à preservação dos golfinhos e de outras espécies da fauna marinha e também afetar a atividade de pesca artesanal, que já consistiu na principal fonte de renda e subsistência na região. “Trata-se de derrocagem para ampliação de canal de navegação, a ser realizada com método inédito, o que constitui razão mais que suficiente para elaboração de estudo de impacto ambiental prévio, a fim de identificar e avaliar os impactos ambientais gerados tanto na fase de obras como na operação da atividade”, argumenta o procurador Sergio Gardenghi Suiama, na ação ainda não apreciada pela Justiça Federal.
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Veja o que já enviamosO MPF destaca ainda que o Inea baseou-se unicamente em um documento elaborado pela própria empresa Porto Sudeste para conceder a autorização ambiental. “Causa espanto a decisão do Inea de conceder autorização ambiental, sem submeter a atividade ao licenciamento ambiental, tendo por base um documento unilateral relativo a ‘evento-teste’ realizado pela própria empresa interessada”, critica Gardenghi Suiama.
O procurador cita resoluções do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) e o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro para sustentar a necessidade do estudo de impacto ambiental. “A não exigência de estudo de impacto ambiental, baseando-se em documento unilateral em evidente conflito de interesse, caracteriza omissão administrativa do Inea em seu poder de polícia, em descumprimento ao princípio da precaução”, acrescenta.
Na ação, além de pedir a suspensão preventiva da obra, o procurador requere ainda que o Ibama, a União e a Prefeitura de Mangaratiba sejam partes na ação contra o Inea e empresa. O MPF conclui solicitando à Justiça Federal que a autorização seja anulada já que a obra só poderia ser realizada após “estudo prévio de impacto ambiental que considere o efeito cumulativo da atividade com os demais empreendimentos, além de fixar medidas de compensação ambiental para os danos que venham a ser causados”.
Inea e empresa garantem cuidados com animais
A Porto Sudeste argumenta, entretanto, que o método utilizado para o corte subaquático de rocha já é uma medida para reduzir possíveis impactos ambientais, uma vez que a operação não é feita com explosivos ou cápsulas expansivas, mas com fio diamantado. A empresa assegura que, caso seja verificada a presença de qualquer boto-cinza nesse perímetro, a atividade é suspensa. Como não houve manifestação da Justiça Federal sobre a ação do MPF, a obra já começou e deve durar pelo menos até o começo de outubro. A Porto Sudeste informou que o processo do corte submerso da rocha em si dura cerca de 3 a 4 horas no dia.
A derrocagem subaquática sem uso de explosivos no fundo rochoso do canal principal de acesso ao Porto de Itaguaí “garantirá maior segurança para as embarcações, e redução do tempo de espera para as manobras de atracação e desatracação e, consequentemente, um incremento nas janelas operacionais, que é o período em que os navios têm condições de manobrar”, de acordo com nota da Porto Sudeste.
O Inea confirmou ter concedido a autorização ambiental à empresa Porto Sudeste para nivelamento do fundo marinho no canal de acesso principal ao Porto de Itaguaí, “essencial para a segurança à navegação, minimizando riscos de acidentes”. Ao #Colabora, o órgão estadual afirmou que “a emissão da autorização foi precedida de uma avaliação dos possíveis impactos o que resultou na requisição de programas de acompanhamento e monitoramento ambiental”.
O Inea argumenta que “tendo em vista que a atividade terá impacto pontual e temporário, a equipe técnica verificou que se enquadraria como uma atividade de baixo impacto ambiental, conforme os critérios e enquadramentos estabelecidos pela legislação estadual vigente”, acrescentando que promoveu reuniões com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Mangaratiba e o gestor da APA, para esclarecimento de dúvidas sobre a atividade autorizada.
A nota do órgão estadual destaca que foram estabelecidos programas de monitoramento e medidas de proteção à vida marinha: “O Inea vem acompanhando essa atividade e verificou que todas as medidas de proteção aos botos vêm sendo cumpridas”.
Botos sofrem com poluição e atividade humana
O boto-cinza pode ser encontrado na costa atlântica da América Central e por quase todo o litoral brasileiro, mas a Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, abriga a maior população mundial da espécie. Por viverem em regiões de baía, próximas a grandes centros urbanos e regiões portuárias, os botos-cinza sofrem bastante com a poluição, a captura acidental em redes de pesca e até atropelamentos por embarcações. A Baía de Guanabara chegou a ter grande população de botos – tantos que eles figuram no brasão da cidade do Rio de Janeiro.
De acordo com o biólogo Rodrigo Tardin, pesquisador com pós-doutorado pelo Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que conduz pesquisas sobre cetáceos na costa brasileira, estudos realizados entre 2006 e 2008 e, posteriormente, em 2017, 2018 e 2019, mostram uma redução de 60% dos botos-cinza na Baía de Sepetiba. Os pesquisadores acreditam que essa queda na população está diretamente ligada ao crescente movimento de navios nos portos de Sepetiba e Itaguaí já que, na quase vizinha Baía da Ilha Grande, um pouco mais ao sul, não foi registrada diminuição no número de botos.
O Instituto Boto-cinza, criado em 2009 para desenvolver estudos e projetos na Baía de Sepetiba, explica que esse tipo de cetáceo costuma ser arredio ao contato com os seres humanos. De acordo com a organização, o boto-cinza não é uma espécie de golfinho que costuma surfar na proa dos barcos ou que permite ser tocado por humanos. Para seus estudos, os pesquisadores do Instituto Boto-cinza acompanham os animais em pequenas embarcações, sem perturbá-los: tiram fotos, observam o comportamento e gravam os sons emitidos pelos botos.
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Bernardo de la Peña
Bernardo de la Peña é carioca e jornalista há mais de 25 anos. Trabalhou em "O Estado de S. Paulo" e "O Globo", onde ganhou dois Prêmio Esso. Escritor, publicou dois livros: "Memorial do escândalo", livro-reportagem sobre o mensalão, e "Um carioca no Planalto", memórias dos cinco anos que viveu em Brasília, a maior parte do tempo cobrindo o Planalto. Adora cavalos, a ponto de se arriscar a praticar salto na Sociedade Hípica Brasileira, um de seus lugares preferidos, ao lado da fazenda da família em Secretário, distrito de Petrópolis (RJ).
Excelente matéria!