Ressacas e projeto portuário provocam alerta ambiental no litoral do Rio

Obra para conter ondas em Maricá destruída pela ressaca: cientistas e ambientalistas alertam para riscos de construção de porto (Foto: Marcos Fabrício / Prefeitura de Maricá – 03/08/2021)

Cientistas apontam os riscos, em cenário de crise climática, da construção de porto em Maricá e a urgência de gerenciamento costeiro

Por Elizabeth Oliveira | ODS 13ODS 14 • Publicada em 13 de outubro de 2021 - 08:51 • Atualizada em 18 de outubro de 2021 - 09:02

Obra para conter ondas em Maricá destruída pela ressaca: cientistas e ambientalistas alertam para riscos de construção de porto (Foto: Marcos Fabrício / Prefeitura de Maricá – 03/08/2021)

Inserida em um dos litorais mais dinâmicos da região Sudeste, Maricá tem sido alvo de ressacas cada vez mais frequentes que destroem edificações à beira-mar e alcançam outras áreas do município fluminense mais próximas das praias. Ironicamente, em julho, em um desses episódios, a força das ondas derrubou uma obra pública idealizada justamente para proteger a área litorânea. Em setembro, outra ressaca destruiu o quebra-mar e fechou o canal de Itaipuaçu, impedindo a circulação de barcos de pesca artesanal. Nesse contexto de turbulências, o movimento ambientalista local, apoiado pela comunidade científica, se opõe na Justiça à instalação do Terminal Ponta Negra (TPN), projeto portuário da DTA Engenharia. 

Movido conjuntamente pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) e pelo Ministério Público Federal (MPF), por força dessa articulação social, o processo judicial aguarda por decisão na Justiça Federal, desde meados de setembro. Para pesquisadores atuantes em Maricá, consultados pelo #Colabora, em cenários de agravamento da crise climática, esse tipo de empreendimento pode potencializar problemas ambientais locais e até em áreas adjacentes ao município, caso a decisão judicial seja favorável ao andamento do licenciamento ambiental da infraestrutura portuária

O trâmite do licenciamento, iniciado em 2012, no Instituto Estadual do Ambiente (Inea), está paralisado desde 2015 devido aos desdobramentos da ação civil pública em curso. Controvérsias sobre o empreendimento são apresentadas no documentário Bechrock em chamas produzido pelo MPRJ e disponível no Youtube. O empreendimento portuário também é listado no Mapa de Conflitos, Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) por riscos à sociobiodiversidade. 

As estruturas urbanas rígidas, construídas junto ou próximo ao limite interno da praia, são afetadas e comumente destruídas. Isso ocorre historicamente em Maricá. Muitos são os registros de danos causados por eventos de ressacas no litoral

Considerando a relevância do patrimônio socioambiental e geológico local, especialistas opinam que deveriam ser incentivadas pela municipalidade vocações naturais de Maricá que envolvem, desde as práticas de surf e de ecoturismo, aos estudos científicos de várias áreas do conhecimento que têm trazido respostas para orientar tomadas de decisão da gestão pública e da iniciativa privada. 

Máquinas da prefeitura em ação para reabrir canal fechado pelas ondas: ressacas cada vez mais frequentes em Maricá em cenário de crise climática (Foto: Marcos Fabrício / Prefeitura de Maricá - 02/07/2019)
Máquinas da prefeitura em ação para reabrir canal fechado pelas ondas: ressacas cada vez mais frequentes em Maricá em cenário de crise climática (Foto: Marcos Fabrício / Prefeitura de Maricá – 02/07/2019)

Atuante no litoral de Maricá, nos últimos 18 anos, André Luiz Carvalho da Silva, professor do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explica que a elevada dinâmica do litoral de Maricá tem sido apontada em resultados de inúmeros estudos realizados nas praias do município. “É comum, nos momentos de maior energia, associados à passagem ocasional de frentes frias, as ondas de tempestade incidirem sobre essas praias, podendo promover a redução da largura da faixa de areia e, esporadicamente, alcançar as áreas mais internas deste ambiente, incluindo as áreas de restinga e construções em geral”, observa o pesquisador.

Tais características têm motivado os alertas dos cientistas que, como ele, se dedicam aos estudos das dinâmicas litorâneas locais e regionais. “Isso significa que as estruturas urbanas rígidas, construídas junto ou próximo ao limite interno da praia, são afetadas e comumente destruídas. Isso ocorre historicamente em Maricá. Muitos são os registros de danos causados por eventos de ressacas no litoral”, observa. Mas para além das repercussões na localidade, ele acrescenta que áreas adjacentes ao município também enfrentam efeitos semelhantes. O pesquisador exemplifica o caso da praia de Piratininga, em Niterói, onde vêm ocorrendo problemas como a destruição do calçadão há décadas. 

anos causados por ressaca na praia de Itaipuaçu, em Maricá, em 1993: fenômeno cada vez mais frequente no litoral do município (Foto: Maria Augusta Martins)
Danos causados por ressaca na praia de Itaipuaçu, em Maricá, em 1993: fenômeno cada vez mais frequente no litoral do município (Foto: Maria Augusta Martins)

Manter preservadas as áreas de restinga é crucial à proteção litorânea

Para que se possa evitar problemas futuros envolvendo as ressacas do litoral de Maricá, o professor André Luiz Carvalho da Silva orienta que é preciso “manter a restinga preservada com todos os seus elementos ambientais, incluindo a vegetação”. Esse ambiente natural que vem sendo amplamente impactado pelo processo de urbanização da cidade tem inúmeras funções ecológicas, dentre as quais, a conservação de espécies únicas presentes na localidade e a proteção costeira. “A praia e o restante da restinga funcionam como amortecimento dessas grandes ondas de tempestade, que no litoral de Maricá podem alcançar quatro metros de altura”. 

Diante de uma série de fotografias compartilhada com a reportagem do #Colabora, contendo registros de ressacas ocorridos em Maricá, entre 1993 e 2019, cujos danos têm sido causados às construções inseridas muito próximas ou até mesmo dentro da faixa dinâmica das praias, o professor explica que essas ocorrências são pedagógicas. Elas ilustram que intervenções urbanísticas no município devem considerar esse fenômeno, cada vez mais frequente. Diante desse cenário, a desvalorização das áreas de restinga no contexto local de urbanização crescente preocupa o pesquisador.

Do ponto de vista da dinâmica costeira, as ondas locais mostram a inadequação. Em momentos de frente fria, com ressacas assolando a costa, as ondas podem alcançar cinco metros, portanto, não entendemos como adequada esta localização do porto

Ele acrescenta que o panorama é ainda mais preocupante quando consideradas as previsões do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) de elevação do nível do mar e aumento no número de tempestades, neste século, como partes da complexidade que envolve o desequilíbrio climático global. Em seu mais recente relatório, repercutido pelo #Colabora, os cientistas não somente reafirmaram como quantificaram a contribuição das atividades humanas a esse processo que tem fortes vínculos com os modelos de produção e consumo da sociedade pós-Revolução Industrial. 

Seguindo a mesma linha de raciocínio, se destacam as ponderações da professora Kátia Leite Mansur e do professor Renato Rodriguez Cabral Ramos, ambos geólogos vinculados à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e também dedicados a estudos no litoral de Maricá já destacados em reportagem do #Colabora. “Entendemos que a dinâmica costeira da região apresenta uma característica que muitas vezes é desconsiderada, apesar de ser clara para todos. Temos uma costa com ondas muito altas”, observa a pesquisadora. Ela recorda que, não por acaso, a vizinha Saquarema é palco de campeonatos de surf de importância internacional e que assim como Jaconé é muito frequentada pelos surfistas, “especialmente durante os episódios de frente fria”.

Construções afetadas pela ressaca em Itaipuaçu, Maricá, em 2004: pesquisadores alertam para necessidade de gerenciamento costeiro e análises das mudanças climáticas para liberação de empreendimentos como o do porto (Foto: André Luiz Carvalho da Silva / 2004)
Construções afetadas pela ressaca em Itaipuaçu, Maricá, em 2004: pesquisadores alertam para necessidade de gerenciamento costeiro e análises das mudanças climáticas para liberação de empreendimentos como o do porto (Foto: André Luiz Carvalho da Silva / 2004)

Os professores da UFRJ também ressaltam que é preciso aprender com a observação de episódios de invasão das áreas urbanas pelo mar e com os danos causados nessas ocorrências. Além disso, apontam a necessidade de se considerar os resultados de estudos científicos sobre essa problemática no processo de urbanização. Segundo exemplificam, o trabalho Dinâmica sazonal do arco praial de Jaconé-Saquarema (RJ) entre os anos de 2012 e 2016, apresentado em evento nacional da área de Geografia, em 2017, discute justamente a dinâmica litorânea complexa dessa região fluminense.

Diante desse panorama, Mansur e Ramos reiteram que todos os projetos, especialmente os localizados em áreas costeiras, devem incluir no rol de orientações científicas, os relatórios do IPCC que sinalizam para possíveis cenários de variação do nível do mar e seus impactos nessas áreas. Para ambos, isso não se trata de assunto para o futuro e exige planejamento agora.

Estudos regionalizados já sinalizaram para a vulnerabilidade do litoral de Maricá, como o trabalho de pesquisa orientado pelo professor Fábio Ferreira Dias, da Universidade Federal Fluminense (UFF), cujos resultados foram transformados em artigo publicado em revista científica internacional, em 2017.

Para o pesquisador Paulo Hargreaves, doutorado em engenharia oceânica,faltam princípios básicos de oceanografia e engenharia costeira” no processo de urbanização de Maricá, onde problemas e falhas de projetos locais resultam em perdas ambientais e desperdício de recursos públicos. 

Com o intuito de orientar tomadas de decisão da gestão pública e fornecer subsídios técnicos e científicos para ações do Ministério Público, Hargreaves participou da elaboração do “Plano de Gerenciamento Costeiro do Estado do Rio de Janeiro”, no âmbito da Coppe-UFRJ, no qual é apresentado um contexto problemático da falta de gerenciamento costeiro integrado ao processo de urbanização em vários municípios, dentre os quais, Maricá. O projeto, também elenca soluções possíveis para o enfrentamento do que considera “questões crônicas e emergentes”, a partir de orientações científicas construídas com base em décadas de estudos e análises no litoral brasileiro. 

Sobre o TPN, o documento elaborado destaca, entre outras demandas, a necessidade de se incluir no projeto, estudos envolvendo “zonas de impacto nas praias e restingas adjacentes, dados consistentes sobre efeito de cada molhe e píer nas correntes, marés, ondas e foco no transporte litorâneo de areia e sedimentos no fundo e nas orlas de restinga adjacentes”. 

As rochas de Jaconé têm valor histórico para a ciência pois foram descritas por Charles Darwin, em 1832. Foto Kátia Leite Mansur/UFRJ
Beachrocks de Jaconé, descritas por Charles Darwin, em 1832, e com valor histórico para a ciência: patrimônio ameaçado por projeto portuário (Foto: Kátia Leite Mansur/UFRJ)

Beachrocks  e a evolução de dinâmicas litorâneas

Dentre os principais motivos da batalha judicial envolvendo o projeto de infraestrutura portuária se destacam as denominadas beachrocks (rochas de praia, em inglês), que se estendem da praia de Jaconé, escolhida para localização do empreendimento, ao litoral da vizinha Saquarema. Essas estruturas geológicas que foram descritas pelo naturalista inglês, Charles Darwin, na sua passagem pela região, em 1832, em expedição científica histórica que incluiu a costa brasileira, têm sido objetos de interesse de inúmeras pesquisas. 

Sempre enfatizamos que os beachrocks de Darwin, a despeito de constituírem o aspecto mais simbólico da luta contra a implantação desse megaempreendimento predatório, não são mais nem menos importantes do que outras esferas que serão dramaticamente impactadas, tais como a fauna, a flora, as águas marinhas e subterrâneas, o ar e, especialmente, a população local

Estudiosos dessas estruturas que podem trazer inúmeras respostas sobre a evolução das dinâmicas litorâneas dessa região fluminense, Kátia Mansur e Renato Ramos, da UFRJ, adiantam que estão estudando rochas sedimentares que ocorrem na praia de Jaconé. Os pesquisadores contam que encaminharam amostras para datação e aguardam os resultados de laboratório especializado que devem ser concluídos em dezembro. “Já publicamos alguns dados sobre elas, inclusive que são arenitos com alto teor de matéria orgânica e que devem indicar uma possível área pantanosa existente onde hoje é a praia”, relata a pesquisadora. 

“A datação dirá quando houve esta situação de recuo do nível relativo do mar a ponto de termos uma área brejosa, talvez uma laguna, naquela área da praia. Isto é importante porque mostra que Jaconé possui ainda muitas outras informações valiosas sobre mudanças climáticas e variação do nível do mar a serem estudadas”, ressalta Renato Ramos. 

Os pesquisadores desenvolvem um projeto financiado pelo CNPq denominado “Análise do passado para pensar o futuro: as variações do nível relativo do mar no território do Geoparque Costões e Lagunas do RJ” onde têm estudado sítios como os dos beachrocks e outros indicadores regionais. “Para a Unesco, este é um dos pontos focais a serem levantados pelos geoparques. No nosso caso, somos um projeto de geoparque ainda. Mas, seguir as recomendações do Programa Internacional de Geociências e Geoparques da Unesco e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, é parte das nossas atividades e prioridades”, afirma Kátia Mansur.

Além de mencionarem dois artigos que descreveram detalhadamente as estruturas rochosas estudadas, Beachrock de Jaconé, RJ Uma pedra no caminho de Darwin e Beachrock de Jaconé, Maricá e Saquarema – RJ: importância para a história da ciência e para o conhecimento geológico, dos quais participaram como autores, os pesquisadores destacaram o resultado de um levantamento de produção científica, concluído em 2018, que ilustra o grande interesse sobre essas estruturas geológicas de pelo menos 8 mil anos. O estudo bibliométrico indicou 35 trabalhos, dentre artigos, teses e outras publicações sobre esse enfoque. 

Danos na praia de Ponta Negra, Maricá, perto do empreendimento portuário, após ressaca em 2016: pesquisadores temem impacto da obra em litoral vulnerável (Foto: André Luiz Carvalho da Silva - 2016)
Danos na praia de Ponta Negra, Maricá, perto do empreendimento portuário, após ressaca em 2016: pesquisadores temem impacto da obra em litoral vulnerável (Foto: André Luiz Carvalho da Silva – 2016)

Ambientalistas e cientistas apontam riscos

À empresa responsável pelo projeto de infraestrutura portuária e aos gestores públicos municipais, o professor André Luiz Carvalho da Silva, da UERJ, apresenta alguns argumentos contrários à proposta. “Sendo o litoral de Maricá um dos mais dinâmicos da costa sudeste brasileira e que já evidencia um histórico de problemas causados por grandes ressacas, não recomendo intervenções que causem interferência no comportamento do mesmo e na capacidade que a praia, juntamente com a restinga, possuem em absorver ou atenuar o alto impacto das grandes ondas de tempestades”. 

O professor ressalta que “os estudos visando à implantação desse porto ou de qualquer empreendimento de grande porte, devem considerar as variáveis envolvidas no comportamento do litoral numa escala temporal de algumas décadas”. Além dos aspectos mencionados anteriormente, que podem causar um aumento tanto na quantidade como na frequência de tempestades de maior intensidade, o pesquisador destaca, também, “a importância dessa área, que possui uma rica biodiversidade e geodiversidade”. E, para além dos efeitos da área do empreendimento, ele alerta que devem ser considerados “os eventuais impactos nas áreas adjacentes, tendo em vista que uma intervenção local pode acarretar problemas como erosão e poluição em outras localidades.” 

Kátia Mansur e Renato Ramos também consideram que o litoral de Maricá não tem vocação nem condições práticas para a instalação de uma estrutura portuária. “A vocação da área é turística”, ressalta a pesquisadora. Ela menciona como exemplo de grande interesse turístico a praia da Sacristia, onde tartarugas marinhas nasceram recentemente, ocorrência de grande repercussão nas redes sociais. “Isto não é relevante? E os pescadores, não poderão trafegar pelas imediações do porto, correto?”, questiona ela. Para ambos estudiosos, toda a beleza e relevância socioambiental, assim como o potencial turístico local, estão ameaçados, tendo em vista a localização desejada para a implementação do empreendimento. 

Eles acabaram retirando um molhe que, em princípio, protegeria a área do porto em si, mais especificamente no extremo leste do empreendimento. E é exatamente do leste que vêm as maiores ressacas e ondas. Com o advento de eventos extremos ocorrendo mais amiúde, aquele porto não passaria das primeiras ressacas, talvez nem mesmo da primeira

Ambos destacam que em diversos locais do mundo por onde Charles Darwin passou em sua expedição científica, os sítios descritos pelo cientista são valorizados e constituem atrações turísticas concorridas. No entanto, lamentam que o potencial turístico dos beachrocks não venha sendo considerado em Maricá, nem mesmo com o município tendo sido incluído na Rota de Charles Darwin (entre Rio e Cabo Frio), em projeto aprovado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), em 2020. 

“Do ponto de vista da dinâmica costeira, as ondas locais mostram a inadequação. Em momentos de frente fria, com ressacas assolando a costa, as ondas podem alcançar cinco metros, portanto, não entendemos como adequada esta localização do porto”, observa Ramos. “Inclusive, o trabalho que comentamos aponta que a área onde está prevista a construção é aquela em que há maior erosão no arco praial, sendo que as mais protegidas são as onde ocorrem os beachrocks”, acrescenta o pesquisador. 

Outros questionamentos de Mansur e Ramos envolvem o alto custo socioambiental de implementação desse tipo de empreendimento que, para ambos, não compensa, considerando que não há definições de que tipo de produto seria transportado a partir dessa instalação portuária. “Não tem petróleo para o Comperj e o gás já passou pelo gasoduto Rota 3. O que seria transportado?”, indaga a pesquisadora. 

Por outro lado, ambos ressaltam ainda que a promessa de geração de milhares empregos não parece convincente, tendo em vista que, em apresentação pública do projeto na Alerj, uma publicação distribuída pela empresa de engenharia mencionava menos de 400 empregos diretos gerados. Para os pesquisadores, ao que tudo indica, o alto custo ambiental e social não compensa economicamente o empreendimento para a localidade que, na opinião deles, também seria afetada negativamente por fatores como aumento da violência.

“Sempre enfatizamos que os beachrocks de Darwin, a despeito de constituírem o aspecto mais simbólico da luta contra a implantação desse megaempreendimento predatório, não são mais nem menos importantes do que outras esferas que serão dramaticamente impactadas, tais como a fauna, a flora, as águas marinhas e subterrâneas, o ar e, especialmente, a população local”, observa Mansur. 

Residência destruída pelas ondas na praia do Cordeirinho: para ambientalista, terminal portuário poderia não suportar ressacas cada vez mais frequentes na região (Foto: Prefeitura de Maricá / 14/08/2019)
Residência destruída pelas ondas na praia do Cordeirinho: para ambientalista, terminal portuário poderia não suportar ressacas cada vez mais frequentes na região (Foto: Prefeitura de Maricá / 14/08/2019)

Ambientalista de longa trajetória, a presidente da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma), Flávia Lanari Coelho, reforça os argumentos dos pesquisadores dedicados a estudos no litoral de Maricá e região, além de questionar se existe uma real demanda por infraestrutura portuária em um município que pode investir em outras vocações naturais. “O estado do Rio de Janeiro já tem vários portos, desde a Costa Verde (Itaguaí, Sepetiba) até o Norte (Açu, Terpor Macaé), passando pela Baía de Guanabara e seus portos no Rio e em Niterói, sem que haja a necessidade de mais um, ainda mais em mar aberto”, observa a opositora do projeto que tem buscado impedir a sua implementação no Judiciário. 

A presidente da Apalma também ressalta que “toda a costa de Maricá tem uma dinâmica de carreamento de areia que supre o litoral desde Itaipuaçu até pelo menos Arraial”, havendo riscos de alteração nesse processo natural pela infraestrutura portuária. 

A ambientalista informa que o projeto do TPN já passou por uma diminuição da área que se pretendia ocupar originalmente, mas argumenta que essa mudança também tem repercussões negativas. “Eles acabaram retirando um molhe que, em princípio, protegeria a área do porto em si, mais especificamente no extremo leste do empreendimento. E é exatamente do leste que vêm as maiores ressacas e ondas, até porque a oeste aquele local é protegido pelo promontório de Ponta Negra”, explica. “Com o advento de eventos extremos ocorrendo mais amiúde, aquele porto não passaria das primeiras ressacas, talvez nem mesmo da primeira”, alerta. 

Diante de todos os argumentos científicos disponíveis para os tomadores de decisão, Lanari também considera um equívoco prosseguir com a ideia de implementação do projeto portuário que, dentre tantos outros impactos negativos, seria danoso “à integridade do sistema lagunar de Maricá, que tem sua principal ligação com o mar logo ali ao lado, sendo separado do local do TPN apenas pelo promontório de Ponta Negra”. A ambientalista acrescenta que outros problemas possíveis relacionados a um empreendimento desse tipo poderiam envolver desde a ocorrência de acidentes à dispersão de resíduos oriundos de limpezas de banheiros e salão de cargas. 

“Ao final, somando tudo, é muito risco para um empreendimento que criará poucas vagas entre as fases de instalação e de operação e que não trará maiores benefícios à região, principalmente, quando nos lembramos que Maricá recebe uma fortuna de royalties. Em 2020 foram mais de R$ 1 bilhão”, conclui.  

A reportagem do #Colabora entrou em contato com a empresa DTA Engenharia para a qual foram apresentados os principais questionamentos do movimento ambientalista e da comunidade científica. Mas, até o fechamento da reportagem, não houve retorno. O mesmo ocorreu com a Prefeitura de Maricá que foi procurada e não respondeu à demanda.

 

Elizabeth Oliveira

Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.

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