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Quem discute o racismo ambiental?

Não é mera coincidência que doenças e mortes decorrentes do aumento da poluição sejam maiores para as comunidades negras, especialmente as de países mais profundamente desfavorecidos economicamente

ODS 13ODS 15 • Publicada em 11 de novembro de 2022 - 02:36 • Atualizada em 21 de novembro de 2022 - 09:46

Tomei contato com a pauta do racismo ambiental em meados de 2010,  tempo longínquo do curso de Agronomia, quando eu fazia parte dos grupos mais progressistas de uma faculdade onde quase toda a ementa se preocupava muito pouco ou quase nada com questões ambientais. Toda vez que alguém falava dos impactos da monocultura de eucalipto, vendido como solução dos problemas econômicos da Região Sul do país, me pegava pensando em como seriam afetadas as comunidades quilombolas e como coincidentemente eram justamente nestes lugares onde mais avançava o cultivo. Não conseguia ainda compreender por que aquelas regiões eram mais exploradas para o plantio mas tinha minhas desconfianças – que foram confirmadas quando consegui nomear o problema.

Leu essa? Dimensão racial da crise climática

O conceito de racismo ambiental foi cunhado na década de 1980 por Benjamin Chavis. Mas a história do termo é anterior a sua conceituação, uma vez que é possível observar que já nas lutas por direitos civis a população negra estadunidense denunciava os impactos do aumento das poluições para suas comunidades.

Para Chavis, racismo ambiental é a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, aplicação de regulamentos e leis, direcionamento deliberado de comunidades negras para instalações de resíduos tóxicos e exclusão de pessoas negras da liderança dos movimentos ecológicos. Refere-se à qualquer política, prática ou diretiva que afete ou gere desvantagens intencionais ou não a indivíduos, grupos ou comunidades com base em raça ou cor.

O racismo ambiental não é outra forma de nomear o racismo, na verdade se trata de uma consequência central da estrutura racista. Nesse sentido, não é possível desestruturar o racismo sem pensar seriamente nas questões ambientais e seus impactos na vida da população negra por toda a diáspora. Não é mera coincidência que doenças e mortes provocadas pelo aumento da poluição sejam maiores para as comunidades negras, especialmente aquelas de países mais profundamente desfavorecidos economicamente. Somos mais impactados pela poluição para que os brancos ricos não sejam.

Em grandes centros urbanos a falta de acesso a informações que auxiliam na construção de estratégias de diminuição do impacto da poluição, bem como a ausência de políticas públicas de saneamento adequadas associada ao acesso precário em saúde, potencializa mortes e doenças decorrentes da intensa poluição. No contexto estadunidense, por exemplo, as políticas desenvolvidas para aprimorar a qualidade do ar produziram resultados consideráveis que melhoraram a vida em regiões de maioria branca. Tais medidas foram permeadas por atravessamentos racistas que intencionalmente posicionam indústrias poluidoras em locais de maioria negra.

Lama da Vale que devastou Mariana atingiu comunidades de populaçao majoritariamente negra
Lama da Vale que devastou Mariana atingiu comunidades de populaçao majoritariamente negra. Foto Christophe Simon/AFP

Não é realidade exclusiva dos EUA. Para utilizar exemplo brasileiro podemos rememorar o desastre de Mariana, ocorrido em 2015. Antes mesmo de ter dados científicos sobre os desdobramentos daquele crime, era perceptível que a maioria das pessoas atingidas era negra. Ou seja, os impactos ambientais são distribuídos de forma desigual, prejudicando potencialmente a população negra. Logo, são pouco eficazes políticas e debates sobre crise climática se continuam a se reproduzir as dinâmicas de desigualdades que sustentam o racismo, expondo ao risco pessoas negras e indígenas especialmente a partir da exploração predatória dos recursos naturais.

Não podemos nos iludir com o brilho dos investimentos financeiros estrangeiros que acabam, frequentemente, direcionando as agendas de lutas das organizações dos movimentos sociais. Não podemos recuar na radicalidade da insurgência dos povos tradicionais que há muito têm se responsabilizado pela preservação do  meio ambiente e da vida, mas que frequentemente são invisibilizados dos eventos patrocinados por grandes poluidoras que buscam compromisso ambiental de fachada, apenas para a garantia da manutenção de suas operações.

Não é possível debater os impactos da racismo ambiental sem considerar a resistência das populações originárias, dos ribeirinhos, das marisqueiras, dos povos de terreiro e de outras comunidades tradicionais historicamente vitimas dos avanços predatórios do capitalismo. As vozes-raízes não devem ser silenciadas, porque uma vez que o sejam, estamos nós mesmos repetindo as lógicas predatórias que em tese combatemos.

Se são os povos originários, as pessoas negras e as comunidades tradicionais os mais desproporcionalmente atingidos pelos impactos da crise climática, devem ser eles ouvidos e consultados nas políticas que revertam este quadro. Se são os territórios periféricos e longínquos ainda os locais escolhidos para instalação de aterros sanitários, devem ser essas as pessoas atendidas pelos recursos financeiros internacionais que buscam auxiliar na ampliação dos debates sobre a importância da salvaguarda da natureza.

As estratégias de justiça ambiental não podem esquecer que essas pessoas são sujeitos que possuem conhecimentos de resistência e potencias criativas relevantes para solucionar crises. O histórico tratamento injusto destinado às populações não brancas, que também se manifesta quando se fala de crise climática, jamais será catalisador de ações eficazes que revertam a degradação ambiental.

Nesse momento o Brasil tem uma delegação de autoridades importantes participando da COP 27. Se por um lado é bastante animador que entre estas pessoas estejam representantes das comunidades quilombolas, dos movimentos de periferia e da população indígena, também é essencial observar questões que nem sempre estão visíveis em eventos como este.

Há, no mínimo, de se manter um olhar de desconfiança quando uma reunião que se propõe a discutir soluções para a crise climática tem entre seus principais patrocinadores uma empresa que é diretamente responsável por essa crise. Afinal de contas… não existe almoço grátis.

Por fim, resta perguntar: o que as grandes multinacionais dizem sobre a preservação tem o mesmo peso, nas definições das políticas, do que o repetido por aqueles que historicamente preservam o ambiente? Fica o questionamento.

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