Quatro indicadores de crise climática batem recordes em 2021

Derretimento de icebergs na Groenlândia com aquecimento dos oceanos: indicadores de crise climática quebram recordes em 2021 (Foto: Mario Tama / AFP – 07/09/2021)

Relatório da Organização Meteorológica Mundial aponta novos patamares nas concentrações de gases de efeito estufa, aumento do nível do mar, calor e acidificação dos oceanos

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 18 de maio de 2022 - 15:03 • Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:42

Derretimento de icebergs na Groenlândia com aquecimento dos oceanos: indicadores de crise climática quebram recordes em 2021 (Foto: Mario Tama / AFP – 07/09/2021)

Quatro indicadores-chave de mudança climática – concentrações de gases de efeito estufa, aumento do nível do mar, calor e acidificação dos oceanos – estabeleceram novos recordes em 2021. “Este é mais um sinal claro de que as atividades humanas estão causando mudanças em escala planetária na terra, no oceano e na atmosfera, com consequências prejudiciais e duradouras para o desenvolvimento sustentável e os ecossistemas”, alerta relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgado nesta quarta (18/05.

Além de destacar a ameaça apontada pelos indicadores, o relatório Estado do Clima Global 2021 alerta que as condições climáticas extremas levaram a centenas de bilhões de dólares em perdas econômicas, tiveram um alto custo em vidas humanas e bem-estar e desencadearam choques na segurança alimentar e hídrica e deslocamentos que acentuado em 2022. “Perdas e danos de mais de US$ 100 bilhões, além de graves impactos na segurança alimentar e em aspectos humanitários devido a eventos climáticos foram relatados”, afirma o o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, na apresentação do documento.

O relatório da OMM confirmou que os últimos sete anos foram os sete anos mais quentes já registrados: 2021 foi “apenas” um dos sete mais quentes por causa de um evento La Niña no início e no final do ano. Isso teve um efeito de resfriamento temporário, mas não reverteu a tendência geral de aumento das temperaturas. A temperatura média global em 2021 foi cerca de 1,11 (± 0,13) °C acima do nível pré-industrial.

Ainda assim a crise climática mostrou suas garras. As concentrações de gases de efeito estufa atingiram uma nova alta global em 2020, quando a concentração de dióxido de carbono (CO2) atingiu 413,2 partes por milhão (ppm) globalmente, ou 149% do nível pré-industrial. O calor do oceano também foi recorde. A profundidade superior de 2000 metros do oceano continuou a aquecer em 2021 e espera-se que continue a aquecer no futuro – uma mudança que é irreversível em escalas de tempo centenárias a milenares. Todos os conjuntos de dados concordam que as taxas de aquecimento dos oceanos mostram um aumento particularmente forte nas últimas duas décadas. O calor, alerta a OMM, está “penetrando em níveis cada vez mais profundos”. Grande parte do oceano experimentou pelo menos uma onda de calor marinha “forte” em algum momento de 2021.

O oceano absorve cerca de 23% das emissões anuais de CO 2 antropogênico para a atmosfera. Isso reage com a água do mar e leva à acidificação dos oceanos, que ameaça organismos e serviços ecossistêmicos e, portanto, a segurança alimentar, o turismo e a proteção costeira. À medida que o pH do oceano diminui, sua capacidade de absorver CO 2 da atmosfera também diminui. O IPCC concluiu que “há uma confiança muito alta de que o pH da superfície do oceano aberto é agora o mais baixo em pelo menos 26.000 anos e as taxas atuais de mudança de pH são sem precedentes desde pelo menos essa época”.

O nível médio global do mar também atingiu um novo recorde em 2021, depois de aumentar em média 4,5 mm por ano no período de 2013 a 2021. “Isso é mais que o dobro da taxa entre 1993 e 2002 e deve-se principalmente à perda acelerada de massa de gelo das camadas de gelo. Isso tem grandes implicações para centenas de milhões de habitantes costeiros e aumenta a vulnerabilidade aos ciclones tropicais”, aponta o relatório.

Refugiados da seca esperam por água na Somália: estiagem extrema cresce com crise climática (Foto: Yasuyoshi Chiba / AFP - 13/02/2022)
Refugiados da seca esperam por água na Somália: estiagem extrema cresce com crise climática (Foto: Yasuyoshi Chiba / AFP – 13/02/2022)

Clima extremo: recordes ameaçadores

O relatório da OMM destaca ainda os impactos dos eventos climáticos extremos. Ondas de calor excepcionais bateram recordes no oeste da América do Norte e no Mediterrâneo. Death Valley, Califórnia, atingiu 54,4° Celsius em 9 de julho, igualando valor semelhante em 2020 como o mais alto registrado no mundo desde, pelo menos, a década de 1930; Siracusa, na Sicília, atingiu 48,8°C. A província canadense da British Columbia atingiu 49,6°C em 29 de junho: “isso contribuiu para mais de 500 mortes relacionadas ao calor e provocou incêndios florestais devastadores que, por sua vez, pioraram os impactos das inundações em novembro”, aponta a OMM.

As inundações, por outro lado, provocaram perdas econômicas de US$ 17,7 bilhões na província de Henan, na China, e a Europa Ocidental experimentou algumas de suas inundações mais graves já registradas em meados de julho, associadas a perdas econômicas na Alemanha superiores a US$ 20 bilhões. Houve grande perda de vidas – mais de 200 mortos no continente europeu.

A seca afetou muitas partes do mundo, incluindo o Chifre da África, Canadá, oeste dos Estados Unidos, Irã, Afeganistão, Paquistão e Turquia. Na América do Sul subtropical (Brasil, inclusive), a seca causou grandes perdas agrícolas e interrompeu a produção de energia e o transporte fluvial. A seca no Chifre da África se intensificou até agora em 2022 . A África Oriental está enfrentando a perspectiva muito real de que as chuvas vão falhar pela quarta temporada consecutiva, “colocando a Etiópia, o Quênia e os Somalis em uma seca de duração não experimentada nos últimos 40 anos”, de acordo com a OMM, acrescentando que as agências humanitárias estão alertando para impactos devastadores sobre as pessoas e os meios de subsistência da região.

Estrada submersa no oeste da Alemanha: especialistas analisam enchentes provocadas por chuvas "extraordinárias" no verão europeu (Foto: Sebatien Bozon / AFP - 17/07/2021)
Estrada submersa no oeste da Alemanha: especialistas analisam enchentes provocadas por chuvas “extraordinárias” no verão europeu e sua ligação com a crise climática (Foto: Sebatien Bozon / AFP – 17/07/2021)

O relatório da OMM destaca outros impactos. “Os efeitos combinados de conflitos, eventos climáticos extremos e choques econômicos, ainda mais exacerbados pela pandemia do covid-19, minaram décadas de progresso no sentido de melhorar a segurança alimentar globalmente. O agravamento das crises humanitárias em 2021 também levou a um número crescente de países em risco de fome”, alerta o documento. Do número total de pessoas subnutridas em 2020, mais da metade vive na Ásia (418 milhões) e um terço na África (282 milhões).

Os riscos hidrometeorológicos continuaram a contribuir para deslocamentos internos, obrigando milhões a deixarem suas casas por conta do clima. De acordo com a OMM, os países com o maior número de deslocamentos registrados até outubro de 2021 foram China (mais de 1,4 milhão), Filipinas (mais de 386.000) e Vietnã (mais de 664.000).

O relatório alerta ainda que ecossistemas estão se degradando a uma taxa sem precedentes. “Os ecossistemas de montanha – as torres de água do mundo – são profundamente afetados pelas mudanças climáticas. O aumento das temperaturas aumenta o risco de perda irreversível de ecossistemas marinhos e costeiros, incluindo prados de ervas marinhas e florestas de algas. Os recifes de coral são especialmente vulneráveis ​​à crise do clima. Entre 205 e 90% das atuais zonas úmidas costeiras correm o risco de serem perdidas até o final deste século, dependendo da rapidez com que o nível do mar sobe. Isso comprometerá ainda mais o fornecimento de alimentos, o turismo e a proteção costeira”, afirmam os autores do Estado do Clima Global 2021: Dezenas de especialistas contribuem para o relatório.

Em uma mensagem de vídeo para o lançamento do relatório o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, criticou “a ladainha sombria do fracasso da humanidade em lidar com as perturbações climáticas”, e pediu ações urgentes para impulsionar a transição para as energias renováveis: maior acesso à tecnologia e a suprimentos de energia renovável, triplicação dos investimentos privados e públicos em energias renováveis ​​e fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, que chegam a cerca de US$ 11 milhões por minuto. “As energias renováveis ​​são o único caminho para a segurança energética real, preços de energia estáveis ​​e oportunidades de emprego sustentáveis. Se agirmos juntos, a transformação das energias renováveis ​​pode ser o projeto de paz do século 21”, disse Guterres.

Os recordes registrados pelo relatório foram tema também do secretário-geral da OMM. “É apenas uma questão de tempo antes de vermos outro ano mais quente já registrado. Nosso clima está mudando diante de nossos olhos. O calor retido pelos gases de efeito estufa induzidos pelo homem aquecerá o planeta por muitas gerações. A elevação do nível do mar, o calor dos oceanos e a acidificação continuarão por centenas de anos, a menos que sejam inventados meios para remover o carbono da atmosfera”, disse Petteri Taalas.

O relatório Estado do Clima Global da OMM complementa o relatório da Sexta Avaliação do IPCC, que inclui dados até 2019. O novo relatório da OMM fornece informações e exemplos práticos para os formuladores de políticas sobre como os indicadores de mudanças climáticas descritos no os relatórios do IPCC divulgados globalmente nos últimos anos e como as implicações associadas aos extremos foram sentidas em nível nacional e regional em 2021. O documento da OMM será usado como documento oficial para Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP27, que ocorrerá no Egito no fim deste ano.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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