ODS 1
Não vai ter COP no Chile
Protestos nas ruas levam presidente chileno a cancelar evento da ONU, depois de tentar, sem sucesso, arrefecer os ânimos dos manifestantes
Não vai ter COP 25, pelo menos no Chile. Depois de tentativas frustradas de arrefecer os ânimos dos protestos nas ruas de Santiago, o presidente Sebastian Piñera anunciou hoje, pela manhã, o cancelamento da Convenção-Quadro sobre Mudança Climática da ONU (UNFCCC, na sigla em inglês). O país também não vai mais sediar a cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), que ocorreria em meados deste mês — no início da semana, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, já havia avisado que não iria ao encontro. Sobre o jogo do Flamengo contra o River Plate, marcado para 23 de novembro, ainda não se tem uma definição final. A decisão pegou de surpresa inclusive o secretariado das Nações Unidas. Pouco mais de um mês antes do início da Cúpula do Clima, marcada para começar no dia 2 de dezembro, seu desfecho já transformou a COP 25 num encontro micado. Prevista originalmente para ocorrer no Brasil, ela foi transferida para o Chile depois de o presidente Jair Bolsonaro rechaçar a ideia de sediar o evento no Brasil.
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Veja o que já enviamosAo lado do chanceler Teodoro Ribera e da ministra do Meio Ambiente, Carolina Schmidt, Piñera admitiu: “É uma decisão difícil, que nos causa muita dor”. E concluiu: “Lamentamos profundamente o que isso vai significar, mas como presidente dos chilenos tenho que priorizar os problemas e os interesses de todos os chilenos”. Observadores atentos do modus operandi das COPs acreditam que, possivelmente, o governo chileno já vinha sendo avisado sobre o temor de chefes de estados de comparecerem à conferência, dada que a pressão por mudanças socioeconômicas no país continuam com força total — países como os Estados Unidos, por exemplo, costumam ser extremamente cautelosos em situações como a do Chile e não costumam expor seu mandatário. Especula-se que Bonn, na Alemanha, onde funciona a sede da UNFCCC, poderia sediar a conferência. Quando? Ainda é cedo para saber. Outra seria adiar definitivamente a COP 25 e pular direto para a COP 26, que está definida para ocorrer em novembro de 2020 em Glascow, no Reino Unido.
Quando as primeiras máscaras de palhaço, a mesma usada pelo ator Joaquim Phoenix no filme Coringa, invadiram as ruas de Santiago, Piñera não entendeu o tamanho da encrenca que estava por transformar os protestos dos estudantes contra o aumento da passagem de metrô em uma convulsão social. É que não eram os 3,75% de reajuste que motivaram as manifestações. Assim como no Brasil, em 2013, quando as manifestações não ocorreram por conta de 20 centavos; no Chile, o movimento difuso que ocupou as ruas vinha sendo alimentado por uma insatisfação generalizada com o modelo econômico vigente.
O Chile, que durante anos surfou na onda de ser a economia liberal mais bem sucedida da América Latina, vinha sofrendo um processo de ruptura social invisível aos olhos do governo. Um levantamento da própria ONU mostrou que 0,1% dos chilenos mais ricos concentrava 19,5% da renda nacional, 1% detinha 33% das riquezas e os 5% do topo da pirâmide social, outros 51,5%. O clima de tensão era latente e o aumento no preço da passagem de metrô foi o estopim. Estopim esse que teve papel decisivo para o presidente Piñera cancelar a COP 25. É que o evento estava previsto para ocorrer num bairro distante, o que significava a total dependência dos convidados do metrô chileno, considerado um meio de transporte eficiente no país. As manifestações, acompanhadas de uma quebradeira, levaram o metrô a fechar suas portas — a previsão é que só voltem a funcionar dentro de seis meses. Cálculos preliminares dão conta de um prejuízo da ordem de 300 milhões de dólares.
[g1_quote author_name=”Sebastian Piñera” author_description=”Presidente do Chile” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]É uma decisão difícil, que nos causa muita dor. Lamentamos profundamente o que isso vai significar, mas como presidente dos chilenos tenho que priorizar os problemas e os interesses de todos os chilenos
[/g1_quote]Há semanas que o governo vinha sendo pressionado a cancelar a COP25. Com o agravamento da tensão social no Chile, a Costa Rica, considerada um dos países mais promissores na luta contra a mudança climática nas Américas, iniciou gestões para sediar o encontro. Seu papel na proteção da natureza e seu compromisso com políticas para combater as mudanças climáticas renderam ao país o prêmio de Campeões da Terra de 2019, o maior reconhecimento ambiental da ONU. A primeira a levantar a voz para tirar do Chile a COP 25 foi a senadora Ximena Rincon. Antes que a briga tomasse maiores proporções, o ministro do Meio Ambiente da Costa Rica, Carlos Rodriguez, colocou panos quentes e saiu em defesa do Chile.
Alegando que não fazia sentido discutir justiça climática se o governo, para reprimir os protestos, estava violando direitos humanos, o deputado francês Alex Corbière, da Francia Insumisa, ou esquerda radical, também vinha defendendo que seu país boicotasse a conferência. No começo desta semana, o movimento liderado por Greta Thunberg, o Fridays For Future, vinha liderando um abaixo-assinado para o cancelamento da COP 25. Nos bastidores, observadores atentos dos eventos da ONU, vinham alegando que a instituição costuma ter sua agenda própria e não costuma ceder às pressões. Fato. A Rio 92, por exemplo, ocorreu em meio ao início do processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. A COP 24, que ocorreu o ano passado na Polônia, também ocorreu num clima pesado. A grande preocupação na COP 25 era que a tradicional Marcha do Clima se transformasse num grande conflito nas ruas de Santiago, fazendo com que os militares, que voltaram às ruas pela primeira vez depois de o fim da ditadura de Augusto Pinochet, saíssem por aí descendo a borduna em todos e todas.
A agenda climática está sob riscos. Desde os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) vinha aumentando a pressão para que os países assumissem metas mais robustas para enfrentar a emergência climática. O Brasil, por sua vez, chegaria na conferência abrindo mão do seu protagonismo histórico nestas conferências. Até agora não se sabe quem é o negociador brasileiro e muito menos qual é a posição do governo para a COP 25 — se é que tem alguma proposta.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.