Na abertura da COP30, Lula pede mais investimentos em clima e menos em guerras

Presidente critica negacionistas e cita indígenas; entidades apontam que, com boa vontade do governo, 29 terras indígenas poderiam ser demarcadas durante a conferência do clima

Por ((o)) eco | ODS 13
Publicada em 10 de novembro de 2025 - 17:44  -  Atualizada em 10 de novembro de 2025 - 19:47
Tempo de leitura: 10 min

Lula discursa na abertura da COP30: pede mais investimentos no clima, elogia indígenas pela preservação e critica negacionistas (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

(Aldem Bourscheit*, de Belém, Pará) – No discurso de abertura da COP30 – a trigésima conferência de países ligados à Convenção do Clima das Nações Unidas –, na capital paraense, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva criticou os investimentos globais em guerras superiores aos destinados e necessários para conter a crise climática. “Se os homens que fazem guerra estivessem aqui iriam perceber que é muito mais barato colocar US$ 1 bilhão para acabar com o problema climático do que colocar US$ 2 trilhões para fazer guerra como fizeram no ano passado”, destacou Lula em seu discurso.

É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas. Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo

Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente do Brasil

Conforme entidades como o Sipri (sigla em Inglês do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo), os gastos militares globais somaram o recorde de US$ 2,7 trilhões ano passado – representando um aumento de 9,4% sobre o valor de 2023 – sobretudo por guerras como Rússia-Ucrânia e no Oriente Médio.

Enquanto isso, demandas financeiras para conter a crise climática global apontam que os investimentos precisam ser de US$ 1,3 trilhão anuais, até 2035. O mapa – não detalhado – para levantar a bolada inclui mais doações e financiamento de baixo custo, renegociações de dívidas e investimentos públicos e privados diretos.

 

Lula igualmente destacou compromissos adotados pelo Brasil e outros países na Cúpula de Líderes, antes da COP30, como inspiradores das negociações e decisões que ganharão forma nas duas semanas da Conferência, um momento decisivo para reforçar a ação global contra as mudanças climáticas.

Os acordos incluem temas como manejo integrado do fogo, direito à posse da terra por povos indígenas e tradicionais, quadruplicar a produção de combustíveis sustentáveis, criar uma coalizão sobre mercados de carbono, alinhar a ação climática ao combate à fome e à pobreza e agir contra o racismo ambiental.

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O presidente brasileiro também ressaltou que a desinformação é parte das causas que atrasam e limitam não só o financiamento, mas também medidas de adaptação climática e de transição energética para limitar o aquecimento global médio à 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. “É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas”, disse. “Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio e espalham o medo”.

Além disso, o presidente propôs a criação de um conselho global do clima, vinculado à Assembléia Geral das Nações Unidas, e pediu mais atenção à adaptação, a preparação aos impactos da crise nas cidades, no campo e até em áreas protegidas – comumente mais severos sobre pobres, mulheres e afrodescendentes.

“O impacto desproporcional da mudança do clima deve ser levado em conta na política de adaptação”, ressaltou. “A emergência climática expõe a crise de desigualdade. Mudar por escolha nos dá a chance de um futuro que não é ditado pela tragédia”.

Sobre isso, o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, analisou que países desenvolvidos, já com estrutura social e econômica consolidada, encaram a transição de forma diferente dos países em desenvolvimento, que ainda constroem “tudo ao mesmo tempo”.

“Mesmo com pobreza persistente, o Brasil possui centros de excelência como a Embrapa, líder mundial em agricultura tropical. Assim, progresso e desafios coexistem”, disse.

Secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), Simon Stiell reforçou ser necessário um forte avanço no financiamento e investimentos para uma transição energética mais justa, especialmente com energias renováveis.

“É a hora de focar em como fazer a transição de forma justa e alternada para acelerar a aplicação das renováveis e a duplicação da eficiência energética”, disse ele durante a cerimônia de abertura da COP30.

O secretário avaliou que cortar mais emissões depende de maior cooperação internacional, uma vez que os compromissos de redução, as NDCs (sigla em Inglês das Contribuições Nacionalmente Determinadas) dos países são insuficientes para manter o aquecimento médio em até 1,5oC.

Mesmo assim, Stiell defende que os países ajam já para identificar lacunas e desenhar inovações necessárias, pois seguir adiando ações ampliará efeitos dos desastres climáticos, com maiores custos econômicos, quebras na produção e na oferta de alimentos.

“Só discutir enquanto a fome se instala, forçando milhões a abandonar as suas terras natais, isso jamais será esquecido. Na medida em que os conflitos se espalham e os desastres climáticos dizimam a vida de milhões, enquanto já temos as soluções, isso jamais será perdoado”, afirmou.

De acordo com balanços das Nações Unidas, são esperadas cerca de 50 mil pessoas para a Conferência, até 21 de novembro, incluindo diplomatas, líderes, ativistas, cientistas, empresários e jornalistas.

O Secretário Executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), Simon Stiell, e o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, após a abertura da COP30: financiamento climático na agenda de negociações (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)
O Secretário Executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), Simon Stiell, e o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, após a abertura da COP30: financiamento climático na agenda de negociações (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)

Agenda de negociações

A agenda de negociações foi adotada logo na abertura da COP30, mas cinco temas foram mantidos em consultas aos países e podem entrar na lista até a quarta-feira (13), incluindo financiamento, medidas comerciais e transparência.

Ficou de fora da agenda inicial um balanço das NDCs, das quais são cobradas mais ambição para que as emissões caiam e a crise climática seja amenizada. Conforme Corrêa do Lago, o tema segue em debate. “Há um número considerável de nações que querem discutir o assunto”.

Ou seja, as NDCs não entraram na agenda formal, mas continuarão a ser debatidas em consultas informais conduzidas pela presidência da COP – um formato usado quando não há consenso entre as partes para inclusão direta no programa oficial.

Para lideranças e negociadores, fechar uma agenda rapidamente é crucial. Afinal, sem isso nada andará na COP30. Para entidades civis, o evento também não poderia deixar de fora temas como adotar um plano de trabalho para zerar o desmatamento global, até o fim da década.

Liderança indígena no pavilhão da COP: após Lula citar papel das terras indígenas, entidades cobraram demarcação (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)
Liderança indígena no pavilhão da COP: após Lula citar papel das terras indígenas, entidades cobraram demarcação (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)

Indígenas cobram demarcações

Os indígenas foram citados diretamente quatro vezes por Lula em seu discurso que abriu a COP30. Ele afirmou que a Amazônia sul-americana é o lar de 400 desses povos e destacou que todos têm direito a manter suas vidas e suas culturas em terras próprias. “É fundamental reconhecer o papel dos territórios indígenas e de comunidades tradicionais nos esforços de mitigação. No Brasil, mais de 13% do território são áreas demarcadas para os povos indígenas. Talvez ainda seja pouco”, comentou.

Entidades reforçaram a fala do presidente. Um levantamento da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) apontou 29 Terras Indígenas (TIs) na Amazônia prontas para serem homologadas, como a Kaxuyana-Tunayana, entre o Pará e o Amazonas, que aguarda reconhecimento há 22 anos.

“A demarcação é uma das medidas mais efetivas e baratas no enfrentamento à crise do clima e da biodiversidade, já que sabidamente nossos territórios funcionam como barreiras ao desmatamento, à grilagem e às queimadas”, disse Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab.

Além daquelas 29, outras 9 TIs estão delimitadas e 75 em estudos, somando 113 territórios com processos ativos na Amazônia. De acordo com a Coiab, destravar esses processos durante a COP30 seria um gesto político de responsabilidade global e uma medida histórica de reparação de direitos, um sinal de que o Brasil está disposto a unir justiça social, direitos humanos e ação climática.

*Aldem Bourscheit é jornalista, pós-graduado em Meio Ambiente, Economia e Sociedade pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (FLACSO), e cobre há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Agronegócio, Clima, Comunidades Indígenas e Tradicionais

**Esta reportagem foi produzida pelo ((o eco)), por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original aqui

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((o))eco é um veículo de jornalismo sem fins lucrativos fundado em 2004 que se dedica a documentar os desafios, retrocessos e avanços dos temas relacionados à conservação da natureza, biodiversidade e política ambiental no Brasil)eco é um veículo de jornalismo sem fins lucrativos fundado em 2004 que se dedica a documentar os desafios, retrocessos e avanços dos temas relacionados à conservação da natureza, biodiversidade e política ambiental no Brasil

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