ODS 1
Menos de 3% do financiamento climático global é destinado para a transição justa


Estudo da ActionAid mostra que recursos para apoiar países do sul global são inferiores aos gastos de Jeff Bezos na manutenção do seu superiate


O financiamento climático é um dos principais pontos de discórdia e incerteza na COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), marcada para começar na segunda (10/11), em Belém (PA). Relatório divulgado neste mês de novembro ajuda a dimensionar o problema e revela que apenas 2,8% ou US$630 milhões de dólares dos recursos de financiamento climático foram direcionados para iniciativas de transição justa, considerando dados da última década.
Leia mais: Chegar a US$ 1,3 trilhão de financiamento climático é possível e urgente
O estudo foi produzido pela ActionAid e analisa dois dos principais instrumentos multilaterais de destinação de dinheiro para lidar com a crise climática: o Fundo Verde do Clima (GCF) e os Fundos de Investimento Climático (CIF). O documento, intitulado “Como o Financiamento Flui: Financiamento Climático para Uma Transição Justa”, aponta que apenas um em cada 50 projetos (1,96%) está apoiando adequadamente as pessoas por meio da transição justa.
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Veja o que já enviamosComo forma de evidenciar as contradições e a falta de equidade no combate aos impactos do aumento da temperatura média global, o estudo compara os US$630 milhões para transição justa com os gastos do bilionário Jeff Bezos em seu superiate, batizado de Koru. Para manter a embarcação de 127 metros de comprimento, o dono da Amazon desembolsou US$ 635 milhões de dólares.
Além disso, dois terços do financiamento climático para países do Sul Global até agora foram na forma de empréstimos, em vez de doações. “A falta de financiamento climático suficiente, o crescente ceticismo climático e o greenwashing corporativo estão impedindo as ações urgentes e transformadoras necessárias para evitar uma ruptura climática descontrolada”, alerta o relatório.
Outras conclusões sobre o destino do financiamento climático do GCF e do CIF indicam que:
- Apenas um dólar em cada 35 foi gasto para apoiar transições justas;
- Menos de um em cada 50 projetos (1,9%) apoiados pelo GCF e pelo CIF foram considerados adequados na escuta e apoio à trabalhadores, mulheres e comunidades vulneráveis;
- Quase todos os projetos de transição justa foram financiados pelo GCF, ainda assim menos de um em cada 18 projetos (10 de 178 projetos, ou apenas 5,6%) cumpriu adequadamente os critérios de transição justa.
Financiamento na direção errada
Principais responsáveis pela emissões dos gases causadores das mudanças do clima, empresas de combustíveis fósseis e da agricultura industrial continuam a controlar boa parte dos subsídios públicos. Juntos, os dois setores receberam US$ 677 bilhões de dólares em subsídios no Sul Global, sendo US$ 238 bilhões para a agricultura industrial e US$ 438,6 bilhões para o setor dos combustíveis fósseis.
“No Sul Global, o investimento público é necessário não só para ampliar as energias renováveis e a agroecologia, mas também para garantir que as comunidades tenham acesso a serviços públicos essenciais”, aponta trecho do relatório. O estudo da ActionAid lembra que a dívida climática dos países do Norte Global gira em torno de US$4 trilhões por ano. Apesar disso, essas nações continuam se recusando a saldar seus débitos com o planeta.
Criado em 2008, os Fundos de Investimento Climático reúnem investimentos públicos e privados e nasceram com a promessa de apoiar 442 projetos de mitigação e adaptação em 81 países, com valores em torno de US$12,5 bilhões.
O relatório da ActionAid denuncia que os seis principais bancos multilaterais responsáveis pelos fundos costumam não monitorar riscos e impactos negativos dos projetos, como em casos que envolvem a construção de hidrelétricas.
Já o Fundo Verde do Clima foi idealizado em 2010 pela UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima). Desde 2015, quando ele se tornou operacional, 153 organizações se credenciaram para receber os recursos.
A promessa era de US$ 18 bilhões para 362 projetos em 82 países. Porém, como acontece com muitas das discussões das COPs, a burocracia dificultou a participação de entidades menores e os recursos privilegiam grandes projetos do setor privado.
Recomendações e COP30
Apesar dos atuais fluxos de financiamento climático desconexos da realidade, o relatório da ActionAid faz recomendações, principalmente, para os negociadores na COP30. “Empréstimos, investimentos ou compensações de carbono, não substituem o financiamento público real baseado em subsídios e não podem preencher a lacuna quando se trata de transições justas ou ações climáticas”, aponta o documento.
O estudo recomenda o aumento da destinação de recursos do Fundo Verde do Clima para projetos de transição justa e o encerramento dos Fundos de Investimento Climático, devido às suas falhas e falta de desempenho.
“Quaisquer projetos novos ou existentes devem centrar-se na participação das comunidades e dos trabalhadores e incluir um acompanhamento rigoroso para garantir que os direitos são respeitados e que os princípios de transição justa são seguidos”, acrescenta o texto. Outras duas recomendações incluem:
- Políticas governamentais relacionadas com a energia, a agricultura e a indústria extrativa devem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e a agricultura industrial prejudicial, e acelerar a transição para as energias renováveis, a agroecologia e o abastecimento responsável de minerais;
- As negociações na COP30 devem chegar a acordo sobre um novo Mecanismo de Ação de Belém (BAM) para uma transição justa. O BAM proposto deve abranger uma abordagem de toda a economia, incluindo energia, agricultura e minerais, além de enfrentar barreiras à transição justa, como políticas injustas de comércio, investimento e dívida.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.














































