Degelo dos Andes: risco para a água de 90 milhões de pessoas

Estudo aponta que geleiras andinas estão diminuindo 35% mais rápido do que a média global, ameaçando diretamente a vida e a economia em seis países da América do Sul

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 25 de março de 2025 - 10:24 • Atualizada em 25 de março de 2025 - 12:32

Geleira nos Andes peruanos: encolhimento rápido ameaça abastecimento de água de 90 milhões de pessoas (Foto: Bethan Davies / University of Newcastle)

As geleiras dos Andes estão diminuindo 70 centímetros por ano, 35% mais rápido do que a média global. Estudo apresentado por pesquisadores das universidades britânicas de Sheffield e Newcastle aponta que o derretimento acelerado das geleiras andinas ameaça o abastecimento de água para cerca de 90 milhões de pessoas na América do Sul.

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O relatório “The future of the Andean water towers” (O futuro das torres de águas dos Andes) foi apresentado no encontro em Paris para celebrar o primeiro Dia Mundial das Geleiras, na sexta-feira (21/03) “As mudanças climáticas estão aumentando as temperaturas do ar, causando eventos climáticos extremos mais frequentes e severos, diminuindo a queda de neve e aumentando as secas nos Andes, tudo isso ameaçando a estabilidade das geleiras andinas como fonte de água e a segurança das pessoas que dependem delas”, afirmou o geógrafo e glaciologista Jeremy Ely, da Escola de Geografia e Planejamento da Universidade de Sheffield, na apresentação da pesquisa.

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As geleiras da Cordilheira dos Andes se estendem pela Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, e fornecem água usada para consumo doméstico, energia hidrelétrica, indústria, irrigação de plantações ​​e apoio à pecuária. O relatório alerta que “o encolhimento das geleiras representa uma ameaça muito real à segurança hídrica e alimentar de milhões de pessoas que dependem delas”.

O degelo aumentará o estresse sobre os recursos de água doce dos quais dependem as comunidades e as principais cidades a jusante das geleiras. Com as temperaturas previstas para subir até 4,5 °C até o final do século nos Andes, os riscos e perigos das mudanças climáticas ameaçarão a segurança hídrica e alimentar de milhões de pessoas

Jeremy Ely
Glaciologista e pesquisador da Universidade de Sheffield

De acordo com o estudo, sob um cenário com o atual, com as emissões de gases de efeito estufa mais altas, as projeções mostram uma perda quase total de geleiras nos Andes Tropicais – Colômbia, Peru, Equador, Bolívia e norte do Chile. “As mudanças climáticas estão aumentando as temperaturas do ar, diminuindo a queda de neve e aumentando as secas nos Andes. Eventos climáticos extremos provavelmente se tornarão mais frequentes e severos, com estresse por calor, incêndios florestais, inundações e deslizamentos de terra ameaçando comunidades locais”, afirmou a glaciologista Bethan Davies, líder da pesquisa pela Universidade de Newcastle.

As geleiras no resto dos Andes – da parte central do território chileno até o extremo sul do país e todo a cordilheira na Argentina – sofrerão perdas significativas sob um cenário climático otimista, e até 58% do volume de gelo atual será perdido sob este mesmo cenário de emissões altas. “O encolhimento das geleiras e seu eventual desaparecimento diminuirão a disponibilidade de água e podem contribuir para secas extremas nos Andes , impactando a segurança alimentar e hídrica das populações ao longo da cordilheira”, acrescentou.

O estudo destaca que o aquecimento afeta a precipitação, a neve e as geleiras, que juntas controlam pântanos de alta altitude ecologicamente, socialmente e economicamente importantes. Essas áreas úmidas também têm o potencial de formar um armazenamento alternativo de água, à medida que os estoques de neve e gelo das geleiras se esgotam.

O aquecimento do clima está esgotando esses estoques de neve e gelo glacial. Os pesquisadores explicam que o aquecimento das temperaturas do ar significa que a neve cai cada vez mais como chuva, com temporadas mais curtas de acumulação de neve. A queda de neve também é cada vez mais entregue em menos, mas mais extremos, eventos climáticos.

O pesquisador Jeremy Ely lembrou que o primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre mudanças climáticas foi publicado em 1990 e, desde então, muito pouco foi feito para conter as emissões globais de carbono que alimentam as mudanças climáticas. “Nosso relatório mostra que o que os cientistas vêm prevendo há anos está se tornando realidade, e ações rápidas precisam ser tomadas se tivermos alguma esperança de salvar e preservar as geleiras das quais tantas pessoas dependem como fonte de água”, destacou.

O estudo demonstra que o encolhimento das geleiras andinas se acelerou nas últimas décadas, com taxas sem precedentes de perda de gelo após 2000, coincidindo com o aumento das emissões de gases de efeito estufa em todo o mundo. “Todas as metas que foram definidas já foram perdidas e falharam, mas a única maneira de preservar as geleiras é reduzir drasticamente as emissões de carbono de uma vez por todas. A situação é séria, e será necessária cooperação global para enfrentar as mudanças climáticas e fazer uma diferença significativa para as comunidades ao redor do mundo mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas”, apontou o glaciologista Jeremy Ely.

O relatório sobre as geleiras – destinado aos formadores de políticas públicas – lembra que, pelo Acordo de Paris de 2015, o tratado global sobre mudanças climáticas, os países ao redor do mundo se comprometeram a tomar medidas para manter o aumento da temperatura global no limite de 1,5 °C acima da média pré-industrial, pois deixar as temperaturas globais médias atingirem mais alto levaria a eventos climáticos extremos, escassez de água, menor rendimento das colheitas, perdas econômicas, níveis mais altos do mar e maiores danos à natureza. No entanto, essa meta já foi superada por vários meses em 2024, e projeções recentes de um cenário de aquecimento superior a 2 °C mostram que áreas dos Andes estarão totalmente, ou quase totalmente, livres de gelo até 2100.

O estudo dos cientistas das universidades britânicas destaca ainda que, além de reduzir as emissões globais de carbono, será necessária a gestão eficaz dos recursos hídricos para adaptação à mudança dos sistemas humanos e naturais e à mudança da oferta e demanda de água que já afetam a região. “À medida que as geleiras encolhem, a oferta de água diminui e muitos países serão forçados a tentar mitigar o problema construindo grandes infraestruturas de armazenamento de água, como represas. No entanto, isso exigirá um investimento significativo que os países mais pobres e os mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas podem não conseguir pagar”, destaca o relatório.

Para Jeremy Ely, a perda de gelo nos Andes precisa de atenção urgente. “O degelo aumentará o estresse sobre os recursos de água doce dos quais dependem as comunidades e as principais cidades a jusante das geleiras. Com as temperaturas previstas para subir até 4,5 °C até o final do século nos Andes, os riscos e perigos das mudanças climáticas ameaçarão a segurança hídrica e alimentar de milhões de pessoas”, afirmou o glaciologista.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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