ODS 1
Cúpula das Infâncias: crianças e adolescentes enfrentam mudanças climáticas e ameaças aos territórios


Encontros envolvendo 600 crianças e adolescentes fizeram parte da Cúpula dos Povos; movimento entregou carta à Presidência da COP30 em ministros


(De Belém, Pará) – “Todas as infâncias importam”. Este é um dos lemas da Cúpula das Infâncias, evento que integra a programação da Cúpula dos Povos. “Tudo o que a gente está falando é real, estamos vivendo e passando por isso todos os dias de nossa vida”, afirma Izabelly Lobato dos Santos, 15 anos, moradora da Ilha do Capim, em Abaetetuba (PA).
A determinação e o equilíbrio na voz de Izabelly impressionam, porém o seu relato revela uma infância saqueada pelo avanço da crise climática e do dito “desenvolvimento”. De um lado, o calor que aflige os pescadores da comunidade, de outro, um projeto da empresa multinacional Cargill de instalar um terminal portuário na ilha.
Na camiseta, Izabelly carrega o convite do VI Grito das Águas, manifestação realizada anualmente na Ilha do Capim, contra o empreendimento. Ainda que não se lembre com detalhes de como tudo começou, Izabelly se recorda dos protestos e da resistência. “É o espaço em que debatemos e colocamos as injustiças climáticas que acontecem dentro do nosso território”.
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Na Cúpula das Infâncias, Izabelly pretende amplificar esse grito pela natureza e pelo Rio Caratateua, parte de sua identidade. “Quando estou aqui na Cúpula ou lá dentro do Parque da COP30, sempre lembro das pequenas crianças do meu Rio. Eles iriam estar felizes em estar aqui. Como eles não estão, eu vou estar aqui por eles”, afirma a jovem ribeirinha.
Além de Izabelly, a Cúpula das Infância reuniu mais de 600 crianças e adolescentes em diversas atividades culturais, painéis e mesas de debate na Universidade Federal do Pará (UFPA). O objetivo principal foi construir uma carta, entregue neste domingo (16/11) à Presidência da COP30, quando também houve a apresentação da carta da Cúpula dos Povos.


Empreendimento ameaça 72 ilhas
O Terminal de Uso Privado (TUP) que a Cargill pretende construir faz parte de um esforço da multinacional em expandir para a foz do Rio Tocantins a logística de transporte de grãos que desenvolve no Rio Tapajós. Segundo dados da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), a implantação do porto impactaria 72 ilhas de Abaetetuba e 24 Projetos Agroextrativistas (PAEs), afetando o bem-viver de 70 mil pessoas.
Em julho de 2023, uma decisão do Ministério Público Federal (MPF) suspendeu o empreendimento, apontando indícios de grilagem de terras. Além disso, as comunidades das ilhas denunciam o não cumprimento dos protocolos de consulta livre e esclarecido, conforme determina a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Helder Barbalho e Lula não podem falar pela gente, porque eles não vivem e não sentem o que a gente passa todos os dias
“A invasão de balsas está só aumentando dentro da nossa comunidade. Eles falam que vão oferecer emprego e alguns jovens acreditam nisso”, conta Izabelly. Segundo ela, mesmo com a suspensão pela justiça, a pressão sobre os territórios continua. Para a jovem, a Cúpula das Infâncias é um espaço para falar e mobilizar outros jovens a também resistir.
Como acontece na maioria dos empreendimentos de empresas como a Cargill, o projeto desconsidera a relação das comunidades com os seres mais-que-humanos (Rios, Florestas, Plantas e Animais). “Quando a gente faz rodas de conversas com as crianças, a gente pergunta o que você mais gosta de fazer, eles respondem: tomar banho e brincar no Rio”, enfatiza Izabelly.
A jovem ribeirinha integra o Cáritas Brasileira Regional Norte, movimento que luta por direitos sociais, vinculado à Cáritas Brasileira e à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Durante a Cúpula das Infâncias, a Cáritas promove debates sobre diferentes violações de direitos contra crianças e adolescentes, desde questões que envolvem disputas de terra até a violência física e sexual.


Impactos do calor
Com a voz embargada, Izabelly descreve outra ameaça crescente à comunidade da Ilha do Capim: as ondas de calor cada vez mais intensas e frequentes. “Gosto muito de conversar com meu avô. A gente senta na mesa e ele começa a contar: ‘minha filha, antes, a gente saía para pescar até sem camisa e suportava. Hoje, a gente não suporta mais”, relata a jovem.
Uma outra consequência do aumento médio da temperatura global, tema primário que motiva ou deveria motivar os debates da COP30, está nos reflexos disso nos próprios peixes. “Meu avô passa o dia inteiro e, às vezes, chega sem nenhum peixe. Outras vezes, até com a rede rasgada, porque o navio passou por cima, porque uma balsa passou por cima”.
Crianças e adolescentes estão entre os grupos mais vulneráveis às mudanças climáticas. Um dos espaços em que isso é mais percebido é nas próprias salas de aula. “Na escola é um dos lugares que eu mais sofro todos os dias. Tem ventilador, mas funciona até duas horas. E o calor é insuportável”, conta Izabelly. Esse estresse térmico impacta diretamente a capacidade de aprendizagem dessas crianças e adolescentes.


Música e Carta
Um dos primeiros projetos a se apresentar no palco da Cúpula das Infâncias foi a Orquestra Ribeirinha Amazônica (ORA), iniciativa que trabalha com aulas de percussão musical com crianças da Ilha do Combu, uma das mais de 40 ilhas de Belém (PA). O projeto é voluntário e se sustenta por meio de doações. As canções são compostas pelos dois responsáveis, Gabriel Paixão e Nazareno Gomes, em conjunto com as crianças. As letras valorizam aspectos locais e a ancestralidade amazônica: “Eu vou tomar / Eu vou tomar / Um tacacá / Eu vou tomar / Eu vou tomar / Um açaí”.
Professor da UFPA e coordenador da Cúpula das Infâncias, Salomão Hage critica a perspectiva “adultocêntrica” das discussões da COP30. Ao todo, mais de 120 organizações integram as programações do evento e organizam as demandas das infâncias. “A carta tem a finalidade de afirmar para o mundo que justiça climática e bem viver só são possíveis com a participação de crianças e de adolescentes”. destaca Salomão.
Izabelly diz não estar confiante em resultados relevantes na COP30, afinal de contas, já são 30 edições de encontros que estão longe de trazer respostas efetivas para a crise climática. “Helder Barbalho e Lula não podem falar pela gente, porque eles não vivem e não sentem o que a gente passa todos os dias”.
Apesar disso, a primeira Cúpula das Infâncias da história das COPs serve para ecoar as vozes de crianças e adolescentes, como sujeitos de direitos. “Espero que essa carta leve exatamente o que a gente está falando, porque tudo o que falamos é real”, complementa a jovem líder.
A carta da Cúpula das Infâncias, documento elaborado pelas cerca de 600 crianças e adolescentes que participaram de atividades na Cúpula dos Povos, foi entregue às autoridades brasileiras e afirma que, eles temem pelo futuro e pedem ações práticas para conter a crise de emergência climática. “Para que as próximas crianças e adolescentes não tenham medo do calor, da fumaça, da falta de água, da extinção dos animais. Para que elas possam desenhar florestas vivas e não florestas morrendo”, diz trecho da carta.
“Somos muitos e muitas crianças e adolescentes, cada uma com um jeito, um desenho, uma fala, um sonho. Mas todas com o mesmo ideal, por dentro do nosso planeta, agora, queremos continuar vivos e vivas, crescer no mundo bonito, no mundo que ainda respire, com esperança e sem medo”, continua o documento
Cópias da carta foram entregues em mãos ao embaixador André Correa do Lago, presidente da COP, a Ana Toni, CEO da Conferência, e aos ministros Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima), Sônia Guajajara, (Povos Indígenas) e Guilherme Boulos (Secretaria Geral da Presidência. “Enquanto essas crianças falavam, me veio a imagem de quem começou a trabalhar muito cedo, com 5 anos. Eu era magrinha. Com 10 anos começamos a cortar seringa. Tudo isso me faz refletir que, só na democracia, o seringueiro, o indígena podem chegar aonde chegamos”, disse a ministra Marina.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.











































