COP28: Seguirão invisíveis os verdadeiros protagonistas?

Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, funcionário limpa um dos salões onde ocorrerá a 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Foto Beata Zawrzel/NurPhoto via AFP

Principais vítimas do racismo ambiental continuam sendo apartadas dos debates e dos fóruns de decisão climáticos

Por Maria Amália Souza | ArtigoODS 13 • Publicada em 29 de novembro de 2023 - 08:58 • Atualizada em 5 de dezembro de 2023 - 08:12

Em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, funcionário limpa um dos salões onde ocorrerá a 28ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Foto Beata Zawrzel/NurPhoto via AFP

O mundo estará reunido na COP28, a Conferência do Clima da ONU, que ocorrerá nos Emirados Árabes Unidos. Prestes a receber a “sua COP” em 2025, o Brasil se orgulha da “megadelegação” que levará ao evento este ano. Serão, aproximadamente, 1,5 mil pessoas. Fala-se na presença de 15 ministros, e 110 eventos no pavilhão nacional. Por lá, diplomatas, representantes dos mais altos escalões do governo e da nata da sociedade civil discutirão temas importantes, como aumentar o uso de fontes de energia limpas, reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e convencer os países mais ricos a financiar ações climáticas nos países mais pobres, e, até mesmo, “chegar a um novo acordo para as nações em desenvolvimento, focando na natureza e nas pessoas”. Estamos falando aqui de uma das mais poderosas pontas no complexo cenário da defesa ao meio ambiente no mundo; aquela que efetivamente decide.

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Mas, uma lição que parece estar longe de ser aprendida, é a de que existe também uma outra ponta: a de quem vive, sofre e até morre por pertencer, depender e defender as florestas. Esses ainda são completamente relegados à invisibilidade, não por acaso. No Brasil, que abriga cerca de 1,5 milhão de indígenas e 1,3 milhão de quilombolas, e onde o racismo ambiental afeta principalmente as comunidades marginalizadas, como pessoas negras, indígenas e pobres (a maioria no país), ignorar seu papel fundamental na proteção das nossas florestas é a regra. Mesmo quando toda a ciência recente prova que são estes os verdadeiros protetores de mais de 80% das florestas do planeta, esse fato segue fora das pautas oficiais, como se fosse somente um pequeno detalhe.

Ainda que nos últimos anos tenha sido perceptível o aumento da presença de representantes destas populações, elas seguem excluídas das decisões sobre seus territórios e seus modos de vida. Elas nem ao menos têm a chance de opinar sobre como construir o caminho que levará o mundo a atingir as grandes metas estipuladas nas conferências, como a de manter o aquecimento global dentro do limite de 1,5ºC. Em 2023, o Papa Francisco, que anunciou sua ida aos Emirados Árabes Unidos, falou que “adotar uma atitude renunciante a respeito da COP28 seria auto lesivo, porque significaria expor toda a humanidade, especialmente os mais pobres, aos piores impactos da mudança climática”.

Porém, nas COPs, onde estão eles? Bem longe das grandes decisões. Os pouquíssimos representantes das populações marginalizadas que conseguem chegar às conferências tentam se fazer ouvir por meio de manifestações, participação em eventos, buscas incessantes por aberturas de diálogos. Tudo isso, ainda meio perdidos pelos corredores da conferência, muitas vezes sem orientação.

Para transformar esta realidade e encurtar a distância entre os acordos mundiais e a realidade daqueles que vivem o dia a dia da floresta, o Fundo Casa Socioambiental iniciou, em 2022, um processo de formação, via encontros virtuais, que busca preparar as pessoas interessadas na COP a entender como se relacionar com ela. Promover o intercâmbio de experiências e informações com lideranças que atuam por sustentabilidade socioambiental e pela integridade de seus territórios tem sido sua prioridade. O ponto de partida é a realidade da Amazônia brasileira, em que os desafios vão desde assegurar os direitos da natureza em sua integralidade até garantir a proteção da vida de defensores das causas socioambientais. O enfrentamento a projetos que ampliam as mudanças climáticas na região, como a construção de hidrelétricas, hidrovias, e a expansão da exploração do petróleo em rios e na foz do Amazonas são parte dessas reflexões, assim como todo o debate relacionado a créditos de carbono e os investimentos na economia da sociobiodiversidade.

Ao todo, 63 pessoas participaram da formação em 2022 e 2023, representando 15 estados brasileiros e sete países. O Fundo Casa repete, em 2023, o apoio a uma delegação de atores locais. Em 2022, levou 14 pessoas para o Egito e, este ano, leva uma delegação de 17 pessoas a Dubai, entre membros da equipe e parceiros estratégicos. Para esses, o sucesso da COP inclui que suas vozes sejam ouvidas. Orientados e preparados para falar a dura linguagem das conferências, eles pretendem aumentar sua visibilidade, mostrando ao mundo que não é sem razão que são considerados os guardiões das florestas. Deixarão o país mais megabiodiverso do mundo para ir à região onde o petróleo é dominante com uma missão: dar mais um passo para salvar as suas vidas e as chances de a humanidade seguir vivendo neste Planeta.

Maria Amália Souza

Maria Amália Souza é fundadora e diretora de Desenvolvimento Estratégico do Fundo Casa Socioambiental, membro-fundadora da Rede Comuá de Filantropia para Justiça Social e lidera a participação do Fundo Casa em várias coalizões internacionais de fundos e fundações filantrópicas.

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