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COP28 avança contra combustíveis fósseis mas ambientalistas cobram mais ações urgentes
Teor do documento final aprovado na Conferência do Clima em Dubai sinaliza que a era do petróleo pode estar caminhando para o fim, mas faltou estabelecer prazos e recursos para a transição
Com um dia de atraso, a 28ª Conferência do Clima da ONU – a COP28, em Dubai, Emirados Árabes – terminou nesta quarta-feira (13/12) com a divulgação de um documento final em que convoca os países a “fazer a transição para fora dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”, ainda nesta década. A citação aos combustíveis fósseis, inédita nos documentos das COPs, sinaliza que a era do petróleo pode estar se encaminhando para o fim, apesar de ambientalistas e especialistas em clima alertarem que a urgência de conter as mudanças climáticas necessitariam de uma linguagem mais firme, ações mais rápidas, e recursos garantidos para mitigação e adaptação.
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A citação aos combustíveis fósseis está na decisão do primeiro Balanço Global (GST) do Acordo de Paris, aprovado uma madrugada inteira de negociações na COP28. Para o Observatório do Clima, rede que reúne dezenas de organizações ambientalistas, os principais pontos positivos do documento são a convocatória clara e universal à “transição” (“transition away from”, no original em inglês), que pode ser entendida como um sinônimo de “eliminação gradual que não ofende nações petroleiras”; a determinação de que isso seja iniciado já nesta década, prazo crítico para que o mundo tenha a chance de se manter no limite de aquecimento global de 1,5º C preconizado pelo Acordo de Paris; e a determinação de triplicar a parcela de fontes renováveis na matriz energética global até 2030, duplicando a taxa global anual de eficiência energética no período.
O Observatório do Clima também destaca que é a primeira vez desde 1994, quando a Convenção do Clima da ONU entrou em vigor, que os principais causadores da catástrofe climática – os combustíveis fósseis – são encarados. “A menção no texto da conferência de substituição do uso de combustíveis fósseis é inédita, um começo, mas totalmente em desacordo com a realidade de países que projetam um aumento em suas fontes sujas de energia que é 100% maior do que o permitido pelos limites do Acordo de Paris”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Os países agora precisam decidir que verdade irá prevalecer: a do texto da COP ou a dos seus planos de explorar cada vez mais petróleo, carvão e gás”, acrescentou.
Ambientalistas apontaram que não constam do documento prazos para a transição, a diferenciação entre países e, principalmente, os recursos financeiros que deveriam vir das nações ricas para as pobres para assegurar esse caminho para longe dos combustíveis fósseis. “Apesar de não termos um plano claro sobre como se dará a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, o ganho real da COP28 foi colocar tais combustíveis no centro do debate, responsabilidade que nenhuma das 27 Conferências do Clima anteriores tinha assumido”, disse Camila Jardim, especialista em Política Internacional do Greenpeace Brasil.
O Brasil foi um do países que pressionaram para a citação dos combustíveis fósseis no Balanço Global (GST) do Acordo de Paris, defendendo o uso da palavra eliminação, mas resistências foram muitas. “O movimento climático mostrou seu poder, ao obter a inclusão do fim dos combustíveis fósseis no texto. Temos muito mais a alcançar nos próximos dois anos, especialmente em relação ao financiamento da transição energética, medidas de adaptação e compensação por perdas e danos, que são uma questão de vida ou morte para regiões como a América Latina”, disse Peri Dias, gerente de Comunicação da 350.org para a América Latina.
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Veja o que já enviamosDiretor Geral de Política Global e Financiamento para a Conservação na The Nature Conservancy (TNC), o ambientalista Andrew Deutz destacou o trabalho da diplomacia, que, ao longo da noite na COP28 transformou o texto que estava dividindo os países. “O que os negociadores concordaram na manhã desta quarta-feira representa um passo na direção certa: um chamado para uma transição global que nos afaste de todos os combustíveis fósseis no texto final sinaliza que os governos estão finalmente abertos a lidar com o elefante na sala”, afirmou.
O Observatório do Clima lembra ainda que o conjunto de decisões da COP28, conhecido agora como o Consenso dos EAU (Emirados Árabes Unidos), traz ainda a operacionalização (ainda com muito pouco dinheiro) do fundo de perdas e danos, o delineamento de uma Meta Global de Adaptação e avanços tímidos no Programa de Trabalho de Transição Justa e no Artigo 6, que trata de mecanismos de flexibilidade (a maioria deles mercados de carbono). “O Consenso dos EAU começa a valer hoje. Inclusive no Brasil, onde os sinais emitidos em Dubai deveriam impactar a oferta de oances no mega leilão petroleiro. Quem serão as empresas a desafiar de pronto o que foi definido nos Emirados?”, questionou Natalie Unterstell, CEO do Instituto Talanoa.
Desafios para a COP30 em Belém
A reunião em Dubai também definiu as sedes das próximas Conferências do Clima da ONU, marcadas para 2024 em Baku, no Azerbaijão, onde deverá ser finalizado o novo objetivo quantificado global de financiamento climático, e Belém em 2025, quando novas metas ajustadas para o ano de 2035 precisam ser adotadas. “O texto que sai daqui hoje também aumenta a responsabilidade do Brasil em construir um caminho para que a COP 30 em Belém entregue um aumento de ambições que responda ao desafio de manter o mundo dentro do limite de 1.5º C. E isso deve começar recusando o convite de ingresso na OPEP+”, disse Márcio Astrini, do Observatório do Clima.
Maurídio Voivodic, diretor-executivo do WWF Brasil, também destacou a necessidade do país se preparar para a conferência em Belém. “O resultado da COP 28 reforça a importância de o Brasil se engajar fortemente no estreitamento da confiança entre os países para alcançarmos os resultados necessários na COP 30. Isso precisa começar já, durante a presidência do G20, onde será possível reforçar o comprometimento climático das maiores economias do planeta”, afirmou o ambientalista.
“A COP28 desenhou as bases para uma COP30, aumentando as expectativas para as próximas metas climáticas nacionais, as NDCs, que deverão ser estabelecidas no Brasil, em 2025. Agora, os países precisam construir com clareza os mecanismos de implementação, especialmente os que dizem respeito a financiamento, capacitação e transferência de tecnologia aos países em desenvolvimento, o que deverá ser debatido na COP 29”, adicionou Camila Jardim, do Greenpeace Brasil.
Peri Dias, da 350.org, lembrou o número recorde de lobistas dos combustíveis fósseis tentando influenciar o resultado final da COP28, em Dubai. “Na COP30, no Brasil, os povos indígenas e as comunidades mais vulneráveis à crise climática devem superar, em número e em influência, os lobistas e os países que bloqueiam o fim dos combustíveis fósseis. Esperamos que o governo brasileiro trabalhe com muito empenho em um processo ambicioso de construção da COP30, que coloque as pessoas no centro das negociações e reflita a visão das comunidades. Temos dois anos para fazer a diferença”, disse.
Para Marina, países ricos precisam liderar transição
Chefe da delegação brasileira na COP28, a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, também celebrou, em entrevista coletiva em Dubai, a aprovação do primeiro acordo na COP28 que menciona explicitamente a necessidade de reduzir o uso de combustíveis fósseis no planeta. “Trabalhamos muito para que saíssemos daqui com essa base. Já estamos há 31 anos fazendo esse debate, e pela primeira vez tivemos um resultado que considera uma trajetória para levar ao fim dos combustíveis fósseis”, disse a ministra.
Marina destacou que agora há uma “forte sinalização para governos e empresas de que esse tema passa a fazer parte dos compromissos assumidos por todos”. A ministra do Meio Ambiente também afirmou que a transição precisa ser “justa” e liderada pelos países mais ricos, que alcançaram seu desenvolvimento calcados na queima de combustíveis fósseis. “O Brasil trabalhou até o último minuto para que ficasse muito claro que os países desenvolvidos deveriam tomar essa dianteira”, afirmou Marina Silva.
Lembrada na coletiva que a aprovação do acordo coincidiu com o dia em que o governo brasileiro leiloará centenas de blocos exploratórios de petróleo e gás, incluindo na Bacia do Amazonas, a ministra disse que isso não significa uma contradição com os resultados da COP28. “Em relação à oportunidade e conveniência da exploração de petróleo, é o debate que está sendo feito a partir de agora, em que os setores público e privado terão que traduzir o compromisso que aqui assumimos em suas ações e planejamentos”.
Durante a plenária final, Marina Silva destacou o papel brasileiro. “O compromisso que estamos assumindo aqui redireciona nossas ambições, mas também nossas responsabilidades, nosso comprometimento em todas as suas dimensões: mitigação, adaptação e meios de implementação alinhados a 1.5 são agora incontornáveis”, disse. “O desafio de concretizar a missão 1.5 depende do esforço de todos e principalmente do comprometimento de todos em alinhas suas próximas NDCs a esse objetivo. E o Brasil se sente feliz e honrado em ajudar nesta tarefa e, quem sabe, podermos celebrar, juntos, na COP30, na Amazônia, em Belém do Pará”, concluiu.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade