Cerrado tem 82% do desmatamento em propriedades privadas

Combate a queimadas em área de Cerrado no Distrito Federal: bioma tem 82% do desmatamento em propriedades privadas (Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília – 10/09/2021)

Pesquisadores alertam que devastação do bioma, que teve alta acima de 20% no primeiro semestre, pode aumentar ainda mais até o fim do ano

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 15 • Publicada em 19 de julho de 2023 - 12:55 • Atualizada em 22 de novembro de 2023 - 08:35

Combate a queimadas em área de Cerrado no Distrito Federal: bioma tem 82% do desmatamento em propriedades privadas (Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília – 10/09/2021)

Dados divulgados pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) indicam que o desmatamento no Cerrado atingiu 491 mil hectares no primeiro semestre de 2023, área sete vezes maior que a cidade de Salvador, um aumento de 28% em relação ao mesmo período no ano passado. Dessa área devastada, 402 mil hectares (82%) estão em propriedades privadas – e os estados do Matopiba, a fronteira agrícola composta por áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, responderam por 74,7% de todo o desmatamento no bioma, cerca de 367 mil hectares.

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Os dados são SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado) – monitoramento mensal e automático desenvolvido por pesquisadores do IPAM com imagens de satélites ópticos do sensor Sentinel-2, da Agência Espacial Europeia – e apontam também que o desmatamento nos últimos meses tem sido caracterizado por grandes áreas suprimidas rapidamente dentro de propriedades privadas. Grandes propriedades concentraram 48% (ou 193 mil hectares) do desmatamento ocorrido dentro de áreas privadas nesse primeiro semestre de 2023, seguido por propriedades médias (33%, por volta de 133 mil hectares) e pequenas (19%, 76 mil hectares).

Durante o período da seca, a expansão agropecuária tende a aumentar devido às condições climáticas propícias para as atividades agrícolas. No entanto, os índices de desmatamento no Cerrado estão alcançando níveis recordes já nos primeiros meses da estação seca deste ano

Tarsila Andrade
Geógrafa e pesquisadora do Ipam

Ao contrário da Amazônia, onde a grande maioria do desmatamento (geralmente em torno de 70%) ocorre em áreas públicas de floresta sem destinação, no Cerrado, o desmatamento vem crescendo exatamente nas propriedades privadas. O bioma também tem outra característica diferente da Amazônia: a área fora de reserva legal – e portanto passível de desmatamento legal – é de 80%. Apenas 20% do bioma está protegido. “O Cerrado é mais difícil de fiscalizar porque tem que checar se cada desmatamento é autorizado”, explicou o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, durante a apresentação dos dados do Inpe sobre desmatamento feito pelo Ministério do Meio Ambiente.

O Deter – sistema de detecção imediata de desmatamento desenvolvido pelo Inpe com base em imagens de satélites para informar o Ibama – também registrou aumento no desmatamento do Cerrado no primeiro semestre, de 21%, um pouco menor que os 28% constatados pelo SAD Cerrado do Ipam. Essa alta preocupa os pesquisadores porque a temporada de seca no bioma, quando o desmatamento costuma ser maior, ainda está no começo. “Durante o período da seca, a expansão agropecuária tende a aumentar devido às condições climáticas propícias para as atividades agrícolas. No entanto, os índices de desmatamento no Cerrado estão alcançando níveis recordes já nos primeiros meses da estação seca deste ano”, afirmou a geógrafa Tarsila Andrade, analista do instituto, na apresentação dos dados.

Campeões de desmatamento

De acordo com o SAD Cerrado, o município de São Desidério, no oeste da Bahia, liderou o ranking de desmatamento no bioma no primeiro semestre de 2023, seguido por Balsas, no sul do Maranhão, e Correntina, também na Bahia: os três municípios, juntos, totalizaram 51,5 mil hectares desmatados. “Nos últimos meses, temos visto um aumento da expansão do agronegócio em diferentes regiões do Matopiba, onde também estão concentrados os últimos grandes remanescentes de vegetação nativa do Cerrado”, destacou a pesquisadora Fernanda Ribeiro, também do Ipam. Municípios da Bahia e do Maranhão ocupam 8 das 10 primeiras posições do ranking de desmatamento nos primeiros seis meses do ano.

Apesar do domínio de São Desidério, que liderava os relatórios mensais desde fevereiro, o mês de julho foi marcado por um novo líder para a lista de maiores derrubadores de Cerrado: Mirador, no sul do Maranhão. O município maranhense havia desmatado apenas 3,5 mil hectares entre janeiro e maio, mas seus números dispararam, chegando a 6 mil hectares perdidos apenas no mês passado, um aumento de 188,5% em 30 dias. “O aumento repentino do desmatamento em Mirador pode ser parcialmente explicado pela expansão agrícola em direção aos últimos remanescentes, juntamente com outros fatores locais”, acrescentou Fernanda Ribeiro. O crescimento do desmatamento no município acompanha um aumento das detecções de novas áreas abertas na região sul do Maranhão, que liderou o ranking em junho, com 45,7 mil hectares desmatados: no mês, 6 dos 10 municípios que mais perderam vegetação nativa estão no Maranhão.

O destruição nesses campeões de desmatamento segue as características de todo o Cerrado. Em São Desidério, município líder de desmatamento no primeiro semestre de 2023, apenas 30 grandes propriedades foram responsáveis pelo desmatamento de 18,2 mil hectares – cerca de 76% de tudo que foi desmatado pelo município no semestre. Em Mirador, cidade que mais desmatou o Cerrado em junho deste ano, 68% de todo o desmatamento se concentrou em apenas 20 propriedades. “Esse aumento evidencia a intensidade e velocidade do processo de destruição do bioma. Por isso é fundamental o estabelecimento de políticas e ações efetivas que visem à proteção e preservação do Cerrado, considerando seus ecossistemas únicos, a biodiversidade e o papel crucial que desempenham na mitigação das mudanças climáticas”, enfatizou a pesquisadora Tarsila Andrade.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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