Mais de 80 pessoas já morreram e ainda há dezenas de desaparecidos após as enchentes repentinas na região central do estado norte-americano do Texas desde sexta-feira 4 de julho, feriado nos EUA). A maioria das mortes ocorreu no Condado de Kerr, onde um acampamento de meninas cristãs à beira do rio foi inundado, provocando a morte de pelo menos 28 crianças e deixando outras desaparecidas.
Leu essa? Caos climático: recordes de calor em junho assustam Europa
Os números de vítimas ainda estão mudando rapidamente, à medida que as equipes de resgate continuam as buscas. As autoridades do Texas afirmam que o número de mortos certamente deve aumentar. Muitos dos corpos ainda não foram formalmente identificados. “Foi simplesmente horrível ver o que aquelas crianças passaram”, disse o governador Greg Abbott, que visitou o acampamento no domingo (06/07).
Outras áreas com registro de mortes incluem os condados de Travis, Burnet, Williamson, Kendall e Tom Green, togos na região central do estado, onde chuvas intensas começaram na noite de quinta-feira e continuaram até a manhã de sexta-feira, com inundações repentinas: em 45 minutos, o rio Guadalupe subiu 8 metros, fazendo com que transbordasse. Meteorologistas afirmam que a chuva equivalente a cinco meses caiu em apenas algumas horas.
Em entrevista coletiva, o governador Greg Abbott disse que a população do Texas está acostumada a alertas de enchentes repentinas. “Mas não há expectativa de uma parede d’água de quase 9 metros de altura”, lamentou. Nim Kidd, chefe da Divisão de Gestão de Emergências do Texas, disse ter faltado alertas mais rápidos da dimensão e intensidade das chuvas. “Há áreas onde não há cobertura de celular ou praticamente nenhuma. Não importa quantos sistemas de alerta você contrate, você não vai fazer o alerta suficientemente rápido”, afirmou.
O principal foco das buscas tem sido a região o Acampamento Mystic, um popular acampamento de verão para meninas localizado às margens do Rio Guadalupe, que foi inteiramente arrasado pela enchente. Quase 30 crianças e adolescentes e o diretor do acampamento, Richard Eastland, estão entre os mortos. Ao longo da rodovia de duas pistas, que margeia o Rio Guadalupe e liga a cidade de Kerrville ao Acampamento Mystic, o cenário de devastação. Casas destruídas estão cercadas por árvores caídas e móveis espalhados pelos gramados. Cercas e linhas de energia elétrica estão caídas em algumas áreas. Milhares de pessoas passaram o fim de semana sem luz.
Alertas meteorológicos falharam no Texas?
Apesar de dados e informações detalhadas sobre a tragédia no Texas ainda estarem em investigação, algumas autoridades estaduais foram rápidas em apontar o dedo para o National Weather Service (NWS – o Serviço Nacional de Meteorologia) — incluindo o Chefe da Divisão de Gestão de Emergências do Texas, Nim Kidd, que disse que as os alertas não previram adequadamente a quantidade de chuva que caiu na área. O juiz Rob Kelly, a principal autoridade eleita no Condado de Kerr, disse à CBS que a gravidade da inundação foi inesperada. “Não tínhamos motivos para acreditar que isso seria algo parecido com o que aconteceu aqui. Nenhum”, disse Kelly.
O NWS se defendeu. “Em 3 de julho, o escritório do NWS em Austin/San Antonio, Texas, realizou briefings de previsão para a gestão de emergências pela manhã e emitiu um Alerta de Inundação no início da tarde. Alertas de Inundações Repentinas foram emitidos na noite de 3 de julho e na madrugada de 4 de julho, indicando um prazo preliminar de mais de três horas para que os critérios de alerta fossem atendidos”, informou o serviço de meteorologia, em nota. “O Serviço Nacional de Meteorologia está desolado com a trágica perda de vidas no Condado de Kerr”, disse a porta-voz da agência, Erica Grow Cei, por e-mail, acrescentando que o NWS “continua comprometido com nossa missão de servir o público americano por meio de nossas previsões e serviços de apoio à decisão”.
Questionada se a tragédia se deveu a uma “falha fundamental” do governo em fornecer alertas antecipados, a secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, disse que “o tempo é difícil de prever”, mas que o presidente Donald Trump estava buscando modernizar o sistema atual. Em resposta a perguntas durante uma coletiva no domingo sobre o impacto dos cortes no NWS, ela disse que levaria “suas preocupações ao governo federal”. A secretária defendeu o NWS, mas fez críticas. “Sabemos que todos querem alertas mais antecipados, e é por isso que estamos trabalhando para atualizar as tecnologias que foram negligenciadas por muito tempo”, disse Noem.
Caos climático e cortes orçamentários
Cientistas afirmam que a enchente no Texas foi marcada pelo tipo de chuva extremamente intensa e altamente localizada que está se tornando muito mais comum devido ao aquecimento global. “Esta é uma das coisas mais difíceis de prever, que está piorando mais rápido do que quase qualquer outra coisa em um clima em aquecimento, e estamos em um momento em que estamos reduzindo a capacidade de coordenação de meteorologistas e gestores de emergência”, disse, ao Los Angeles Times, o cientista climático Daniel Swain, da Universidade da Califórnia em Agricultura e Recursos Naturais. “Esse tripé parece uma receita para o desastre”.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosEspecialistas afirmam que é evidente que tais riscos climáticos continuarão a ocorrer. “Com uma atmosfera mais quente, não há dúvida de que observamos um aumento na frequência e na magnitude dos eventos de inundações repentinas em todo o mundo”, disse Jonathan Porter, meteorologista-chefe da AccuWeather, empresa estadunidense que presta serviços comerciais de previsão do tempo em todo o mundo. Porter atribuiu ao serviço meteorológico a emissão de alertas antes da enchente repentina, mas afirmou que houve um impasse na resposta das autoridades locais às informações. “A questão-chave é: o que as pessoas fizeram com esses alertas oportunos, emitidos?”, disse Porter. “Qual foi a reação delas, qual foi o plano de segurança meteorológica e, em seguida, quais ações tomaram com base nesses alertas oportunos, a fim de garantir que as vidas das pessoas fossem salvas?”
De acordo com reportagem do New York Times de domingo, o escritório local do NWS também estava com cargos importantes vagos, incluindo um hidrólogo sênior, um meteorologista e um meteorologista responsável. Também estava ausente o meteorologista de coordenação de alertas do escritório — a pessoa que atua como elo entre o serviço meteorológico e o público e as autoridades de gestão de emergências — que aceitou a proposta do governo Trump de demissão incentivada no início deste ano.
Meteorologistas nos EUA e em todo o mundo expressaram preocupação com a “redução do número de balões meteorológicos” que observam vento, umidade relativa e pressão acima do solo, após os cortes estabelecidos por Donald Trump nas áreas de pesquisa e informação climática. Esforços para aprimorar a coordenação entre o serviço meteorológico, o governo e o público em geral podem em breve ser interrompidos. A NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administratin – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica) vinha pesquisando melhores maneiras de comunicar alertas de desastres, incluindo a melhoria da educação pública e dos sistemas de alerta precoce, mas sua divisão de Pesquisa Oceânica e Atmosférica enfrenta um corte orçamentário de 74%.
O orçamento proposto pelo presidente para 2026 também reduziria o financiamento para modelos especializados de tempestades de alta resolução, desenvolvidos especificamente para esse tipo de evento, de acordo com o cientista climático Daniel Swain, da Universidade da Califórnia. Ele observou que essa é uma área de pesquisa pioneira dos EUA, porque o país tem algumas das condições climáticas de tempestades mais extremas do mundo. “Quase todas as pesquisas no mundo, historicamente, para entender esses tipos de tempestades e prevê-las foram patrocinadas pelo governo federal dos EUA, e quase todos os avanços que fizemos foram financiados com dinheiro dos contribuintes americanos”, disse Swain. “Se não fizermos por nós mesmos, não teremos acesso a essas informações”, acrescentou.