ODS 1

Paulo Artaxo, entre Txai Suruí, Giovanna Nader, Alice Pataxó e Carlos Vicente após debate no Museu do Amanhã: fim de combustíveis fósseis e transição energética justa e rápida na pauta da COP30 (Foto: Leandro Ferreira)
Paulo Artaxo: se queima de combustíveis fósseis não parar, atuais cenários climáticos vão parecer ‘brincadeira de criança’
Físico brasileiro, integrante do painel climático da ONU, adverte que transição energética justa e rápida precisa ser tema central na COP30
Transformar a COP30 na “COP da virada”, como quer o presidente Lula, não é tarefa fácil. Mas também não é impossível. É, inclusive, “factível”, como defende Paulo Artaxo, membro da Academia Brasileira de Ciência e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2007, junto com uma equipe de cientistas. Apesar da combinação de desafios logísticos, geopolíticos e domésticos, o físico e professor da USP acredita que o resultado transformador da COP não seria apenas aprovar um financiamento climático de US$ 1,3 trilhão – ainda que considere muito importante. “Se conseguirmos pular de US$ 300 bilhões para US$ 600 bilhões já seria um grande salto”, comenta, acrescentando que, mais do que o financiamento climático propriamente dito, “é fundamental enfrentarmos uma questão filosófica nessa COP”.
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O ponto de virada tem nome e sobrenome: transição energética justa e rápida. “Esse é o nó da questão”, adverte Artaxo. Ainda que as florestas tropicais sejam peças-chave na questão das mudanças climáticas, 90% dos gases de efeito estufa vêm da queima de combustíveis fósseis. Em algumas regiões da Amazônia, a temperatura já atingiu 2,4ºC a 2,5ºC, o que tem levado à degradação florestal e a uma queda acentuada da precipitação. “A única maneira que temos de lidar com essa questão é acabando com a exploração de combustíveis fósseis, para que a floresta tenha condições de, nas próximas décadas, sobreviver de maneira sustentável”. Segundo Artaxo, o planeta está indo em direção a um aumento da temperatura da ordem de 4ºC a 4,5ºC e países como o Brasil são extremamente vulneráveis às mudanças climáticas.
O Brasil vem defendendo desde a COP28, em 2023, nos Emirados Árabes Unidos, a criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que já ficou conhecido como TFFF. É um mecanismo de financiamento que não tem nada a ver com mercado de carbono. É um fundo para conservação dos ambientes naturais e florestas tropicais, ou seja, estratégico para o Brasil, países africanos e o sudoeste da Ásia. A Floresta Amazônica, por exemplo, contém 120 bilhões de toneladas de carbono armazenados no topo das árvores e nas folhas, o que é equivalente a 10 anos de toda a queima de combustíveis fósseis do mundo. Se a degradação florestal se intensificar nas próximas décadas, comenta Artaxo, esse carbono vai para a atmosfera. “Se isso ocorrer, os cenários do IPCC vão virar brincadeira de criança e o aumento da temperatura global será bem maior que 3ºC.”
Nova geopolítica
A nova geopolítica do clima, com foco em financiamento, inclusão e justiça social, que constou da Declaração Conjunta da 17ªCúpula do Brics, que ocorreu no Rio de Janeiro em julho último, é um ponto de “virada” que Artaxo destaca. Juntos, os 11 países membros do Brics respondem por 40% da economia global e por uma parcela significativa das emissões globais de gases de efeito estufa, dado que quatro dos seus membros (China, Índia, Rússia e Brasil) estão entre os cinco maiores emissores do mundo.
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Os países do Brics, saliente, estão se articulando para superar a saída dos Estados Unidos da ordem global construída no pós-guerra. A China em particular, continua Artaxo, já deu sinais claros de que quer ocupar essa vaga, além de redobrar a aposta na economia verde. “Mas não vamos esperar que todos os problemas do mundo se resolvam na COP30”. A praticamente certa ausência do governo americano nas negociações não é nada bom, mas poderia ser pior. “Os Estados Unidos poderiam vir para atrapalhar, já que as decisões da ONU são por consenso e aí eles poderiam vir para bloquear todas as decisões”. Como tudo indica que os EUA estejam largando o multilateralismo, isso levará, inevitavelmente, à construção de um “novo multilaterialismo” e é aí é que entra a China e Europa, comentou Artaxo.
O físico participou de mais uma rodada de conversa da série “Papos Quentes”, que vem ocorrendo no Museu do Amanhã. Os encontros começaram em julho e vão até outubro. Na quinta 21, o tema “Floretas e Clima” foi debatido por Artaxo, Txai Suruí, jovem líder indígena de Rondônia, que faz parte do Grupo Consultivo da Juventude sobre Mudanças Climáticas – convite feito pelo secretário-geral da ONU, António Guterres –; Carlos Vicente, engenheiro florestal e coordenador da Iniciativa Inter-Religiosa pelas Florestas Tropicais no Brasil; e Alice Pataxó, liderança indígena e embaixadora do WWF-Brasil. A mediação foi feita por Giovanna Nader, do podcast “O tempo virou”.
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Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.