Paulo Artaxo: se queima de combustíveis fósseis não parar, atuais cenários climáticos vão parecer ‘brincadeira de criança’

Paulo Artaxo: se queima de combustíveis fósseis não parar, atuais cenários climáticos vão parecer ‘brincadeira de criança’

Por Liana Melo ODS 13

Físico brasileiro, integrante do painel climático da ONU, adverte que transição energética justa e rápida precisa ser tema central na COP30

Publicada em 26 de agosto de 2025 - 09:18 • Atualizada em 26 de agosto de 2025 - 11:10

Transformar a COP30 na “COP da virada”, como quer o presidente Lula, não é tarefa fácil. Mas também não é impossível. É, inclusive, “factível”, como defende Paulo Artaxo, membro da Academia Brasileira de Ciência e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2007, junto com uma equipe de cientistas. Apesar da combinação de desafios logísticos, geopolíticos e domésticos, o físico e professor da USP acredita que o resultado transformador da COP não seria apenas aprovar um financiamento climático de US$ 1,3 trilhão – ainda que considere muito importante. “Se conseguirmos pular de US$ 300 bilhões para US$ 600 bilhões já seria um grande salto”, comenta, acrescentando que, mais do que o financiamento climático propriamente dito, “é fundamental enfrentarmos uma questão filosófica nessa COP”.

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O ponto de virada tem nome e sobrenome: transição energética justa e rápida. “Esse é o nó da questão”, adverte Artaxo. Ainda que as florestas tropicais sejam peças-chave na questão das mudanças climáticas, 90% dos gases de efeito estufa vêm da queima de combustíveis fósseis. Em algumas regiões da Amazônia, a temperatura já atingiu 2,4ºC a 2,5ºC, o que tem levado à degradação florestal e a uma queda acentuada da precipitação. “A única maneira que temos de lidar com essa questão é acabando com a exploração de combustíveis fósseis, para que a floresta tenha condições de, nas próximas décadas, sobreviver de maneira sustentável”. Segundo Artaxo, o planeta está indo em direção a um aumento da temperatura da ordem de 4ºC a 4,5ºC e países como o Brasil são extremamente vulneráveis às mudanças climáticas.

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O Brasil vem defendendo desde a COP28, em 2023, nos Emirados Árabes Unidos, a criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que já ficou conhecido como TFFF. É um mecanismo de financiamento que não tem nada a ver com mercado de carbono. É um fundo para conservação dos ambientes naturais e florestas tropicais, ou seja, estratégico para o Brasil, países africanos e o sudoeste da Ásia. A Floresta Amazônica, por exemplo, contém 120 bilhões de toneladas de carbono armazenados no topo das árvores e nas folhas, o que é equivalente a 10 anos de toda a queima de combustíveis fósseis do mundo. Se a degradação florestal se intensificar nas próximas décadas, comenta Artaxo, esse carbono vai para a atmosfera. “Se isso ocorrer, os cenários do IPCC vão virar brincadeira de criança e o aumento da temperatura global será bem maior que 3ºC.”

Nova geopolítica

A nova geopolítica do clima, com foco em financiamento, inclusão e justiça social, que constou da Declaração Conjunta da 17ªCúpula do Brics, que ocorreu no Rio de Janeiro em julho último, é um ponto de “virada” que Artaxo destaca. Juntos, os 11 países membros do Brics respondem por 40% da economia global e por uma parcela significativa das emissões globais de gases de efeito estufa, dado que quatro dos seus membros (China, Índia, Rússia e Brasil) estão entre os cinco maiores emissores do mundo.

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Os países do Brics, saliente, estão se articulando para superar a saída dos Estados Unidos da ordem global construída no pós-guerra. A China em particular, continua Artaxo, já deu sinais claros de que quer ocupar essa vaga, além de redobrar a aposta na economia verde. “Mas não vamos esperar que todos os problemas do mundo se resolvam na COP30”. A praticamente certa ausência do governo americano nas negociações não é nada bom, mas poderia ser pior. “Os Estados Unidos poderiam vir para atrapalhar, já que as decisões da ONU são por consenso e aí eles poderiam vir para bloquear todas as decisões”. Como tudo indica que  os EUA estejam largando o multilateralismo, isso levará, inevitavelmente, à construção de um “novo multilaterialismo” e é aí é que entra a China e Europa, comentou Artaxo.

O físico participou de mais uma rodada de conversa da série “Papos Quentes”, que vem ocorrendo no Museu do Amanhã. Os encontros começaram em julho e vão até outubro. Na quinta 21, o tema “Floretas e Clima” foi debatido por Artaxo, Txai Suruí, jovem líder indígena de Rondônia, que faz parte do Grupo Consultivo da Juventude sobre Mudanças Climáticas – convite feito pelo secretário-geral da ONU, António Guterres –; Carlos Vicente, engenheiro florestal e coordenador da Iniciativa Inter-Religiosa pelas Florestas Tropicais no Brasil; e Alice Pataxó, liderança indígena e embaixadora do WWF-Brasil. A mediação foi feita por Giovanna Nader, do podcast “O tempo virou”.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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