ODS 1
Taxas de poupança e investimento da China são o triplo das registradas no Brasil

Governo chinês promete investir para consolidar presença no maior país da América Latina e pode torná-lo mais dependente do seu poder econômico

Não há desenvolvimento econômico e social sustentável, no longo prazo, com taxas de poupança e investimento inferiores a 20% do Produto Interno Bruto (PIB). O patamar mínimo viável para compensar a inexorável depreciação é de 25% do PIB. Quanto maiores forem essas taxas, maior será o potencial de desenvolvimento. A China é um exemplo claro de como níveis elevados de poupança e investimento são fundamentais para transformar a estrutura produtiva e elevar o bem-estar da população.
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O gráfico abaixo, com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostra que, ao longo de 50 anos, a China manteve taxas de poupança e investimento quase três vezes superiores às do Brasil. Na década de 1980, quando a renda per capita brasileira (em paridade de poder de compra) era mais de dez vezes maior que a da China, as taxas chinesas de poupança e investimento já eram o dobro das brasileiras. No início dos anos 2000, a diferença se acentuou: as taxas de poupança da China chegaram a ser mais de três vezes superiores às do Brasil.
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Veja o que já enviamosDesta forma, a China pode investir na capacidade produtiva do país, dar um impulso muito grande na saúde e na educação e construir uma rede de infraestrutura capilarizada e eficiente, permitindo um aumento do emprego e da produtividade do trabalho, aproveitando desta forma o primeiro e o segundo bônus demográficos. O país retirou cerca de 1 bilhão de pessoas da situação de pobreza absoluta.
A China se consolidou como a “fábrica do mundo”, tornando-se o maior exportador de bens da economia global e também um exportador de capital — ou seja, de poupança. O Brasil, em contraste, tem apresentado baixo crescimento econômico sustentado por uma produtividade do trabalho estagnada, permanece incapaz de desenvolver infraestrutura adequada com recursos próprios, enfrenta déficits estruturais em transações correntes e depende da poupança externa para financiar seus investimentos.

A interação Brasil-China tem se intensificado. Durante a Cúpula CELAC-China, que ocorreu em meados de maio de 2025, houve a presença de líderes latino-americanos e chineses, numa agenda intensa que faz parte dos eventos do chamado Sul Global. No evento, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (APEX) anunciou acordos bilaterais que somam US$ 27 bilhões em investimentos diretos de empresas chinesas no Brasil.
Entre as promessas, estão: a ampliação das operações de uma montadora chinesa; o aporte de uma empresa de tecnologia do setor de delivery; a criação de um centro de energia renovável no Piauí; e a construção de um parque industrial neutro em emissões de carbono. Parte dos investimentos chineses no Brasil já era conhecida. A novidade do fórum, entretanto, foi o foco nos aportes no setor de serviços.
Ou seja, a China promete exportar poupança para investir no Brasil e consolidar sua presença na cadeia produtiva do maior país da América Latina. Desta forma, consolida-se uma relação entre os dois países com a China fortalecendo sua presença internacional e o Brasil cada vez mais dependente do poderio econômico da China.
O gigante asiático tem uma relação proativa e o gigante da América do Sul uma relação passiva, isto é, o Brasil é receptor de capital e tecnologia asiática e exportador de commodities. A reprimarização da economia brasileira é quase uma reprodução do modelo primário-exportador da República Velha.
O resultado prático destas duas estratégias de desenvolvimento é mostrada no gráfico abaixo. O Brasil, em 1980, tinha uma renda per capita de US$ 13,7 mil, que era 17 vezes maior do que a renda per capita chinesa de US$ 782,4. Mesmo com uma renda tão baixa a China tinha taxas de poupança duas vezes maior. Em 2018 houve empate e em 2019 a renda per capita da China superou a brasileira. Em 2025, o FMI estima uma renda de US$ 19,9 mil no Brasil e de US$24,8 mil na China (20% maior). Para 2030, a estimativa do FMI é uma renda per capita de US$ 21,9 mil no Brasil e de US$ 30,4 mil na China (28% maior).

Sem dúvida, as taxas de poupança e investimento, expressas como percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), desempenham um papel crucial no desenvolvimento econômico e social de um país. A importância de criar capital próprio abrange diversos aspetos do desenvolvimento:
- Acumulação de capital e crescimento econômico:
- Financiamento do investimento: a poupança nacional representa a parcela da renda que não é consumida e, portanto, está disponível para financiar o investimento em capital físico (máquinas, equipamentos, infraestrutura), capital humano (educação, saúde) e tecnologia. Um nível elevado de poupança doméstica permite que um país financie seus próprios investimentos, reduzindo a dependência de capital estrangeiro;
- Aumento da produtividade: O investimento em capital e tecnologia leva a um aumento da produtividade do trabalho e da eficiência da produção. Com mais e melhores ferramentas e conhecimentos, os trabalhadores podem produzir mais bens e serviços, impulsionando o crescimento econômico de longo prazo;
- Expansão da Capacidade Produtiva: O investimento aumenta a capacidade produtiva da economia, permitindo que o país produza mais bens e serviços no futuro. Isso é essencial para sustentar o crescimento econômico e melhorar o padrão de vida da população.
- Estabilidade Macroeconômica:
- Redução da vulnerabilidade externa: países com altas taxas de poupança tendem a ser menos vulneráveis a choques externos, como crises financeiras globais ou flutuações nos fluxos de capital internacional. A capacidade de financiar o investimento internamente oferece maior autonomia e resiliência econômica;
- Controle da inflação: uma poupança robusta pode ajudar a controlar a inflação, pois aumenta a oferta de recursos domésticos para financiar o investimento, reduzindo a pressão sobre a demanda agregada;
- Sustentabilidade fiscal: em longo prazo, uma maior poupança nacional pode contribuir para a sustentabilidade fiscal, ao reduzir a necessidade de endividamento público para financiar investimentos em infraestrutura e outros projetos de desenvolvimento.
- Desenvolvimento social:
- Geração de emprego: o investimento financiado pela poupança leva à criação de novas empresas, à expansão das existentes e, consequentemente, à geração de mais empregos;
- Melhoria do padrão de vida: o crescimento econômico sustentado, impulsionado pelo investimento, resulta em aumento da renda per capita, permitindo que as famílias tenham acesso a melhores bens e serviços, incluindo educação, saúde e moradia;
- Redução da desigualdade: investimentos estratégicos em capital humano e infraestrutura podem contribuir para reduzir as desigualdades sociais e regionais, ao criar oportunidades para grupos menos favorecidos e ao melhorar a qualidade de vida em áreas menos desenvolvidas.
Elevadas ou baixas taxas de poupança e investimento fazem parte de duas opostas estratégias de desenvolvimento: a China utilizou a “Export-Led Growth” (crescimento impulsionado pelas exportações) e o Brasil a estratégia “Import Substitution” (substituição de importações). Cada uma possui suas próprias características:
- Export-Led Growth (Crescimento impulsionado pelas exportações)
Esta estratégia enfatiza o crescimento econômico através da expansão das exportações. O país busca identificar setores nos quais possui vantagens comparativas (como recursos naturais abundantes, mão de obra barata ou tecnologia específica) e direciona políticas para aumentar a produção e a competitividade desses bens e serviços no mercado internacional.
Mecanismos principais: a) Incentivos à exportação: políticas governamentais que oferecem subsídios, isenções fiscais, crédito facilitado e apoio à comercialização para empresas exportadoras; b) Abertura comercial: Redução de barreiras tarifárias e não tarifárias para facilitar o comércio internacional e o acesso a mercados estrangeiros; c) Investimento em infraestrutura: desenvolvimento de portos, aeroportos, estradas e telecomunicações para otimizar a logística de exportação; d) Foco na competitividade: políticas para melhorar a qualidade dos produtos, aumentar a eficiência da produção e adotar tecnologias avançadas; e) Taxas de câmbio competitivas: manutenção de uma taxa de câmbio que torne os produtos nacionais mais baratos para compradores estrangeiros.
Vantagens Potenciais: a) Acesso a mercados maiores: as empresas podem se beneficiar de uma demanda global muito maior do que a demanda doméstica; b) Economias de escala: a produção em larga escala para exportação pode reduzir os custos unitários; c) Transferência de tecnologia e conhecimento: a competição internacional e a interação com mercados globais podem estimular a adoção de novas tecnologias e melhores práticas; d) Geração de divisas: as exportações trazem moeda estrangeira, essencial para financiar importações de bens de capital e outros insumos necessários para o desenvolvimento; e) Crescimento econômico mais rápido: o sucesso nas exportações pode impulsionar o crescimento do PIB e a criação de empregos.
Desvantagens e riscos: a) Dependência de mercados externos: a economia se torna vulnerável a flutuações na demanda global, recessões em países parceiros e políticas comerciais protecionistas; b) Competição intensa: é preciso competir com outros países exportadores, o que exige constante inovação e manutenção da competitividade; c) Potencial exploração de recursos e trabalho: a busca por custos de produção mais baixos pode levar à exploração de recursos naturais e da mão de obra; d) Desenvolvimento desigual: o foco em setores exportadores pode levar a um desenvolvimento desigual entre diferentes setores da economia.
- Import Substitution (Substituição de importações)
Esta estratégia busca promover o desenvolvimento industrial através da proteção das indústrias nacionais da concorrência estrangeira. O objetivo é substituir bens que eram anteriormente importados por produtos fabricados domesticamente.
Mecanismos Principais: a) Protecionismo: imposição de altas tarifas de importação, quotas e outras barreiras não tarifárias para tornar os produtos importados mais caros e menos acessíveis; b) Subsídios e crédito subsidiado: apoio financeiro e incentivos fiscais para as indústrias nascentes; c) Investimento estatal: O governo pode investir diretamente em setores considerados estratégicos; d) Políticas de conteúdo local: exigência de que uma certa porcentagem dos componentes de um produto seja fabricada localmente; e) Controles cambiais: restrições à compra e venda de moeda estrangeira para limitar as importações.
Vantagens Potenciais: a) Desenvolvimento industrial doméstico: criação e fortalecimento de indústrias nacionais, gerando empregos e aumentando a capacidade produtiva do país; b) redução da Dependência externa: menor vulnerabilidade a choques externos e maior autonomia econômica; c) Estímulo ao mercado interno: criação de um mercado doméstico para os produtos nacionais; d) Aprendizado e desenvolvimento tecnológico: a produção local pode levar ao desenvolvimento de habilidades e tecnologias.
Desvantagens e riscos: a) Ineficiência e falta de competitividade: a proteção excessiva pode levar a indústrias ineficientes, com produtos de baixa qualidade e preços elevados, devido à falta de concorrência; b) Mercado doméstico limitado: a demanda interna pode não ser suficiente para gerar economias de escala; c) Retaliação comercial: outros países podem retaliar com barreiras às exportações do país que adota a substituição de importações; d) Corrupção e lobby: a proteção industrial pode gerar oportunidades para corrupção e influência indevida de grupos de interesse; e) Endividamento: o investimento estatal em indústrias pode levar ao aumento da dívida pública.
Desta forma, a estratégia “Export-Led Growth” busca integrar a economia ao mercado global, aproveitando as vantagens comparativas para impulsionar o crescimento através das exportações. O sucesso desta estratégia geralmente depende da capacidade do país de manter a competitividade em um ambiente global dinâmico. A estratégia “Import Substitution” foca no desenvolvimento de indústrias domésticas protegidas da concorrência estrangeira, visando a autossuficiência e a redução da dependência externa. No entanto, essa estratégia pode levar a ineficiências e isolamento da economia.
O Brasil conseguiu tirar proveito da estratégia de “Substituição de Importações” entre 1950 e 1980, quando apresentou grande crescimento econômico e aumento da renda per capita. Mas a partir dos anos de 1980 a estratégia orientada para as exportações passou a apresentar melhores resultados, especialmente entre os países do leste asiático.
O sucesso da estratégia da China pode ser ilustrada pelo gráfico abaixo. O Brasil tinha um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) bem superior ao da China em 1990 e se manteve à frente até 2015. Mas na última década o IDH da China superou o IDH brasileiro, levando vantagem nos 3 indicadores do IDH: saúde (expectativa de vida), educação (anos de estudo) e renda per capita (em ppp).

Em resumo: Altas taxas de poupança e investimento como percentagem do PIB são fundamentais para um ciclo virtuoso de desenvolvimento econômico e social. A poupança fornece os recursos necessários para o investimento, que por sua vez impulsiona o crescimento econômico, gerando empregos, elevando o padrão de vida e contribuindo para a estabilidade macroeconômica e a redução das desigualdades. Países que consistentemente mantêm taxas elevadas de poupança e investimento tendem a apresentar um desenvolvimento mais robusto e sustentável ao longo do tempo. A China conseguiu avançar de maneira extraordinária nos últimos 45 anos e o Brasil tem muito a aprender com o gigante asiático.
A 17ª Cúpula do grupo BRICS no Rio de Janeiro
A 17ª Cúpula do BRICS acontecerá no Rio de Janeiro, nos dias 6 e 7 de julho de 2025. O Brasil assumiu a presidência rotativa do bloco em 1º de janeiro de 2025 e manterá essa posição até 31 de dezembro do mesmo ano. Com o tema “Fortalecendo a cooperação Sul-Sul para uma governança mais inclusiva e sustentável”, a presidência brasileira do BRICS terá duas prioridades principais: a) Cooperação Sul-Sul: focando na colaboração entre países em desenvolvimento e b) Parcerias BRICS para o desenvolvimento social, econômico e ambiental: buscando avançar em áreas cruciais para os membros.
A Cúpula do BRICS acontece em um cenário global complexo, marcado pelo protecionismo no comércio internacional (como o “tarifaço” de Trump), ataques ao multilateralismo e conflitos geopolíticos como as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. Desta forma, a Cúpula do BRICS de 2025 é vista como uma oportunidade para os países membros reforçarem o multilateralismo, buscarem a reforma da governança global em favor dos países em desenvolvimento e avançarem em parcerias estratégicas. O Brasil defenderá que o BRICS atue de forma mais coordenada em temas como comércio, infraestrutura e transições energética e digital.
Porém, a ausência dos presidentes Vladimir Putin (Rússia) e Xi Jinping (China) na 17ª Cúpula do BRICS, sem dúvida, enfraquece o protagonismo do bloco. A principal razão para a ausência de Putin é o mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra na Ucrânia. A ausência de Xi é mais surpreendente, pois seria a primeira vez que ele faltaria a uma cúpula do BRICS presencialmente (ele participou virtualmente durante a pandemia). A China será representada pelo primeiro-ministro, Li Qiang. A participação do presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, ainda não está confirmada.
Como anfitrião da Cúpula do BRICS e tendo acabado de concluir a presidência do G20, em novembro de 2024, o Brasil se encontra em uma posição estratégica na geopolítica global. O Brasil tem a chance de maximizar os benefícios de sua participação em ambos os grupos, possibilitando alcançar seus objetivos de política externa. O Brasil também sediará a COP30, em Belém (PA), nos dias 6 e 7 de novembro de 2025, para avançar na pauta da sustentabilidade ambiental.
Participar ativamente das atividades da ONU, do Mercosul, do BRICS, do G20, do Acordo de Paris e de outros fóruns internacionais é fundamental para a inserção soberana do Brasil na dinâmica da governança global. Um país economicamente forte e com controle sobre suas finanças tem maior credibilidade e poder de barganha nas discussões sobre a governança global.
Assim, além de marcar presença nos diversos espaços globais, o país precisa fazer o dever de casa e construir uma política macroeconômica sólida e independente, reduzindo a dependência de poupança, investimentos e tecnologias estrangeiras. Para tanto, é preciso aumentar a capacidade de gerar recursos internos para o desenvolvimento.
Como já assinalou o jornalista e escritor Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho (1897–2000), em livro de 1973: “O capital se faz em casa”.
Referências:
ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides, IHU, 21/06/2018 http://www.ihu.unisinos.br/580107-a-ascensao-da-china-a-disputa-pela-eurasia-e-a-armadilha-de-tucidides-entrevista-especial-com-jose-eustaquio-diniz-alves
ALVES, JED. China e Índia potências econômicas do passado e potências do futuro, # Colabora, 22/05/2023
https://projetocolabora.com.br/ods12/china-e-india-potencias-economicas-do-passado-e-do-futuro/

José Eustáquio Diniz Alves
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.