O Projeto Conservador das Águas, que mantém a qualidade dos mananciais da Serra da Cantareira, da prefeitura do município mineiro de Extrema; o Projeto Oásis da Fundação Boticário; o Projeto Reflorestar, para conservação e recuperação da cobertura florestal, desenvolvido pelo governo do Espírito Santo; Programa Produtor de Água, da Agência Nacional de Águas; o Programa Estadual de Certificação de Unidades Produtivas Familiares do Acre – há exemplos espalhados pelo país de pagamentos por serviços ambientais (PSA). Mas, só agora após 13 anos de tramitação no Congresso, a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, finalmente, virou lei.
Com a derrubada dos vetos do presidente Bolsonaro, no começo de abril, foi aberto o caminho para a criação de um sistema nacional para pagar agricultores e comunidades locais para proteger os habitats naturais que fornecem serviços ambientais essenciais, como água e armazenamento de carbono. O caminho, porém, ainda é longo. “A política cria um marco legal e gera segurança jurídica para os esquemas de PSA, porém não cria nenhum mecanismo para atrair recursos”, alerta a pesquisadora Erika Pinto, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que liderou a Força-Tarefa PSA da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
A Lei nº 14.119/2021 reconhece várias modalidades de pagamento por serviços ambientais como pagamento direto (monetário ou não), prestação de melhorias sociais a comunidades rurais e urbanas, títulos verdes e compensação vinculada a certificado de REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal). A nova lei também prioriza comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares e reconhece setor privado, das Oscip e de outras organizações não governamentais como organizadores, financiadores e gestores de projetos de PSA e como indutores de mercados voluntários.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosNa avaliação da Coalizão Brasil, o PSA é uma ferramenta importante para incentivar a preservação das florestas e um instrumento complementar à fiscalização, que pune quem está fazendo algo ilegal. O PSA valoriza atitudes positivas. A lei criou um Programa Federal de PSA para sua implementação. “É necessário agora um processo de regulamentação da lei com ampla participação dos diferentes setores da sociedade, incluindo o público prioritário da política: comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares”, aponta Érika Pinto.
A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura – movimento formado por mais de 280 representantes do agronegócio, setor financeiro, sociedade civil e academia – acompanhou a aprovação do projeto no fim do ano passado e trabalhou pela manutenção do texto original. “A derrubada dos vetos assegura mecanismos de governança e transparência”, destaca a líder da Força Tarefa PSA da Coalizão Brasil.
Bolsonaro havia vetado a criação de um órgão colegiado para avaliar o programa, propor prioridades e critérios de aplicação dos recursos e monitorar a conformidade dos investimentos realizados com os objetivos e as diretrizes da Política Nacional de PSA. Para ambientalistas, este órgão colegiado tinha importância fundamental para dar credibilidade ao programa e atrair investidores.
Também foi derrubado veto de Bolsonaro a Cadastro Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais, que tem o objetivo de garantir a transparência na movimentação de recursos – em especial quem está recebendo e em qual local, o que ajuda a evitar eventuais duplicidades – e a dar segurança jurídica ao acordo celebrado entre as partes. De acordo com a pesquisadora, a derrubada dos vetos era fundamental para atrair investidores interessados.
Coordenador da Frente Parlamentar da Economia Verde e relator do projeto de lei na Câmara, o deputado Arnaldo Jardim lembra que a derrubada do veto foi possível porque a lei havia sido muito discutida por setores de produção e da preservação e alcançado alto grau de consenso. O parlamentar acredita que a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais constitui “um passaporte para a participação do Brasil na COP-26, em Glasgow”, e para o país retomar seu papel de referência global na política ambiental.
Para a líder da Força-Tarefa PSA da Coalizão Brasil, o país precisa fazer mais para atrair investimentos no PSA. “O Brasil precisa frear as medidas que tem representado um retrocesso na agenda ambiental do país e dar sinais de que é capaz de cumprir seus compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa: reverter o crescente aumento do desmatamento dos últimos anos, implementar o mercado de carbono já previsto na política nacional de mudanças climáticas, regulamentar o artigo 41 do Código Florestal que prevê estimular um mercado de serviços ambientais, retomar as ações promovidas com recursos do Fundo Amazônia”, alerta Érika Pinto. “Caso contrário, investidores não se sentirão seguros de colocar recursos para esta agenda no país”.
Os vetos de Bolsonaro, na maioria, foram derrubados, mas não todos. Os parlamentares mantiveram vetos aos artigos 18 e 19 que previam incentivos. E ainda falta votar o veto ao artigo 17 estabelecendo que os valores recebidos a título de pagamento pela prestação de serviços ambientais não integrariam a base de cálculo do IR, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), do PIS/Pasep e da Cofins. “O setor privado pode ser mais atraído para os esquemas se pudermos oferecer, pelo menos, isenção fiscal. Para isso, teremos que derrubar o veto que retira os incentivos tributários e fiscais”, aponta a pesquisadora Érika Pinto.