O campo contra a crise hídrica

Cachoeira do rio Jaguari no município de Extrema: cidade mineira é pioneira em pagamentos por serviços ambientais (Foto: Mirian Fichtner – 05/02/2018)

Cidade de Extrema dá incentivo a produtores rurais para cuidarem das nascentes dos rios e ganha reconhecimento da ONU como uma das melhores práticas mundiais de conservação

Por Liana Melo | Conteúdo de marca • Publicada em 19 de março de 2018 - 17:49 • Atualizada em 18 de março de 2020 - 17:21

Cachoeira do rio Jaguari no município de Extrema: cidade mineira é pioneira em pagamentos por serviços ambientais (Foto: Mirian Fichtner – 05/02/2018)

Com pouco mais de 30 mil habitantes, a cidade de Extrema, que no mapa de Minas Gerais fica no extremo sul do estado – o que justifica seu nome – e faz divisa com São Paulo, tinha tudo para ser mais um dos inúmeros municípios do interior do país esquecido no mapa. Só que a cidade, em um trabalho que envolveu os produtores rurais locais, rompeu a barreira do anonimato ao se transformar na primeira do país a pagar por serviço ambiental, o que rendeu fama internacional. As Nações Unidas (ONU) reconheceram o projeto Conservador das Águas como uma das melhores práticas mundiais de conservação e a prática foi replicada Brasil afora.

Ao ganhar o Prêmio Internacional de Dubai 2012 de Melhores Práticas para Melhoria das Condições de Vida, Extrema foi a única cidade da América Latina a ser premiada. O reconhecimento veio às vésperas da crise hídrica que abateu-se sobre São Paulo, em 2014. Mas, afinal, o que Extrema, uma cidade pacata, onde a lentidão dita o ritmo da vida no meio rural, tem a ver com a crise hídrica em São Paulo, a megalópole brasileira? Tudo.

Arte de Fernando Alvarus

É nas montanhas de Extrema que nasce o rio Jaguari, o principal formador do sistema Cantareira, que, por sua vez, abastece a região metropolitana de São Paulo, com seus 12 milhões de pessoas e responsável por 20% do produto interno bruto (PIB) nacional. A região também abriga os afluentes do Jundiaí e Piracicaba, responsáveis pelo abastecimento das cidades paulistas de Jundiaí e Campinas, respectivamente. Num cenário de incerteza climática, onde a água está virando artigo raro, Extrema vem, há 12 anos, pagando seus produtores rurais para cuidar das nascentes. Não foi fácil driblar o jeito desconfiado do mineiro, um dos traços de personalidade de um povo que reafirma suas características com ditados usados a esmo no meio das frases, como “O seguro morreu de velho” ou “Dorme no chão pra não cair da cama”.

Secretario de Meio Ambiente de Extrema, Paulo Henrique Pereira. Foto de Mirian Fichtner

Um fusca e uma mula

“Começamos com um fusca, uma mula e dois funcionários”, lembra o secretário de Meio Ambiente de Extrema, Paulo Henrique Pereira, apontado como o pai do projeto Conservador das Águas. Concebido em 2005 com o objetivo de manter a qualidade dos mananciais de Extrema, a estratégia era adotar um conjunto de mecanismos preventivos para aumentar a cobertura florestal nas sub-bacias hidrográficas, o que funciona, na prática, como uma espécie de seguro contra secas e enchentes. E também reduzir a poluição, difundir o conceito de manejo integrado de vegetação, solo e água, e garantir a sustentabilidade socieconômica e ambiental por meio de incentivos financeiros aos proprietários rurais. Criou-se, então, uma moeda, a Ufex (Unidade Fiscal de Extrema), lastreada em um hectare de terra. Quando foi lançada, uma Ufex valia R$ 1,52, por hectare de terra. Com base na variação do INPC, a Ufex valeu R$ 2,90, em 2017. Os agricultores recebem o valor mensalmente. O projeto foi inspirado no Programa Produtor de Águas, da Agência Nacional de Águas (ANA).

Doze anos depois, parcerias sólidas firmadas com ONGs, universidades e produtores rurais, o projeto não só acumulou prêmios, como ajudou a mudar o perfil socioeconômico do município. Atraídas pela possibilidade de instalarem-se numa cidade onde a água é abundante, empresas de grande porte, inclusive multinacionais, como a Panasonic, passaram a ver vantagem na cidade. Com mais indústrias, a prefeitura encheu o cofre e investiu em educação e saúde. Como recompensa, ganhou o título de cidade mais desenvolvida do Brasil, segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM). A cidade ganhou nota 0,9050, num índice que varia de 0 a 1: quanto mais próximo de 1, melhor é o desenvolvimento da cidade. A avaliação leva em consideração emprego e renda, saúde e educação. Extrema ficou em primeiro lugar num ranking de 431 municípios que possuem um desenvolvimento considerado alto.

Familia Frois,pioneira no programa, no trabalho do dia a dia da fazenda (Foto Mirian Fichtner)

Árvores em série

O pai de José Frois, pequeno produtor de leite em Extrema, foi o primeiro parceiro do projeto Conservador das Águas. Seu Sebastião, como era conhecido, já faleceu, mas a permanência da família foi fundamental para estimular outros produtores da região a aderirem ao projeto. Hoje, são 1,3 milhão de árvores nativas plantadas em 6.378 hectares protegidos pelo projeto e 224 contratos efetivados em propriedades rurais beneficiadas com o PSA (pagamento por serviço ambiental). E mais: 264.335 metros de cercas construídas, implantação de 1.000 bacias de contenção de águas pluviais e 40 mil metros de terraços em 100 hectares. O investimento no programa já totaliza R$ 10 milhões, dos quais R$ 4 milhões serviram para pagar os produtores e o restante foi usado no plantio de mudas e a construção de cercas.

Imagens de fazenda em Extrema antes e depois do reflorestamento. (Foto divulgacao)

Ainda é prematuro medir o impacto do projeto Conservador das Águas em Extrema e afirmar que houve aumento da oferta de água. O que foi constatado, lembra o secretário de Meio Ambiente, é que, em 2014, no auge da crise hídrica, os produtores que recompuseram as nascentes passaram ao largo a escassez hídrica. Com o sucesso do projeto, a vida de Pereira destoa da dos seus pares lotados nas cidades do interior do país. A cidade vive recebendo visitantes, nacionais e internacionais, interessados em conhecer o projeto ao vivo e em cores. Ele calcula que umas 600 delegações desembarcaram em Extrema nos últimos anos.

Arte de Fernando Alvarus

Inspiração Brasil afora

O sucesso do projeto de Extrema foi fundamental para clonar a ideia Brasil afora. Segundo gerente de Uso Sustentável da Água e do Solo da ANA, Devanir Garcia dos Santos, são 80 projetos em andamento no país, a maioria deles concentrados na região Sudeste. Em 2015, o projeto Conservador das Águas ganhou contornos ainda maiores. Foi criado o Conservador Mantiqueira, que vai beneficiar 284 cidades paulistas, mineiras e cariocas. É na Mantiqueira que nasce rios como o Paraíba do Sul, que abastece a cidade do Rio de Janeiro e o Grande Rio. A área beneficiada será de 1,2 milhão de hectares, o que, segundo Pereira, após serem reflorestadas, vão representar o equivalente a 10% da meta assumida pelo Brasil na Conferência do Clima de Paris, a COP21. O país se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030.

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Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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