Com pouco mais de 30 mil habitantes, a cidade de Extrema, que no mapa de Minas Gerais fica no extremo sul do estado – o que justifica seu nome – e faz divisa com São Paulo, tinha tudo para ser mais um dos inúmeros municípios do interior do país esquecido no mapa. Só que a cidade, em um trabalho que envolveu os produtores rurais locais, rompeu a barreira do anonimato ao se transformar na primeira do país a pagar por serviço ambiental, o que rendeu fama internacional. As Nações Unidas (ONU) reconheceram o projeto Conservador das Águas como uma das melhores práticas mundiais de conservação e a prática foi replicada Brasil afora.
Ao ganhar o Prêmio Internacional de Dubai 2012 de Melhores Práticas para Melhoria das Condições de Vida, Extrema foi a única cidade da América Latina a ser premiada. O reconhecimento veio às vésperas da crise hídrica que abateu-se sobre São Paulo, em 2014. Mas, afinal, o que Extrema, uma cidade pacata, onde a lentidão dita o ritmo da vida no meio rural, tem a ver com a crise hídrica em São Paulo, a megalópole brasileira? Tudo.
É nas montanhas de Extrema que nasce o rio Jaguari, o principal formador do sistema Cantareira, que, por sua vez, abastece a região metropolitana de São Paulo, com seus 12 milhões de pessoas e responsável por 20% do produto interno bruto (PIB) nacional. A região também abriga os afluentes do Jundiaí e Piracicaba, responsáveis pelo abastecimento das cidades paulistas de Jundiaí e Campinas, respectivamente. Num cenário de incerteza climática, onde a água está virando artigo raro, Extrema vem, há 12 anos, pagando seus produtores rurais para cuidar das nascentes. Não foi fácil driblar o jeito desconfiado do mineiro, um dos traços de personalidade de um povo que reafirma suas características com ditados usados a esmo no meio das frases, como “O seguro morreu de velho” ou “Dorme no chão pra não cair da cama”.
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Veja o que já enviamosUm fusca e uma mula
“Começamos com um fusca, uma mula e dois funcionários”, lembra o secretário de Meio Ambiente de Extrema, Paulo Henrique Pereira, apontado como o pai do projeto Conservador das Águas. Concebido em 2005 com o objetivo de manter a qualidade dos mananciais de Extrema, a estratégia era adotar um conjunto de mecanismos preventivos para aumentar a cobertura florestal nas sub-bacias hidrográficas, o que funciona, na prática, como uma espécie de seguro contra secas e enchentes. E também reduzir a poluição, difundir o conceito de manejo integrado de vegetação, solo e água, e garantir a sustentabilidade socieconômica e ambiental por meio de incentivos financeiros aos proprietários rurais. Criou-se, então, uma moeda, a Ufex (Unidade Fiscal de Extrema), lastreada em um hectare de terra. Quando foi lançada, uma Ufex valia R$ 1,52, por hectare de terra. Com base na variação do INPC, a Ufex valeu R$ 2,90, em 2017. Os agricultores recebem o valor mensalmente. O projeto foi inspirado no Programa Produtor de Águas, da Agência Nacional de Águas (ANA).
Doze anos depois, parcerias sólidas firmadas com ONGs, universidades e produtores rurais, o projeto não só acumulou prêmios, como ajudou a mudar o perfil socioeconômico do município. Atraídas pela possibilidade de instalarem-se numa cidade onde a água é abundante, empresas de grande porte, inclusive multinacionais, como a Panasonic, passaram a ver vantagem na cidade. Com mais indústrias, a prefeitura encheu o cofre e investiu em educação e saúde. Como recompensa, ganhou o título de cidade mais desenvolvida do Brasil, segundo o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM). A cidade ganhou nota 0,9050, num índice que varia de 0 a 1: quanto mais próximo de 1, melhor é o desenvolvimento da cidade. A avaliação leva em consideração emprego e renda, saúde e educação. Extrema ficou em primeiro lugar num ranking de 431 municípios que possuem um desenvolvimento considerado alto.
Árvores em série
O pai de José Frois, pequeno produtor de leite em Extrema, foi o primeiro parceiro do projeto Conservador das Águas. Seu Sebastião, como era conhecido, já faleceu, mas a permanência da família foi fundamental para estimular outros produtores da região a aderirem ao projeto. Hoje, são 1,3 milhão de árvores nativas plantadas em 6.378 hectares protegidos pelo projeto e 224 contratos efetivados em propriedades rurais beneficiadas com o PSA (pagamento por serviço ambiental). E mais: 264.335 metros de cercas construídas, implantação de 1.000 bacias de contenção de águas pluviais e 40 mil metros de terraços em 100 hectares. O investimento no programa já totaliza R$ 10 milhões, dos quais R$ 4 milhões serviram para pagar os produtores e o restante foi usado no plantio de mudas e a construção de cercas.
Ainda é prematuro medir o impacto do projeto Conservador das Águas em Extrema e afirmar que houve aumento da oferta de água. O que foi constatado, lembra o secretário de Meio Ambiente, é que, em 2014, no auge da crise hídrica, os produtores que recompuseram as nascentes passaram ao largo a escassez hídrica. Com o sucesso do projeto, a vida de Pereira destoa da dos seus pares lotados nas cidades do interior do país. A cidade vive recebendo visitantes, nacionais e internacionais, interessados em conhecer o projeto ao vivo e em cores. Ele calcula que umas 600 delegações desembarcaram em Extrema nos últimos anos.
Inspiração Brasil afora
O sucesso do projeto de Extrema foi fundamental para clonar a ideia Brasil afora. Segundo gerente de Uso Sustentável da Água e do Solo da ANA, Devanir Garcia dos Santos, são 80 projetos em andamento no país, a maioria deles concentrados na região Sudeste. Em 2015, o projeto Conservador das Águas ganhou contornos ainda maiores. Foi criado o Conservador Mantiqueira, que vai beneficiar 284 cidades paulistas, mineiras e cariocas. É na Mantiqueira que nasce rios como o Paraíba do Sul, que abastece a cidade do Rio de Janeiro e o Grande Rio. A área beneficiada será de 1,2 milhão de hectares, o que, segundo Pereira, após serem reflorestadas, vão representar o equivalente a 10% da meta assumida pelo Brasil na Conferência do Clima de Paris, a COP21. O país se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas até 2030.
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