ODS 1
Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Conheça as reportagens do Projeto Colabora guiadas pelo ODS 1.
Veja mais de ODS 1Imagine acordar em uma casa que literalmente flutua sobre as águas mansas de uma represa, tendo à vista somente a mata e as montanhas ao redor. Lançado em dezembro de 2019 pelo empresário argentino Facundo Guerra, proprietário de algumas das mais badaladas casas noturnas de São Paulo, a Altar (@altar.br) nasceu com o propósito de oferecer um tipo de hospedagem fora do comum, em completa conexão com a natureza. Ancorado na represa entre os municípios de Piracaia e Joanópolis, interior de São Paulo, o modelo flutuante, batizado de Altar Água, promete silêncio e paz de espírito à prova de vizinhos. Mesmo antes da pandemia, já tinha tudo para emplacar. Mas nem Guerra poderia imaginar, naqueles meses que antecederam a chegada do novo coronavírus ao Brasil, que sua ideia cairia como uma luva em tempos de distanciamento social. Tanto que o aluguel salgado anunciado na plataforma Airbnb, R$ 1230 por noite, não tem espantado os interessados – datas livres, só a partir de setembro de 2021.
O turismo de isolamento, segundo pesquisa realizada pelo próprio Airbnb, é a bola da vez. Relaxamento é a sensação que 44% dos entrevistados buscam na primeira viagem pós-pandemia, enquanto 34% procuram conforto e 33% priorizam segurança. Só que o público já não busca esse tipo de sensação em qualquer lugar – para 51% das pessoas ouvidas pela pesquisa, a sustentabilidade e a conexão com o meio ambiente são decisivos na hora de escolher a acomodação. Entre os mais jovens, com menos de 50 anos, 56% privilegiam as chamadas acomodações verdes. Foi dentro desse conceito, explica Guerra, que nasceu a Altar. “A classe média intelectualizada está saturada de tanta conexão, ninguém mais tem férias. Por isso colocamos nosso protótipo na represa considerada a mais limpa do Brasil. Sem conexão com o mundo externo, você se reconecta consigo mesmo”, filosofa.
A falta de conexão com o exterior não é retórica – a casa não está ligada a qualquer tubulação, por ser capaz de captar água, tratar o esgoto, gerar energia (através de energia solar) e transformar lixo orgânico em gás. Parece barco, mas não é. Pesados compartimentos estanques permitem que ela flutue praticamente sem balançar e impedem que a casa afunde, caso um deles seja danificado por acidente. Como fica ancorada a 30 metros da margem, a estrutura gira devagar ao sabor dos ventos, descortinando novas paisagens ao longo do dia. O sucesso da empreitada foi tamanho que a Altar já construiu uma segunda unidade, a Altar Prainha, lançada oficialmente em outubro de 2020. O conceito é parecido, mas em terra firme – a casa foi equipada com usina solar fotovoltaica e biodigestor, mas a água chega pela tubulação externa. Localizada em uma elevação a poucos metros da represa, diante de uma prainha de água doce privativa, tem fachada de vidro com proteção contra raios UV, para que os hóspedes contemplem a paisagem, e também pode ser alugada pelo Airbnb por R$ 1119 a diária – há datas disponíveis a partir de abril de 2021.
Ambas têm plantas enxutas, com 40 a 50 m² de área interna, decoração simples e sofisticada e pequenos luxos que justificam o preço, como sistema de som, equipamento que projeta filmes com alta definição nas paredes (inclusive na área externa), lareira, cama queen size com enxoval de grife, fogão, geladeira, churrasqueira e micro-ondas. No boxe envidraçado, sabonete e shampoo são orgânicos e biodegradáveis, compatíveis com o sistema de tratamento de água. Caiaques são oferecidos gratuitamente, mas passeios de barco ou a cavalo, caminhadas e outras aventuras podem ser agendadas e pagas à parte.
Os métodos construtivos, embora distintos, foram escolhidos porque demandam obras rápidas e limpas, livres de resíduos e entulho. O modelo flutuante foi construído pela startup brasileira Syshaus – paredes de drywall, encaixadas em estruturas de aço, saem prontas de fábrica e são montadas no terreno, como um Lego. Já a Altar Prainha é obra da Cubicset Construções Modulares, que adota a Cross Laminated Timber (CLT) como matéria-prima. Mais conhecida como madeira engenheirada, compõe-se de longas lâminas de madeira de reflorestamento, coladas em sentidos opostos e submetidas a pressão em prensas hidráulicas, formando chapas leves e muito resistentes.
Só um detalhe deixou de ser previsto na Altar Prainha e exigiu adaptação do projeto. “A casa fica dentro da floresta, onde há muitos insetos, mas não se podia fechar as janelas por causa do calor. O jeito foi instalar ar condicionado, mas ele também é alimentado pela energia solar”, explica Guerra. Dar visibilidade às soluções sustentáveis das construções, diz o empresário, faz diferença para seu público – em sua maioria, adultos entre 20 e muitos e 40 e poucos anos, com destaque para casais LGBT, na companhia de uma ou duas crianças pequenas. “Para essa clientela, a sustentabilidade é um atributo tão importante quanto o preço da diária.”
Carioca radicada em São Paulo desde 1999, Flávia G Pinho pode ter virado paulistana, mas cuida para não perder o sotaque. Depois de passar por grandes (e saudosas) redações, passou a atuar como freelancer em 2016. Comida é sua paixão e assunto predileto, mas ela não perde a chance de contar uma boa história, seja de que assunto for.