O mínimo de impacto ambiental e o máximo de distanciamento social

Na pandemia, turismo de isolamento ganha impulso e casas sustentáveis atraem visitantes em busca também de conexão com o meio ambiente

Por Flávia G. Pinho | ODS 12ODS 9 • Publicada em 3 de fevereiro de 2021 - 10:29 • Atualizada em 10 de fevereiro de 2021 - 09:24

Casa flutuante em represa paulista: turismo de isolamento ganha impulso com a pandemia (Foto: Divulgação)

Imagine acordar em uma casa que literalmente flutua sobre as águas mansas de uma represa, tendo à vista somente a mata e as montanhas ao redor. Lançado em dezembro de 2019 pelo empresário argentino Facundo Guerra, proprietário de algumas das mais badaladas casas noturnas de São Paulo, a Altar (@altar.br) nasceu com o propósito de oferecer um tipo de hospedagem fora do comum, em completa conexão com a natureza. Ancorado na represa entre os municípios de Piracaia e Joanópolis, interior de São Paulo, o modelo flutuante, batizado de Altar Água, promete silêncio e paz de espírito à prova de vizinhos. Mesmo antes da pandemia, já tinha tudo para emplacar. Mas nem Guerra poderia imaginar, naqueles meses que antecederam a chegada do novo coronavírus ao Brasil, que sua ideia cairia como uma luva em tempos de distanciamento social. Tanto que o aluguel salgado anunciado na plataforma Airbnb, R$ 1230 por noite, não tem espantado os interessados – datas livres, só a partir de setembro de 2021.

O turismo de isolamento, segundo pesquisa realizada pelo próprio Airbnb, é a bola da vez. Relaxamento é a sensação que 44% dos entrevistados buscam na primeira viagem pós-pandemia, enquanto 34% procuram conforto e 33% priorizam segurança. Só que o público já não busca esse tipo de sensação em qualquer lugar – para 51% das pessoas ouvidas pela pesquisa, a sustentabilidade e a conexão com o meio ambiente são decisivos na hora de escolher a acomodação. Entre os mais jovens, com menos de 50 anos, 56% privilegiam as chamadas acomodações verdes. Foi dentro desse conceito, explica Guerra, que nasceu a Altar. “A classe média intelectualizada está saturada de tanta conexão, ninguém mais tem férias. Por isso colocamos nosso protótipo na represa considerada a mais limpa do Brasil. Sem conexão com o mundo externo, você se reconecta consigo mesmo”, filosofa.

A falta de conexão com o exterior não é retórica – a casa não está ligada a qualquer tubulação, por ser capaz de captar água, tratar o esgoto, gerar energia (através de energia solar) e transformar lixo orgânico em gás. Parece barco, mas não é. Pesados compartimentos estanques permitem que ela flutue praticamente sem balançar e impedem que a casa afunde, caso um deles seja danificado por acidente. Como fica ancorada a 30 metros da margem, a estrutura gira devagar ao sabor dos ventos, descortinando novas paisagens ao longo do dia. O sucesso da empreitada foi tamanho que a Altar já construiu uma segunda unidade, a Altar Prainha, lançada oficialmente em outubro de 2020. O conceito é parecido, mas em terra firme – a casa foi equipada com usina solar fotovoltaica e biodigestor, mas a água chega pela tubulação externa. Localizada em uma elevação a poucos metros da represa, diante de uma prainha de água doce privativa, tem fachada de vidro com proteção contra raios UV, para que os hóspedes contemplem a paisagem, e também pode ser alugada pelo Airbnb por R$ 1119 a diária – há datas disponíveis a partir de abril de 2021.

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Casa flutuante, atração sustentável: capaz de captar água, tratar o esgoto, gerar energia (através de energia solar) e transformar lixo orgânico em gás (Foto: Divulgação)
Casa flutuante, atração sustentável: capaz de captar água, tratar o esgoto, gerar energia (através de painéis solares) e transformar lixo orgânico em gás (Foto: Divulgação)

Ambas têm plantas enxutas, com 40 a 50 m² de área interna, decoração simples e sofisticada e pequenos luxos que justificam o preço, como sistema de som, equipamento que projeta filmes com alta definição nas paredes (inclusive na área externa), lareira, cama queen size com enxoval de grife, fogão, geladeira, churrasqueira e micro-ondas. No boxe envidraçado, sabonete e shampoo são orgânicos e biodegradáveis, compatíveis com o sistema de tratamento de água. Caiaques são oferecidos gratuitamente, mas passeios de barco ou a cavalo, caminhadas e outras aventuras podem ser agendadas e pagas à parte.

Os métodos construtivos, embora distintos, foram escolhidos porque demandam obras rápidas e limpas, livres de resíduos e entulho. O modelo flutuante foi construído pela startup brasileira Syshaus – paredes de drywall, encaixadas em estruturas de aço, saem prontas de fábrica e são montadas no terreno, como um Lego. Já a Altar Prainha é obra da Cubicset Construções Modulares, que adota a Cross Laminated Timber (CLT) como matéria-prima. Mais conhecida como madeira engenheirada, compõe-se de longas lâminas de madeira de reflorestamento, coladas em sentidos opostos e submetidas a pressão em prensas hidráulicas, formando chapas leves e muito resistentes.

Só um detalhe deixou de ser previsto na Altar Prainha e exigiu adaptação do projeto. “A casa fica dentro da floresta, onde há muitos insetos, mas não se podia fechar as janelas por causa do calor. O jeito foi instalar ar condicionado, mas ele também é alimentado pela energia solar”, explica Guerra. Dar visibilidade às soluções sustentáveis das construções, diz o empresário, faz diferença para seu público – em sua maioria, adultos entre 20 e muitos e 40 e poucos anos, com destaque para casais LGBT, na companhia de uma ou duas crianças pequenas. “Para essa clientela, a sustentabilidade é um atributo tão importante quanto o preço da diária.”

Flávia G. Pinho

Carioca radicada em São Paulo desde 1999, Flávia G Pinho pode ter virado paulistana, mas cuida para não perder o sotaque. Depois de passar por grandes (e saudosas) redações, passou a atuar como freelancer em 2016. Comida é sua paixão e assunto predileto, mas ela não perde a chance de contar uma boa história, seja de que assunto for.

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