O futuro do turismo na era pós-covid-19

Com o relaxamento do lockdown, turista tira fotos na praça de Trocadero deserta com a Torre Eiffel ao fundo (Foto: Xose Bouzas / Hans Lucas- AFP

O que vai mudar no setor, um dos mais duramente atingidos pela pandemia, quando voltarmos a viajar. Algumas coisas podem melhorar, mas 100 milhões ficarão sem trabalho

Por Carla Lencastre | ODS 12 • Publicada em 22 de maio de 2020 - 08:36 • Atualizada em 29 de junho de 2022 - 14:46

Com o relaxamento do lockdown, turista tira fotos na praça de Trocadero deserta com a Torre Eiffel ao fundo (Foto: Xose Bouzas / Hans Lucas- AFP

Maio chegou com o aumento de mortes por covid-19 no Brasil e nos Estados Unidos e a redução das restrições na Europa. Para o setor de viagens nada mudou. Nem vai mudar a curto ou médio prazo. O Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC na sigla em inglês) estima que 100 milhões de empregos diretos foram ou serão perdidos, muitos deles em países em desenvolvimento. Somente nas Américas, a perda estimada é de 14,1 milhões de postos. Para milhões de pessoas em todo o mundo, turismo não é lazer. É trabalho.

“É uma mudança impressionante em tão pouco tempo e profundamente preocupante. Todo o setor está sendo destruído pela pandemia”, diz Gloria Guevara, presidente e CEO do WTTC. 

Ainda segundo o WTTC, viagens representaram 10,3% do PIB em todo o mundo em 2019 e foram responsáveis pela geração de um em cada quatro empregos. Nos últimos nove anos o crescimento do setor superou o da economia global. Números de um mundo sem covid-19. No Brasil, estudo recente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostra que a indústria de viagens acumula perdas de R$ 62,5 bilhões desde o início da pandemia. Os estados do Rio de Janeiro (R$ 8,8 bilhões) e de São Paulo (R$ 22,6 bilhões) somados concentram mais da metade do prejuízo brasileiro.

A Organização Mundial do Turismo é um dos órgãos que acreditam que não apenas vamos viajar de novo, como vamos viajar de modo mais consciente, sustentável e com um maior sentimento de solidariedade.

A recuperação será lenta. Provavelmente a mais demorada de todos os setores da economia. Vai levar um bom tempo antes que a maioria volte a se sentir segura para viajar dentro do novo normal. Primeiro as viagens serão retomadas no âmbito regional. Em seguida, nacional. No caso do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas prevê o início da retomada para setembro.  

Acompanhe a cobertura da pandemia de covid-19

Viagens internacionais demorarão mais. Além da malha aérea desfeita, muitas fronteiras continuam, e continuarão, fechadas ou com barreiras. Pesquisa da Organização Mundial do Turismo (UNWTO na sigla em inglês), órgão das Nações Unidas, mostra que 100% dos países impuseram ou vão impor alguma restrição para visitantes internacionais. A Espanha, por exemplo, anunciou que exigirá quarentena de 14 dias de quem chegar do exterior.

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Artista de rua conhecido como The Naked Cowboy posa na Times Square, em Nova York, completamente vazia (Foto Johannes Eisele / AFP)

De acordo com a Organização Mundial do Turismo, ao final de 2020 teremos um número de visitantes estrangeiros entre 58% e 80% menor do que em 2019. A variação de percentual leva em conta dois cenários: abertura gradual de fronteiras e flexibilização das restrições a viagens a partir de julho ou somente no final do ano. O órgão faz a ressalva de que é cedo para estimar o real impacto da covid-19 no turismo internacional. E ressalta que os cinco países mais visitados do mundo estão entre os mais atingidos: França, Espanha, Estados Unidos, China e Itália. A Itália, por exemplo, deve terminar o ano com 60% menos visitantes internacionais em relação a 2019, voltando ao patamar da década de 1960.

Quando pudermos viajar novamente, que tipo de férias vamos querer?

A Organização Mundial do Turismo é um dos órgãos que acreditam que não apenas vamos viajar de novo, como vamos viajar de modo mais consciente, sustentável e com um maior sentimento de solidariedade. A história mostra, e pesquisas recentes confirmam, que o desejo de viajar é resiliente. Não há nada de bom no coronavírus, e não vemos a hora de vivermos um novo normal. Mas não seremos os mesmos. Nem nada será como antes, já sabemos.

A Skift, uma plataforma de mídia americana voltada para a indústria de viagens, ouviu diversos profissionais da área de turismo sustentável sobre a retomada pós-pandemia. A maioria destaca a oportunidade ímpar de promover um turismo mais bem gerenciado, que beneficie as pequenas comunidades. Há quem faça a ressalva de que pode ser mais importante preservar empregos com o turismo de massa do que investir em turismo sustentável, e as numerosas (e duvidosas) promoções surgidas nas últimas semanas vão por aí. O futuro está indefinido e ainda não há dados para saber se os consumidores estão apostando nisso.

Não existe possibilidade de o turismo voltar a ser como antes. Pesquisas recentes, inclusive a da McKinsey, apontam que provavelmente teremos um período de transição, quando iremos procurar lugares perto de casa, em contato com a natureza, na companhia de familiares e amigos

O mercado chinês não pode ser comparado ao brasileiro, mas por enquanto é o que temos de referência. A consultoria McKinsey & Company fez uma pesquisa no país sobre como e quando os chineses vão viajar. Divulgado em meados de maio, o estudo chama a atenção para a queda do interesse por viagens com o objetivo de fazer compras. Apenas 9% dos entrevistados incluem shopping em seu top 3 de prioridades turísticas pós-pandemia. Viagens para aproveitar a natureza, a gastronomia e a cultura local lideram as preferências.

Não existe possibilidade de o turismo voltar a ser como antes. Pesquisas recentes, inclusive a da McKinsey, apontam que provavelmente teremos um período de transição, quando iremos procurar lugares perto de casa, em contato com a natureza, na companhia de familiares e amigos. Viajaremos menos, porém com mais qualidade. Turistas pós-pandemia vão se preocupar com o cuidado das empresas para com seus clientes e colaboradores, a comunidade na qual estão inseridas, o meio ambiente. A crise deixa claro que o bem-estar não vem do que consumimos, mas de pertencemos a uma comunidade. Marcas solidárias serão lembradas. As que não respeitaram clientes, funcionários e a comunidade, também. 

Provavelmente muitos mudarão a maneira de pensar e agir. Apoio a pequenas e médias empresas, comércio justo, consumo responsável, empatia com a comunidade e a cultura local, preocupação com a saúde do planeta serão fatores levados em conta em todas as áreas, e não será diferente no setor de viagens, mostram outras pesquisas. Vamos pensar bem onde investir o dinheiro, até porque a maioria sairá da crise mais pobre. Viagens exigirão mais planejamento, tanto financeiro quanto de segurança sanitária, e melhores decisões.

Cidades e regiões que sofrem com o excesso de turismo terão uma nova chance

Ênfase na biodiversidade, na conservação do patrimônio e no localismo será fundamental para atrair visitantes desconfiados. Viajar mais lentamente, o slow tourism, com maior interação com a população e sua cultura, é o oposto do turismo de massa da última década. A experiência é mais autêntica; o consumo de produtos locais é maior; há preocupação com a qualidade de vida das comunidades. Cidades europeias que sofriam com o turismo, como Amsterdã, Barcelona e Veneza, têm a oportunidade de começar a escrever uma nova história. As três já anunciaram planos de cidades com turistas, que são fundamentais para as economias locais, mas não apenas para turistas. Assim como locais do Sudeste Asiático, entre eles Phuket, na Tailândia. O Turismo da Tailândia também já se manifestou neste sentido. 

Andrew Evans, jornalista especializado em viagens da National Geographic, fez para a NBC uma lista de problemas que precisam ser resolvidos. Entre eles estão poluição indiscriminada, destruição ambiental, condições de trabalho precárias, exploração de animais selvagens, tráfico sexual, marginalização de povos nativos. “A indústria de viagens e turismo deve usar esta pausa para enfrentar a feia realidade”, escreveu Evans. “Temos a chance de implementar uma indústria de viagens realmente sustentável. Protocolos globais devem ser criados para que o setor de viagens seja reconstruído de maneira totalmente diferente.” 

Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre 

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