Lixo zero: conheça o primeiro restaurante a ganhar a certificação

Joana, entre os sócios Alexandra e Artur, no restaurante Origem Natural: ‘comida saudável com educação socioambiental e transformação’ (Foto: Letícia Klein)

Restaurante de Florianópolis é o primeiro com certificação lixo zero do Brasil por garantir reutilização, reciclagem ou compostagem de 90% dos seus resíduos

Por Letícia Maria Klein | LixoODS 12 • Publicada em 30 de maio de 2019 - 10:15 • Atualizada em 2 de junho de 2019 - 15:19

Joana, entre os sócios Alexandra e Artur, no restaurante Origem Natural: ‘comida saudável com educação socioambiental e transformação’ (Foto: Letícia Klein)
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Joana, entre os sócios Alexandra e Artur, no restaurante Origem Natural: ‘comida saudável com educação socioambiental e transformação’ (Foto: Letícia Klein)

Tudo começou com a ideia de vender salada em potes de vidro. Em 2015, Joana Wosgrau Câmara estava insatisfeita com seu trabalho como geógrafa e apostou em um curso de liderança da Fundação Estudar. Sua vida mudou desde então. O propósito do curso é justamente o de fazer as pessoas encontrarem seu propósito e Joana encontrou o dela. “No curso, eu decidi criar minha marca de comida saudável no pote de vidro, que era uma tendência na época. Tinha um mês para executar e vender 50 unidades. Tive medo, mas fui fazendo e deu super certo. Então pensei que aquilo podia ser um negócio”, conta a empresária.

Depois de estudar o assunto, ela chamou o namorado, Artur Ferreira dos Santos, para compartilhar a sociedade. Criaram a logomarca e um tempo depois chamaram mais uma sócia, a amiga Alexandra Lemos Nunes Dias. Assim começou o Origem Natural. Aos poucos, o negócio cresceu e o trio viu a necessidade de abrir um restaurante. Para eles, muito mais do que isso. “A comida é um meio. O fim é conseguir transformar a sociedade e a cidade com comida boa, educação, consciência social e consciência ambiental, tudo que um ser humano precisa para ser um ser humano. A missão do Origem é ser a origem de um mundo novo, levando comida saudável com educação socioambiental e transformação”, explica Joana.

O que custa caro é jogar teu lixo em qualquer lugar e não cuidar do planeta onde vivemos, poluindo ar e água. Claro que existe um valor financeiro a mais no início, mas em longo prazo, isso se paga e fica para sempre

O restaurante cumpre sua missão por meio da alimentação majoritariamente vegana, da conduta lixo zero e da venda de produtos naturais e ecologicamente corretos. Além disso, a cada prato comprado, R$ 1,00 é investido em um projeto social. Localizado no bairro Santa Mônica, em Florianópolis, o Origem Natural abriu as portas em agosto de 2017 e, no dia 29 de novembro de 2018, recebeu a Certificação Lixo Zero do Instituto Lixo Zero Brasil, concedido após relatórios e avaliações. O restaurante é o primeiro do país a possuir o certificado que garante a reutilização, reciclagem e compostagem de pelo menos 90% dos resíduos produzidos no local, enviando somente os rejeitos restantes para o aterro sanitário. O Instituto Lixo Zero Brasil é a única organização brasileira autorizada pela Aliança Internacional Lixo Zero a reconhecer e certificar empresas e organizações que queiram adotar a meta.

Lorena Régis Vieira de Freitas, coordenadora de capacitação e certificação lixo zero do instituto, explica que a certificação é uma metodologia que auxilia os gestores a estabelecerem planos estratégicos adequados às suas necessidades e permite que os consumidores identifiquem empresas alinhadas com seus hábitos. “A certificação demonstra aos clientes, concorrentes, fornecedores, colaboradores e investidores que a empresa usa as melhores práticas reconhecidas pelo segmento. Além dos benefícios inerentes ao meio ambiente e à sociedade, a implementação de um Plano de Ação Lixo Zero adequado traz também benefícios econômicos significativos para o negócio”, afirma.

Joana concorda e garante que manter um restaurante lixo zero não é oneroso. “O que custa caro é jogar teu lixo em qualquer lugar e não cuidar do planeta onde vivemos, poluindo ar e água. Claro que existe um valor financeiro a mais no início, mas em longo prazo isso se paga e fica para sempre. Um bom gestor entende que isso não custa caro”. Ela conta que a manutenção de um estabelecimento lixo zero é mais barata em comparação aos outros restaurantes e tem orgulho de ter uma equipe engajada, com propósito e que acredita no que faz.

Desde a inauguração, a equipe já percebeu uma grande mudança no comportamento dos clientes. “Como decidimos manter o frango orgânico para incentivar que famílias venham aqui, proporciona a inclusão, por mais que a maior parte dos clientes seja vegana, vemos o aumento do consumo do tofu e dos alimentos veganos”, diz Joana. “Antes usávamos ovos, mas depois eliminamos o uso e ninguém pergunta o que vai na receita. Nós falamos depois que eles comem e o pessoal acha delicioso, passando a consumir e buscar opções veganas em outros lugares. Isso é ótimo, porque eu sou vegana e preciso de lugar para comer também”, compartilha.

A missão do Origem Natural não para aí. Os sócios estão desenhando um curso lixo zero para restaurantes, que contemplará escolha de móveis e de fornecedores, questões de vigilância sanitária, utensílios duráveis, entre outros, além de uma consultoria para empresas e fábricas que já estão em contato com eles. Outro plano é o sistema de franquia em longo prazo. “Queremos uma Origem em cada lugar do Brasil, mas cada uma com a sua identidade regional.” As perspectivas de concretização desses planos e de expansão são muito boas. Desde que abriram o restaurante, o crescimento foi de 300%. “A ideia é que daqui para frente cresça de 50% em 50% até atingirmos todos os objetivos”, conta Joana.

Restaurante lixo zero na prática

 O Origem Natural já nasceu lixo zero com a ideia de utilizar potes de vidro para vender salada. Com o tempo, o plástico usado nos pontos de venda foi sendo abandonado e os sócios sentiram a necessidade de um respaldo melhor em relação à aplicação do conceito lixo zero. Foi quando eles procuraram o instituto, fizeram o relatório e conquistaram a certificação lixo zero, que foi um marco para o restaurante. “Desde então, queremos melhorar e transformar o máximo possível”, conta Joana.

 

Prateleiras e móveis feitos a partir de peças reutilizadas e de demolição, peças de madeira, barro, metal, vidro e pano: nada de plástico (Foto: Letícia Klein)
Prateleiras e móveis feitos a partir de peças reutilizadas e de demolição, peças de madeira, barro, metal, vidro e pano: nada de plástico (Foto: Letícia Klein)

Para ser lixo zero no dia a dia, ela explica que eles não usam plástico nem esponja na cozinha e que os produtos de higiene e limpeza são de uma empresa que desenvolve linhas naturais com óleo essencial e ingredientes biodegradáveis. Os móveis foram feitos a partir de peças reutilizadas e de demolição. A compostagem dos resíduos orgânicos é realizada pelo Projeto Semente, que recolhe os resíduos no bairro e encaminha para a compostagem (a rua tem bombonas onde as pessoas depositam os orgânicos). Os pratos do cardápio são sem glúten, sem leite, com ingredientes orgânicos e majoritariamente vegano. “Tentamos incentivar e educar os clientes a escolher a melhor opção a nosso ver e somos transparentes, desde a quantidade de comida que a pessoa precisa até o que tem dentro dela, como é feita e de onde vem”, afirma Joana.

Os fornecedores também abraçam a causa, apesar de, às vezes, a prática ser engessada, conta a sócia. Eles usam embalagens retornáveis com alguns fornecedores, como é o caso do tofu, que é o principal ingrediente do restaurante. “Eles não se importam de levar os potes. As embalagens de isopor dos cogumelos são devolvidas ao fornecedor para que eles entendam que o problema é deles também e que precisam achar uma solução”, continua Joana. As sacas de alguns ingredientes são de papel ou de papelão entrelaçado. Aos poucos, eles vão conversando com todos os fornecedores para ver se conseguem trocar as embalagens e enviar os produtos em recipiente maiores.

Essas medidas para não gerar, reutilizar, reciclar e compostar garantiram ao restaurante o desvio de 91% de resíduos sólidos do aterro sanitário. Lorena explica que a certificação ocorre a partir de auditoria realizada por um profissional reconhecido pelo Instituto Lixo Zero Brasil como Auditor de Sistemas Lixo Zero, que precisa passar por uma capacitação do instituto para conhecer os parâmetros e obrigações para a certificação. Além dele, também é necessário o trabalho de um consultor, que atua de forma independente.

Devido à meta de desviar pelo menos 90% de resíduos do aterro, Lorena diz que as empresas ainda estão no caminho para conquistar a certificação. Por isso, é mais comum que eventos atinjam a meta, como é o caso do Na Praia, Carnaval no Parque, Chefs nos Eixos e Surreal, todos realizados em Brasília. O restaurante Origem Natural é a primeira empresa do Brasil a adquirir a Certificação Lixo Zero.

Com o objetivo de auxiliar mais empresas a atingir a meta, Lorena conta que o instituto está trabalhando na elaboração do selo “Rumo ao Lixo Zero”, que certifica estabelecimentos que desviam entre 60% e 90% de resíduos sólidos do aterro e da incineração. É o caso do aeroporto internacional de Florianópolis, que hoje consegue reciclar e compostar 60% dos resíduos sólidos produzidos no terminal e aeronaves.

Letícia Maria Klein

Jornalista formada, mora em Blumenau, Santa Catarina. É colaboradora do Um Só Planeta.

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