ODS 1
Colheita no semiárido pernambucano gera renda e independência financeira em Caruaru


Mulheres do Sítio Carneirinho retomam o trabalho na roça, depois de largarem as agulhas e serem precarizadas no serviço de costura para o polo têxtil local. Venda para os programas federais, como, por exemplo, para merenda escolar, prova que é possível viver da terra na Caatinga


Com a mesma desenvoltura com que pegava na enxada para capinar o mato, Amanda Alves manuseava agulhas de costura. Os dois aprendizados, na roça e dentro de casa, à beira da máquina de costura, começaram ainda na infância. Nascida e crescida na comunidade rural do Sítio do Carneirinho, no município de Caruaru, na região Agreste de Semiárido pernambucano, a localidade sempre foi vocacionada para o cultivo de milho, feijão e algodão.
Por cada peça costurada, a gente recebia R$ 1,00. O trabalho começava às 6 horas da manhã e seguida, praticamente sem intervalo, até a meia noite
À medida que crescia, Amanda percebeu que a produção familiar sofria oscilações, devido ao impacto direto da seca, ou melhor, das secas constantes que vinham se intensificando, com aumento da área afetada, estiagens prolongadas e falta de chuvas.
Quando chegou a adolescência, a indústria têxtil já tinha fincado raízes na região – um movimento que começou a ser delineado, de forma lenta e gradual, a partir dos anos 1970. Se, por um lado, a nova atividade econômica gerava renda extra para os agricultores familiares; por outro lado, expunha esses trabalhadores a jornadas extremamente precarizadas.
Bisneta, neta e filha de trabalhadores rurais, Amanda sentiu na pele as dores da informalidade e jornadas exaustivas impostas pelo trabalho para alimentar a cadeia de produção têxtil de Caruaru. Ao lado de Santa Cruz do Capiberibe e Toritana, os três municípios formam o Polo de Confecções do Agreste, que alimenta o varejo e atacado de vestuário a nível nacional, com uma produção em larga escala com roupas de baixo custo. “Por cada peça costurada, a gente recebia R$ 1,00. O trabalho começava às 6 horas da manhã e seguida, praticamente sem intervalo, até a meia noite”, conta Amanda, lembrando que, ao final de uma semana de trabalho, faturava entre R$ 250,00 e R$ 300,00.
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Veja o que já enviamosEra tanto jeans para costurar que as crianças tinham que ajudar no trabalho para que a família pudesse dar conta do volume de serviço – uma rotina de trabalho sem folgas e férias. Amanda, por exemplo, começou a ajudar a mãe na costura quando tinha 15 anos de idade.


Foram pouco mais de uma década costurando para fora, até que Amanda decidiu voltar às origens: trocou as linhas, as agulhas e a máquina de costura pela enxada. Em 2019, formou com a mãe, Maria Rizonia, a Associação de Mulheres da Agricultura Familiar do Sítio do Carneirinho. À época, juntaram 12 mulheres para retomar a produção agrícola com maior foco e geração de renda, fazendo um trabalho coletivo. Amanda é presidente da entidade. O trabalho é uma experiência de adaptação climática à convivência com o semiárido, tema crucial a ser discutido na COP30 em Belém.
As vivinhas foram chegando, chegando, chegando… e, atualmente, a associação já conta com 32 mulheres. Amanda fala com orgulho da sua trajetória e, sobretudo, das suas conquistas desde que volto a trabalhar na roça.


Além do frango e da carne bovina, a Associação produz hortaliças, macaxeira, milho, jerimum e pimentão. A produção de melancia chega a 15 mil quilos/ mês. A produção agroecológica tem destino certo e garantido: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), ambos do governo Federal.
Os produtos que não entram nos programas oficiais, como ovos, buchada, doces e carne de bode, são vendidos na Feira da Agricultura Familiar de Caruaru – uma produção 100% livre de agrotóxicos, sendo a terra adubada com esterco de gado, cabra e aves. Nada é desperdiçado: as folhas secas e de bananeira, e capim são usadas para fazer a cobertura do solo. “Com isso, conseguimos manter a água no solo por mais tempo”, conta Amanda.
Além de garantir a segurança alimentar e nutricional, a produção agroecológica da Associação de Mulheres da Agricultura Familiar do Sítio do Carneirinho está reduzindo os impactos da crise climática na localidade, por conseguir manter a água mais tempo no solo, e fortalecer a autonomia das mulheres. Amanda é só felicidade ao contar que comprou sua casa própria com a ajuda financeira do pai. Há pouco meses, tirou carteira de motorista e comprou uma moto, sem precisar de nenhuma ajuda da família.
*A repórter Liana Melo viajou a convite do Instituto Socioambiental
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Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.










































