#RioéRua: na Urca, fica mais fácil procurar motivo para ser otimista

Apesar de do noticiário, na Urca o otimismo pode surpreender o andarilho (Foto Oscar Valporto)

Um passeio ao sol nas vizinhanças da fundação da cidade

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 10 de dezembro de 2018 - 08:35 • Atualizada em 10 de dezembro de 2018 - 14:56

Apesar de do noticiário, na Urca o otimismo pode surpreender o andarilho (Foto Oscar Valporto)
Apesar de do noticiário, na Urca o otimismo pode surpreender o andarilho (Foto Oscar Valporto)
Apesar de do noticiário, na Urca o otimismo pode surpreender o andarilho (Foto Oscar Valporto)

Estamos em dezembro, e rascunho a última coluna do ano na mureta em frente ao Bar Urca a poucos metros da entrada da Fortaleza de São João. É um bairro com jeito de área militar na semana em que o presidente eleito, um ex-militar, anuncia o sexto ou sétimo militar para seu ministério. São tempos tão estranhos que as notícias sobre essa tropa no governo são as menos assustadoras: temos ultraliberais com desprezo por direitos trabalhistas e indiferença pelo crescimento da desigualdade na economia; políticos dos partidos de sempre com processos nas costas pelos piores motivos para cuidar da saúde, da agricultura, da assistência social; e sujeitos com ideias simplesmente estúpidas e retrógradas na educação e nas relações exteriores. Os militares do governo serão os ministros mais qualificados – aliás, bem mais qualificados que o desqualificado eleito para governar.

A entrada da Fortaleza: a presença forte dos militares no bairro bucólico (Foto Oscar Valporto)
A entrada da Fortaleza: a presença forte dos militares no bairro bucólico (Foto Oscar Valporto)

Mas estamos em dezembro, como dizia antes de ser atrapalhado por essas notícias de Brasília, e estamos na Urca onde, infelizmente, não dá para visitar a fortaleza sem agendar com antecedência. A área militar guarda o começo da história da cidade. Numa pequena praia, do lado contrário ao da entrada dos visitantes, entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar, Estácio de Sá desembarcou com seus homens, em 1º de março de 1565, para tomar a Guanabara dos franceses e fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. A Praia de Fora e a pequena Praça da Fundação, dentro dos limites da Fortaleza, podem ser visitadas, com a devida antecedência agendada, como também o  Museu Histórico da Fortaleza de São João, o Reduto e depois Forte São José (1578/1872), os redutos São Martinho (1565), São Teodósio (1572) e São Diogo (1618) – reduto, em linguagem militar, é uma fortificação dentro de outra para aumentar a resistência – e o Museu do Desporto do Exército. Na Fortaleza de São João, ainda funcionam o Centro de Capacitação Física do Exército., a Escola de Educação Física do Exército e a Escola Superior de Guerra.

A fortaleza, o Cara de Cão e os muitos chopes na mureta (Foto Oscar Valporto)
A fortaleza, o Cara de Cão e os muitos chopes na mureta (Foto Oscar Valporto)

Nos tempos de Estácio de Sá, a Urca, na verdade, era uma ilha – Ilha da Trindade – e nem sequer muito acessível porque só dava para desembarcar mesmo na Praia de Fora: o mar batia direto nos morros Cara de Cão e Pão de Açúcar. Não foi por acaso que o cidade foi fundada ali para combater os franceses. Só em 1697 foi  feito o aterro que ligou a ilha ao continente, criando a praça (hoje General Tibúrcio) e praia (Vermelha) e fechando o acesso da Praia da Saudade (que ficava onde hoje é a Avenida Pasteur) ao oceano. E, quando ligaram o Morro da Urca ao continente, ainda não havia mureta nem bairro e, aqui por onde caminho neste século XXI depois de empadas e cervejas, o mar continuava batendo direto nas pedras do Pão de Açúcar.

Só em 1921, menos de 100 anos atrás, foi assinado contrato entre a Sociedade Anônima Empresa da Urca, uma empresa privada, e a Prefeitura do Distrito Federal – que provavelmente não por coincidência estava desmontando o Morro do Castelo – para o aterro e urbanização do bairro: muita terra retirada do Castelo, para onde a administração da cidade havia sido transferida logo após a fundação, serviu para a construção da nova área de moradia. Ao mesmo tempo, foi construída a Avenida Pasteur, com a necessária ampliação do acesso à Praia Vermelha, onde, desde a década anterior, começara a funcionar uma nova atração turística da cidade: o teleférico do Pão de Açúcar, até hoje um recordista em atrair os visitantes do Rio.

A igreja de 1933, um dos marcos da Urca (foto Oscar Valporto)
A igreja de 1933, um dos marcos da Urca (foto Oscar Valporto)

Flanar pelo bairro é andar pelo século passado – e não é só pela Igreja Nossa Senhora do Brasil, inaugurada em 1933. São ainda muitas casas, algumas certamente da primeira leva de edificações; uma maioria de prédios baixos, de dois ou três andares, dos anos 1940 ou 1950, de uma segunda geração de construções do bairro. A ex-ilha tem apenas 17 avenidas e ruas; pouco mais de sete mil habitantes, incluindo os moradores da Pasteur e da Praia Vermelha onde nem vou chegar neste meu rolê andarilho. A mureta, que começa ocupada com garrafas de cerveja em frente ao bar vizinho à fortaleza, passa a ser tomada por varas de pescar ao longo do caminho para a Praia da Urca – atividade que, como a primeira, também cresce no fim da tarde.

Os pescadores humanos e de penas na mureta (Foto Oscar Valporto)
Os pescadores humanos e de penas na mureta (Foto Oscar Valporto)

No tal contrato para urbanizar o novo bairro, a empresa Urca comprometia-se também a construir um hotel para abrigar os visitantes da Exposição Internacional de 1922, outra obsessão do prefeito Sampaio: o Hotel Balneário ficou pronto – o Copacabana Palace, erguido com o mesmo objetivo, só foi concluído em 1923 – com a nova e recém-aterrada Praia da Urca na frente mas não ganhou a fama imaginada. Em 1933, viraria o Cassino da Urca, este, sim, um sucesso até a proibição do jogo em 1946; a partir de 1950, o prédio abrigou o imóvel os estúdios da TV Tupi até a emissora falir em 1980. Recuperado, o prédio agora é sede do  Instituto Europeu de Design desde 2014. O edifício do antigo hotel destoa do cenário e atrapalha a caminhada porque o sol desaparece sob a passarela que ligava os dois lados do prédio: nos tempos do Cassino, os salões de jogos ficavam na parte à beira mar; o teatro e o restaurante na ala colada à pedra do Pão de Açúcar.

O prédio do Cassino da Urca: erguido para ser um hotel (Foto Oscar Valporto)
O prédio do Cassino da Urca: erguido para ser um hotel (Foto Oscar Valporto)

Neste canto do Rio, sempre valorizado pela sensação de segurança (área militar, poucas saídas) e o clima de cidade do interior, parece que a crise também chegou mais devagar. No trecho entre antigo Cassino e o Quadrado da Urca – uma área de estacionamento de barcos, criada originalmente para ser uma piscina de água salgada para esportes aquáticos um século atrás – vejo, entretanto, anúncios de “alugo” e “vende-se” em janelas de prédios, coisa impensável na virada para este século. São tempos estranhos, realmente, e talvez fiquem ainda mais em 2019. Mas é dezembro na Urca: aqui tem sol e brisa, a vizinhança do Pão de Açúcar, a vista do Cristo Redentor e da Baía de Guanabara. Fica até mais fácil procurar motivo – mesmo estranho – para ter algum otimismo.

#RioéRua

Até o Fusquinha amarelo mostra que a Urca e suas casas guardam ares do século passado (Foto Oscar Valporto)
Até o Fusquinha amarelo mostra que a Urca e suas casas guardam ares do século passado (Foto Oscar Valporto)

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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