ODS 1
Oito das dez cidades com mais estabelecimentos religiosos estão no Rio
Estudo mostra que, apenas em 2019, foram abertos 17 templos evangélicos por dia no Brasil. Região Norte apresenta as maiores taxas de crescimento
O censo demográfico de 2022 revelou uma tendência surpreendente no Brasil: há mais estabelecimentos religiosos do que a soma das instituições de ensino e saúde. Segundo dados do IBGE, foram visitados e georreferenciados 580 mil estabelecimentos religiosos, o que representa uma média de 2,9 edificações para cada 1 mil habitantes. Em contrapartida, foram registrados 264 mil estabelecimentos de ensino, com uma média de 1,3 edificações para cada 1 mil habitantes, e 248 mil estabelecimentos de saúde, com uma média de 1,2 edificações para cada 821 habitantes.
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Esses números indicam uma realidade marcante do país, onde o setor religioso tem crescido de forma significativa e se espalhado por todo o território nacional. Essa prevalência de estabelecimentos religiosos reflete não apenas a diversidade de crenças presentes na sociedade brasileira, mas também o papel central que a religião desempenha atualmente na vida da maioria dos brasileiros e na política nacional.
A divulgação do IBGE faz parte do esforço de definir as coordenadas geográficas de todos os endereços visitados pelos recenseadores do Censo 2022. O resultado de todo esse trabalho integrará o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), a base de endereços usada pelo IBGE não só no Censo Demográfico, mas também para diversas outras pesquisas domiciliares. As coordenadas geográficas são um instrumento essencial para a formulação e a avaliação das políticas públicas e para o planejamento dos investimentos da iniciativa privada.
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Veja o que já enviamosNo Censo 2022, foram registrados 111,1 milhões de coordenadas geográficas para as espécies de endereços identificadas na operação censitária nacional. Além dos estabelecimentos religiosos, de educação e saúde, foram contabilizados 90,6 milhões de domicílios particulares, 104,5 mil domicílios coletivos (hotéis, prisões, repúblicas de estudantes, etc.), 4,1 milhões de estabelecimentos agropecuários, 3,5 milhões de edificações em construção e 11,7 milhões de estabelecimentos com outras finalidades (lojas, prédios públicos, cultura, etc.).
A tabela abaixo indica o número dos estabelecimentos, de cada categoria, para o Brasil e as grandes regiões. Dos 111,1 milhões de estabelecimentos, o maior número (46,2 milhões) está na região Sudeste, seguido pela região Nordeste (31 milhões), a região Sul em terceiro lugar (16,8 milhões) e as regiões Norte e Centro-Oeste com pouco mais de 8 milhões de estabelecimentos.
Considerando o peso demográfico regional, a região Norte tem a maior proporção de estabelecimentos religiosos, com 4,6 templos para cada 1 mil habitantes. Em segundo lugar vem o Nordeste com 3,2 estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes, seguida do Centro-Oeste com 2,6 estabelecimentos para cada 1 mil habitantes. O Sudeste, embora seja a região com a maior população, tem 2,5 estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes e, por fim, a região Sul tem 2,3 estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes. A maior proporção de estabelecimentos religiosos está exatamente nas regiões com menor índice de desenvolvimento humano (IDH).
A tabela abaixo mostra o número de habitantes e o número de estabelecimentos religiosos para o Brasil e as Unidades da Federação (UFs) e o número de estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes. O Acre é o estado com maior proporção de estabelecimentos religiosos (5,5 estabelecimentos para cada 1 mil habitantes). Em seguida aparecem Amazonas e Rondônia com 4,9 estabelecimentos para cada 1 mil habitantes. O Pará com 4,6 estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes e o Amapá com a proporção de 4,3. Todas estas 5 UFs estão na região Norte.
Na região Sudeste, aparecem o Espírito Santo em 6º lugar (4,1) e o Rio de Janeiro em 9º lugar (3,4). Bahia e Maranhão aparecem com 3,7 estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes. Sergipe e Minas Gerais aparecem com a mesma média nacional de 2,9 estabelecimentos para cada 1 mil habitantes. A menor proporção é encontra em São Paulo e no Distrito Federal (UFs com maior renda per capita) com 1,9 estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes.
Em termos municipais, a tabela abaixo apresenta os 10 municípios, com mais de 200 mil habitantes, com a maior proporção de estabelecimentos religiosos em relação ao número de habitantes. Em primeiro lugar aparece Itaboraí/RJ com 6,3 estabelecimentos religiosos por 1 mil habitantes, seguido de Magé/RJ (6,2) e Nova Iguaçu/RJ (5,3). Rio Branco, capital do Acre, aparece em 4º lugar também com 5,3 estabelecimentos religiosos para cada 1 mil habitantes. Cariacica, no Espírito Santo, aparece em 5º lugar com 4,7 estabelecimentos por 1 mil habitantes. Segue outros 5 municípios fluminenses. No rank nacional, o estado do Rio de Janeiro tem 8 dos 10 maiores municípios com maior proporção de estabelecimentos religiosos. Os dados do CNEFE, do IBGE, sugerem que o ritmo da transição religiosa avançou ainda de forma mais rápida no período intercensitário, entre 2010 e 2022.
Estes dados são compatíveis com a análise das informações das filiações religiosas. No artigo “A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro” (Alves et al, 2014) mostramos que o estado do Rio de Janeiro estava na vanguarda da transição religiosa no Brasil, com menor proporção de filiações católicas, grande proporção de evangélicos, maior proporção de outras religiões e de pessoas que se declaram sem religião, com base nos dados do censo demográfico de 2010. O Espírito Santo aparecia em segundo lugar. Mas os dados também mostravam que a região Norte apresentava a maior velocidade no ritmo da transição religiosa. Especialmente o estado do Acre que está aumentando rapidamente a razão entre o número de evangélicos e católicos.
A grande vantagem dos dados do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), do IBGE, é que todas as edificações religiosas são contabilizadas, independentemente do fato de serem templos ou estabelecimentos com outras finalidades religiosas e/ou se possuem ou não registro no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). Neste sentido, os dados divulgados pelo IBGE são inovadores e vão contribuir para a compreensão da transição religiosa no Brasil na medida que houver uma série histórica e detalhamento das informações. Em relação às filiações religiosas o IBGE possui uma série histórica que começa em 1872 (primeiro censo demográfico do Brasil) e vai até 2022, embora os dados com a autodeclaração das pessoas de 2022 ainda não tenham sido divulgados.
Outros dois levantamentos sobre o crescimento dos templos religiosos no Brasil
Em 2023 foram publicados 2 trabalhos acadêmicos que analisaram a transição religiosa no Brasil a partir das informações sobre a evolução dos estabelecimentos religiosos no Brasil levando em consideração os registros administrativos para o levantamento da quantidade dos templos e igrejas.
A nota técnica “Surgimento, trajetória e expansão das Igrejas Evangélicas no território brasileiro ao longo do último século (1920-2019)”, elaborada pelo pesquisador Victor Augusto Araújo Silva, do Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cepid) e da Universidade de São Paulo (USP) analisou a evolução dos estabelecimentos religiosos inscritos na Receita Federal, isto é, aqueles que fazem parte do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e que, portanto, operam de maneira legal. Portanto, não se levou em conta os templos e locais de oração sem o CNPJ e o autor explica que os números são subestimados, pois não se considerou os estabelecimentos e as atividades informais.
Assim mesmo, os dados indicam uma multiplicação de templos evangélicos no espaço de um século, entre 1920 e 2019. O gráfico abaixo mostra que o número de igrejas evangélicas era muito pequeno até o final da década de 1960. Porém, entre 1970 e 1990, o número de templos evangélicos cresceu mais de 16 vezes em 20 anos, passando de 1.049 para 17.033. Este foi o período de maior crescimento relativo. Mas, em termos absolutos, o maior crescimento ocorreu entre 1990 e 2019, quando o número de igrejas evangélicas passou de 17.033 para 109.560. Tal ciclo foi impulsionado pelo forte crescimento das igrejas evangélicas pentecostais que, em 2019, tinham 48.781 em um total de 109.560 templos em todo território nacional. Apenas em 2019, último ano do levantamento do estudo, 6.356 templos evangélicos foram abertos no Brasil, uma média de 17 por dia. O autor mostra também que existe uma alta correlação entre o crescimento do número de templos e o aumento das filiações evangélicas.
O estudo ainda indicou que as duas UFs com maior número de Igrejas Evangélicas por 100 mil habitantes eram o Espírito Santo e o Rio de Janeiro. Mas, como vimos pelos dados do CNEFE, do IBGE, a maior proporção de estabelecimentos religiosos (formais + informais) está se deslocando para a liderança da região Norte.
O outro estudo, denominado “Crescimento dos estabelecimentos evangélicos no Brasil nas últimas décadas” (Negri et al, 2023), foi realizado por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), utilizando dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de estabelecimentos religiosos entre 1998 e 2021, indicando que houve crescimento para todas as religiões em um ritmo maior do que o crescimento populacional do período. Mas o crescimento variou enormemente entre as diversas denominações.
O menor crescimento ocorreu na igreja católica, que passou de 8.686 estabelecimentos em 1998 para 14.294 estabelecimentos em 2021, um crescimento de 65% em 23 anos (ou 2,2% ao ano). As igrejas evangélicas tradicionais (que incluem presbiterianas, batistas e adventistas, entre outras denominações) tinham 8.539 estabelecimentos em 1998 e passaram para 23.077 em 2021, um crescimento de 170% no período (ou 4,4% ao ano).
A igreja Assembleias de Deus tinha 4.700 estabelecimentos em 1998 e passou para 17.329 em 2021, um crescimento de 269% em 23 anos (ou 5,8% ao ano). A igreja Universal do Reino de Deus tinha 1.900 estabelecimentos em 1998 e passou para 7.185 em 2021, um crescimento de 278% em 23 anos (ou 6% ao ano). A igreja do Evangelho Quadrangular tinha 2.400 estabelecimentos em 1998 e passou para 4.201 em 2021, um crescimento de 75% em 23 anos (ou 2,5% ao ano). As outras igrejas evangélicas pentecostais ou neopentecostais tinham 8.718 estabelecimentos em 1998 e passaram para 35.779 em 2021, um crescimento de 310% em 23 anos (ou 6,3% ao ano).
Enquanto, em 1998, as igrejas católicas tinham 8.686 estabelecimentos, o total das igrejas evangélicas tinham 26.257 estabelecimentos (3 vezes mais). Em 2021 eram 14.294 estabelecimentos católicos e 87.571 evangélicos (6,1 vezes mais). Por conseguinte, quando se considera os estabelecimentos religiosos, os evangélicos já superam em muito os católicos. Por fim, em 2021, havia também 7.784 estabelecimentos de outras religiões e 10.073 estabelecimentos não classificados. No total eram 124.529 estabelecimentos religiosos registrados no Brasil em 2021 na base de dados da RAIS.
A despeito das diferenças dos números de estabelecimentos religiosos nas diferentes bases de dados, há um padrão inquestionável que é o crescimento geral do setor religioso no Brasil e o aumento do volume dos evangélicos em relação aos católicos, indicando uma aceleração da transição religiosa no Brasil.
A acelerada transição religiosa no Brasil
O fato é que o Brasil está mudando. Seja pela análise da autodeclaração das filiações religiosas ou pela análise do crescimento dos estabelecimentos religiosos, a correlação de forças entre os dois grandes grupos cristãos está se alterando e o Brasil está passando por uma transição religiosa que se desdobra em quatro movimentos: declínio absoluto e relativo das filiações católicas; aumento acelerado das filiações evangélicas; crescimento do percentual das religiões não cristãs; aumento absoluto e relativo das pessoas que se declaram sem religião.
O IBGE ainda não divulgou os dados do censo demográfico de 2022 sobre as filiações religiosas. Estes dados são fundamentais para se projetar o futuro do cenário religioso no Brasil. Mas como mostrei no artigo “A transição religiosa nos 200 anos da Independência”, publicado aqui no # Colabora (Alves, 30/05/2022), os evangélicos devem ultrapassar os católicos até o ano de 2032.
O gráfico abaixo apresenta os percentuais do panorama religioso brasileiro de 1940 a 2010 (com base nos censos demográficos do IBGE) e uma projeção das tendências atuais e futuras até 2032. Nota-se que, entre 1991 e 2010, o percentual de católicos brasileiros passou de 83,3% para 64,6% (uma queda anual de 1% ao ano), o percentual de evangélicos subiu de 9% para 22,2% (um aumento de 0,7% ao ano), o percentual das outras religiões passou de 3,1% para 5,2% (aumento de 0,1% ao ano) e o percentual de pessoas se declarando sem religião subiu de 4,6% para 8% (aumento de 0,2% ao ano).
Cobrindo a lacuna recente, as informações das coordenadas geográficas dos endereços recenseados no Censo 2022, divulgadas pelo IBGE no dia 02 de fevereiro de 2024, evidenciou o grande crescimento dos estabelecimentos religiosos no Brasil nos últimos 12 anos. Isto reforça a nossa projeção cobrindo o período 2010 a 2032, que levou em consideração os seguintes pressupostos: continuidade da queda das filiações católicos no ritmo de 1,2% ao ano e aumento anual de 0,8% dos evangélicos, de 0,15% das outras religiões e 0,23% das pessoas autodeclaradas sem religião.
O resultado desta projeção também está apresentado no gráfico abaixo que mostra os católicos com 49,9% das filiações religiosas em 2022 (pela primeira vez abaixo de 50%) e com 38,6% em 2032, e os evangélicos apresentando percentuais de 31,8% e 39,8% no mesmo período. Ou seja, os evangélicos devem ultrapassar os católicos nos próximos 10 anos e contribui para isto o fato de estarem mais bem posicionados, em termos de dinâmica demográfica, na população urbana, pobre, jovem e feminina. As demais religiões devem passar de 5,2% em 2010 para 8,5% em 2032 e o grupo sem religião deve passar de 8% para 13,1% no mesmo período. Sendo assim, haverá mudança na hegemonia entre os dois grandes grupos cristãos, em um quadro de maior de maior concorrência e pluralidade religiosa.
Projeções são sempre sujeitas a revisões e a conjuntura pode apresentar oscilações. Porém, em termos estruturais, o cenário religioso brasileiro no século XXI indica uma mudança radical em relação aos primeiros 500 anos da história brasileira. Tudo indica que a hegemonia católica está com os dias contatos. Os evangélicos crescem a olhos vistos. Mas também crescem as outras religiões e o número de pessoas que se declaram sem religião. Sem dúvida é um panorama mais complexo e mais democrático, diverso e plural.
Referências:
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085 DOI–10.5752/P.2175-5841.2014v12n36p1055
http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2014v12n36p1055/7518
ALVES, JED. A transição religiosa nos 200 anos da Independência, # Colabora, 30/05/2022
ARAÚJO, Victor. Surgimento, trajetória e expansão das Igrejas Evangélicas no território brasileiro ao longo do último século (1920-2019). Notas técnicas 20, CEM/CEBRAP, São Paulo, 17 de maio de 2023
DE NEGRI, Fernanda; MACHADO, Weverthon; CAVALCANTE, Eric Jardim. Crescimento dos estabelecimentos evangélicos no Brasil nas últimas décadas. Rio de Janeiro: Ipea, nov. 2023. (Diset: Nota Técnica, 123). DOI: http://dx.doi.org/10.38116/diset123
José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.