ODS 1
Líderes quilombolas viram influencers para a vacinação contra a covid-19
Um ano depois de vitória histórica no STF, comunidades quilombolas contam na mão vacinados e buscam identificar retardatários na imunização
Há cerca de um ano e um mês, o Supremo Tribunal Federal brasileiro tomou uma decisão histórica ao garantir a vacinação prioritária contra a covid-19 para as comunidades quilombolas. Era a primeira vez que esse grupo recorria, sem intermédio, à corte maior brasileira, para garantir seus direitos. Naquela época, o agricultor Josenildo Carvalho, de 75 anos, tinha uma certeza: não iria se vacinar de jeito nenhum. Liderança do quilombo Casinhas, em Jeremoabo, sertão da Bahia, estava com medo dos efeitos adversos da imunização no organismo.
A resistência de Josenildo pegou de surpresa a filha dele, Givanilda Carvalho, de 52 anos, agente comunitária de saúde empenhada em convencer os moradores da região a se vacinarem. Também alertou lideranças de outros quilombos próximos. Sem o consentimento e o exemplo de Josenildo, seria difícil imunizar as 84 famílias moradoras do território. Por isso, foi realizada uma força-tarefa de convencimento, com sequências de conversas e visitas a casa do agricultor.
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A decisão do STF, com base na ADPF 742, foi um passo na garantia da imunização dos quilombolas brasileiros, pessoas que costumam viver em zonas afastadas dos centros urbanos, em alto grau de convivência e, muitas vezes, sem acesso permanente a serviços de saúde. A vitória no Judiciário, porém, foi só um dos muitos desafios a serem enfrentados nos 12 meses seguintes. Enquanto 72% da população geral brasileira recebeu pelo menos duas doses da vacina contra a covid-19, entre os quilombolas o percentual é de 44,31%, segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade racial (SNPIR).
A campanha de imunização nos quilombos enfrenta desinformação, desabastecimento, racismo, ausência de campanhas de comunicação direcionadas e falta de uma política estruturada de monitoramento de vacinados. Por outro lado, gestou uma rede de lideranças implicadas em lutar, com dados catalogados à mão e alianças cavadas na raça, pela vacinação. O engajamento dos líderes tem sido o pilar de várias estratégias para fazer o percentual de vacinados crescer.
Líderes por trás do vacinômetro
O censo de 2020, adiado e ainda não realizado, seria o primeiro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a contar quantos quilombolas existem no Brasil. Sem dados populacionais, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19 não inseriu o grupo entre os primeiros a serem vacinados, o que também motivou a requisição judicial.
Após a vitória, o ministro Edson Fachin perguntou se os imunizantes estavam chegando aos quilombos. Para encontrar essa resposta, seria preciso chegar a, pelo menos, 3,4 mil comunidades contadas pela Fundação Palmares ou ainda a 5,7 mil localidades, segundo dados da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Só havia uma forma, mobilizando as lideranças.
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Veja o que já enviamosEntre março e junho do ano passado, a Conaq se uniu às organizações Ecam e Terra de Direitos para estruturar uma rede capaz de coletar os dados de vacinados. O trabalho funcionava em cadeia. Cada estado, a depender do tamanho, tinha de dois a cinco articuladores locais. Essas pessoas entravam em contato com líderes dos quilombos de sua região para saber quantas pessoas haviam sido vacinadas e a faixa etária delas.
Foi um trabalho de formiguinha, o articulador ligava para a liderança, que buscava os dados com os agentes de saúde, a secretaria de saúde ou direito com os moradores. A coleta era feita por telefone ou Whatsapp, mas, em alguns locais, foi preciso ir até o quilombo. Os dados eram adicionados em um formulário, que também buscou identificar se a comunidade é reconhecida e certificada pelo Governo Federal, quantas pessoas vivem nela e, principalmente, quais as violações de direitos que estavam ocorrendo no acesso à vacinação.
Tudo era enviado à Conaq, adicionado numa tabela, analisado e apresentado em reuniões ao STF. E divulgado à sociedade em formato de vacinômetro, um mapeamento da imunização nas comunidades quilombolas. “Nosso monitoramento não tinha o objetivo de substituir os dados do Sistema Único de Saúde (SUS), pois a gente não tinha nem perna para isso, mas mostrar ao ministro que algumas ações não estavam chegando”, explica a coordenadora nacional da Conaq e da rede de levantamento da vacina, Kátia Penha.
O primeiro vacinômetro foi divulgado em agosto de 2021. O segundo, publicado em setembro, mapeou 200 mil quilombolas em 266 municípios, dentre eles Jeremoabo, onde estão 22 comunidades, das quais 11 reconhecidas. Lá, a 1,6 mil quilômetros de Brasília, para onde eram levados os dados, a presidente da Associação de Quilombolas da Viração e Ciriquinha, Aparecida Santana, de 53 anos, foi a responsável por saber o status vacinal dos 776 moradores.
Quando entrou em contato com a agente de saúde Givanilda, soube da resistência do pai dela em receber os imunizantes. “A gente aqui no quilombo já estava tomando a segunda dose e lá ainda não tinha começado a primeira. Ele disse que nem tomava nem deixava o povo tomar. Todo dia de noite, eu ligava para a filha dele. Aí, depois de muita conversa, ele aceitou”, lembra.
Para conseguir passar os dados à Conaq, Aparecida teve o apoio da agente comunitária de saúde Antônia Nolasco, de 59 anos. Ela foi a responsável por listar, de caneta, em um papel pautado, o nome dos 461 moradores aptos a receberem as doses contra a covid-19 e separá-los por faixa etária, de acordo com os grupos listados no plano nacional. “Eu peguei o contato dos líderes dos quilombos e fui de casa em casa, explicando sobre a vacina. Ouvi gente dizendo que a vacina deles era Deus, que a vacina era coisa da ‘besta fera’”, afirma Antônia.
A última edição do vacinômetro quilombola foi publicada em dezembro e sintetizou os problemas identificados. A recusa a vacinar-se, como ocorreu em Jeremoabo, foi apenas um deles. Fazendo o levantamento por conta própria, os quilombolas mostraram que em alguns municípios, mesmo diante da garantia legal, a vacinação não chegou ao território. Com isso, as pessoas tiveram que se deslocar a centros urbanos, sendo expostas à COVID-19. Houve casos em que o município recusava a vacinação de quem era quilombola, mas não morava na comunidade. O mapeamento permitiu que o STF revisasse a decisão, excluindo o critério de vivência do território como passo para a vacinação quilombola.
Identificar essas fragilidades da política de saúde, porém, contou com sorte. Nem todas as lideranças tiveram o apoio da secretaria de saúde municipal, como Aparecida teve na Bahia. Sérvulo Borges, articulador quilombola em Alcântara, no estado do Maranhão, carrega consigo a frustração de nunca ter conseguido os dados com a secretaria de saúde local, para passar à Conaq.
Sabe que não faltou vacina, afinal Alcântara foi a primeira cidade do Brasil a vacinar 100% da população com a primeira dose, mas não sabe exatamente a distribuição delas por comunidade quilombola. A cidade tem 214 comunidades quilombolas, que, juntas, representam 70% da população. É a maior em quantidade de quilombolas do Brasil.
“Teve muita resistência. Só de reunião com chefe de setor [de vacinação da prefeitura], eu fiz três. Passei uma manhã inteira falando sobre a importância desse levantamento para a gente, mesmo assim eles não conseguiram”, lamenta. De acordo com Sérvulo, a Secretaria de Saúde de Alcântara não tem dados detalhados sobre quantos vacinados em cada comunidade quilombola, apenas um quantitativo geral. A Secretaria de Saúde do município não respondeu até a publicação da reportagem. “Nós tivemos essas dificuldades porque esse país ainda nos vê como pretos sem direitos”, conclui Sérvulo.
Quilombolas: passado e presente sem direitos
A preocupação dos quilombolas, que os levou ao STF, veio da invisibilização do impacto da covid-19 nos seus territórios, que decorre de outros vazios. As comunidades existentes hoje são remanescentes dos quilombos, espaços de convivência e resistência de negros fugidos da escravidão. Os quilombolas foram reconhecidos como sujeitos de direitos pela Constituição Brasileira de 1988, mas, só em 2003, um decreto definiu o que é exatamente esta população.
Dezessete anos depois, quando a pandemia começou, não havia sequer como computar se uma pessoa é quilombola nos sistemas de notificação para a covid-19. Tampouco se sabia quantos eram. Em consequência disso, os dados da transmissão da doença eram subnotificados. Por isso, antes de criar os vacinômetros, eles também fizeram, por conta própria, o levantamento de casos e óbitos por covid-19. Até o fim de fevereiro, havia 301 mortes e 5,6 mil casos confirmados. O número pode ser bem maior, já que somente em novembro de 2021 o Ministério da Saúde incluiu o campo “quilombola” na ficha de notificação do sistema oficial de registro, o e-SUS Notifica.
Em setembro de 2020, com base em dados informais, o membro do Grupo Temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professor do programa de pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA) Hilton Silva, já alertava: a chance de uma pessoa quilombola morrer por covid-19 no Brasil era quatro vezes maior que a de uma pessoa de comunidade branca e urbana.
“Essa população precisava ser vacinada como prioridade porque já se tem um reconhecimento científico de falta de infraestrutura sanitária, de acesso de profissionais, medicamentos e tratamento”, explica Hilton. Diferente dos povos indígenas, que contam com uma infraestrutura de saúde e política próprias, os quilombolas não têm uma política de saúde própria. Estão inseridos na Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF) e na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN).
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que existem 9.521 equipes de saúde da família em 2.403 municípios onde constam cadastro de populações quilombolas, mas não detalhou quantas atuam, especificamente, em territórios quilombolas. “A política diz que é preciso garantir assistência a partir da cultura desses povos, mas na prática, isso fica por conta do município. Tem uns que conseguem, outros não. O Brasil é grande. Às vezes, as equipes de saúde vão um dia, atendem as pessoas e saem. Não criam relações de afeto”, explica a presidente da Sociedade Brasileira de Imunização (Sbim) da Regional São Paulo, Evelin Santos.
Em consequência disso, vêm outras vulnerabilidades. “A população negra, em geral, tem os piores indicadores de mortalidade materna, infantil, de taxas de vacinação, de acesso a saneamento. Sem contar taxas de hipertensão, diabetes, anemia falciforme”, descreve Hilton. A ausência de dados populacionais já comprometia, antes da pandemia, a criação de políticas de saúde efetivas para os quilombolas. “Nós, negros, temos uma fragilidade em saúde. Nosso povo estava morrendo, a gente não quer perder a nossa biblioteca, nossos mais velhos. Contar os vacinados foi uma resistência, para manter a nossa permanência nesse Brasil”, explica Kátia.
Colocar lideranças afrodescendentes no centro das respostas à COVID-19 é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), pois “a pandemia exacerbou os fossos de iniquidade já existentes e as experiências de discriminação das pessoas afrodescendentes”. Em 2020, a Organização havia identificado a ausência de informações estatísticas e dados desagregados por identidade étnica e cultural como uma das principais dificuldades enfrentadas pelos governos de toda a América Latina, no enfrentamento à doença. Segundo a OMS, corrigir os sistemas de dados oficiais permitiria “o planejamento adequado de estratégias e medidas concretas e diferenciadas para vigilância, prevenção e controle da pandemia nessas populações”. Além disso, era preciso gerar informações de saúde culturalmente apropriadas à visão de mundo e práticas dessas pessoas.
No Brasil, porém, os dados sobre quilombolas no Brasil seguem divergentes. De acordo com o Plano de Operacionalização de Vacinação, são 1,1 milhão de pessoas distribuídas em 1,2 mil municípios. O dado está baseado no Censo do IBGE de 2010. Em 2020, levantamentos preliminares coletados desde 2016, para operacionalizar o censo que seria realizado, mostraram que há comunidades em 1,6 mil cidades. “Eu tenho certeza que há ainda muito quilombola que não recebeu vacina no Brasil”, lamenta Kátia.
Quando questionado, o Ministério da Saúde não disse como fará o acompanhamento, nos próximos meses e anos, do acesso à vacinação da população quilombola e se realizou alguma campanha de comunicação específica para orientá-los.
Confiança nos líderes para combater desinformação
Kátia Penha, responsável por coordenar o trabalho de coleta de dados para o vacinômetro quilombola, não está equivocada. Mesmo diante de muita insistência de colegas líderes de outros quilombos em Jeremoabo, na Bahia, o agricultor Josenildo Carvalho, de 75 anos, revelou a eles durante a entrevista para esta reportagem – em janeiro deste ano – que ainda não havia recebido a primeira dose. No início da campanha, ele foi seduzido pela desinformação. Hoje, apoia-se numa questão burocrática.
Josenildo quer se vacinar depois que baixaram um decreto na cidade limitando a circulação de não imunizados. Precisa disso, inclusive, para brigar pelas políticas públicas. “Eu não queria me vacinar, pois acredito que não pego a doença. Mas entendi a importância e fui atrás dos nossos direitos. Bati na porta da secretaria, para que trouxessem as vacinas para o nosso território, pois estavam querendo que a gente saísse daqui pra isso”, conta.
Em Jeremoabo, o trabalho pró-vacina é na base do esforço individual. Até o início de fevereiro, nenhum território quilombola havia recebido as doses de reforço. Sequer as agentes comunitárias de saúde que atuam nos postos onde eles são atendidos haviam se imunizado. “Eles dizem que não têm vacina”, justifica a líder Aparecida Santana. No território dela, o Viração e Ciriquinha, 29 pessoas se recusaram a receber as doses anteriores.
A prefeitura da cidade diz que, atualmente, foram ofertadas vacinas para as comunidades quilombolas atendidas pelos postos de saúde da Baixa dos Quelés e Olho D’água. Mas houve povoado não atendido, pois o Ministério da Saúde não enviou as doses como havia planejado. Para quem não se vacinou, mas agora quer, haverá um calendário de remanescentes.
Despertar o interesse nas vacinas foi um dos principais desafios identificados no vacinômetro quilombola. Para antropólogos e epidemiologistas entrevistados para esta reportagem, a desinformação ganha força neste público pela ausência de campanhas de comunicação com enfoque intercultural, pelo histórico de falta de estrutura de equipes de saúde nos territórios quilombolas e também pelo desinteresse de alguns governos locais em dialogar com as lideranças.
Historicamente, a participação dos líderes de comunidades tradicionais foi fundamental para o sucesso de outras campanhas de vacinação no Brasil, afirma a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a epidemiologista Carla Domingues. “Essa sempre foi a fortaleza do PNI, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Dificilmente, o poder público tem conhecimento de tudo, e as lideranças ajudam a identificar os grupos de risco e suscetíveis”, diz.
Os dirigentes são importantes, inclusive, porque são fontes de confiança. “Eles podem ser grandes aliados na coleta de informações, no rastreamento de contatos [infectados] e no apoio aos trabalhadores de saúde, considerando as dificuldades logísticas. Desempenham ainda um papel importante na conexão com as autoridades”, descreve Stacey Knobler, vice-presidente de Inovação em Vacinas e Imunização Global do Sabin.
Ser uma ponte com as autoridades foi a forma encontrada por Marluce Coelho, da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém, a FOQS, para fazer chegar a vacina e despertar o interesse dos moradores das 12 comunidades que representa. Logo no início da pandemia, pensando na ajuda humanitária para evitar a insegurança alimentar, o grupo fundou o projeto Omulu – Terra de Quilombo: Cuidando de Vidas Ancestrais. Depois da decisão do STF, foi procurado pela secretaria municipal de saúde e iniciou uma parceria para quantificar as pessoas aptas a se vacinarem.
No mesmo momento, começaram as mentiras sobre a vacinação nos celulares da comunidade. A entidade, então, recorreu às lideranças. Convocou os principais líderes, fez um trabalho de conscientização e criou panfletos informativos com a imagem deles. “Nossas lideranças viraram ‘influencers’ locais para a vacinação. A gente percebeu como a comunicação é importante. Antes da chegada das vacinas, chamamos todos para conversar e explicar o passo a passo do que aconteceria”, explica Marluce. Eles também foram orientados a fazer uma busca ativa de potenciais vacináveis.
A organização é composta por quatro pessoas e sabia que, sozinha, não conseguiria absorver todo o trabalho de prevenção. Além de buscar apoio do poder público, recorreu a pesquisadores e junto com a Associação Brasileira de Profissionais de Epidemiologia de Campo, a ProEpi, treinou 10 jovens em comunicação de risco e engajamento comunitário. Em reuniões semanais, eles trazem as dúvidas e queixas da comunidade e constroem juntos materiais para informá-los.
“A gente discute como tratar a informação da melhor forma possível, respeitando os ensinamentos deles, a cultura que têm. E conseguimos a adesão da comunidade para a primeira dose e a segunda. Para eles, era uma questão do apoio à comunidade, de se vacinar para prevenir o entorno”, detalha a coordenadora técnica da sala de situação em saúde da Universidade de Brasília, Marcela Lopes Santos.
Um dos jovens treinados foi Márcio Guimarães, de 24 anos, morador do Quilombo de Bom Jardim, no Pará, que atualmente trabalha orientando os pais a vacinarem as crianças. “Criei umas mensagens de texto, com a nossa linguagem, que mando nos grupos de Whatsapp, e também busquei apoio das duas agentes de saúde que trabalham aqui. Fiquei muito feliz quando vi que, na primeira dose, quase 95% do meu território havia tomado a vacina”, conta.
Para Marcela, investir no poder comunitário é essencial para garantir a vacinação, o controle da COVID-19 e, no futuro, de outras doenças em territórios quilombolas. Carla Domingues ressalta, porém, que é preciso mais investimento do Governo Federal em materiais de comunicação para apoiar o trabalho das lideranças, além do estabelecimento de metas de cobertura vacinal. “Quando a gente olha para trás, vê que o Brasil é reconhecido no mundo pelas grandes campanhas de vacinação. Agora, o próprio Ministério da Saúde diz que a vacina não é obrigatória.”
Os esforços das lideranças quilombolas estão preenchendo os vazios deixados pelo poder público no acesso à saúde deles, porém para as entidades quilombolas há também uma transferência de responsabilidade. “Essa é mais uma faceta do racismo estrutural. O governo não pode repassar à sociedade civil suas obrigações legais”, diz Hilton Silva. No próprio vacinômetro, a Conaq fez questão de ressaltar como uma violação de direitos a “imposição por representantes públicos às lideranças quilombolas para que apresentem lista nominal de pessoas vacináveis como condição para a sua realização”.
Juntas, as lideranças quilombolas esperançam que, depois da experiência da união em prol da vacina contra a covid-19, nada seja como antes. “Mostramos que podemos chegar lá e buscar nossos direitos”, diz Sérvulo, do Maranhão. No Pará, Marluce Coelho diz saber onde está o segredo. “Que a população no Brasil entenda que a gente, quilombola, pensa coletivamente, esquecendo as diferenças sociais. O pensar coletivo faz diferença, e a gente viu isso muito bem nessa experiência.”
*Esta reportagem foi feita com o apoio da International Women’s Media Foundation (IWMF), como parte de sua Iniciativa Global de Reportagens sobre Saúde: Vacinas e imunização na América Latina e no Caribe
Alice de Souza
Jornalista recifense, atua na Énois Laboratório de Jornalismo, como editora e coordenadora de projetos, e na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), como jornalista pesquisadora. É integrante da 3ª geração da Rede de Jovens Jornalistas de América Latina Distintas Latitudes e fellow da International Women's Media Foundation (IWMF) e do Programa Lupa, do veículo peruano Salud con Lupa. Foi repórter por dez anos no Diario de Pernambuco e coordenadora editorial no Jornal do Commercio. Com prêmios nacionais e internacionais, foi a jornalista mais premiada do Nordeste em 2018 e 2019, segundo ranking do Jornalistas e Cia. É Jornalista Amiga da Criança, pela Andi Comunicação e Direitos.