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Inspiração musical para viver no Rio 40 graus

Trilha sonora para celebrar a cidade ajuda a enfrentar onda de calor extremo que impulsiona e desafia o espírito rueiro do carioca

ODS 11ODS 13 • Publicada em 30 de dezembro de 2025 - 08:00 • Atualizada em 30 de dezembro de 2025 - 08:00

Desde a véspera de Natal, esta cidade de São Sebastião vive dias de Rio 40 graus: quase uma semana com temperaturas máximas acima de 38º C, com pelo menos três dias realmente acima de 40 graus, parte de uma onda de calor que atingiu todo o Sudeste e partes do Sul e do Centro-Oeste. “Rio 40 graus / Cidade maravilha / Purgatório da beleza / E do caos”, cantou a carioca Fernanda Abreu, composta em 1992 quando o Rio sediou a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento e o mundo começou a levar mais a sério o aquecimento global e sua ameaça ao futuro do planeta.

Leu essa? Rio 40 graus e a ocupação das praias cariocas desde os tupinambás

A música Rio 40 graus – composta por Fernanda Abreu com Carlos Laufer e Fausto Fawcett – tem, na letra, até mais caos do que beleza, mas foi incorporada como mais um hino informal desta cidade em que até o hino formal é informal. “Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil / Cidade maravilhosa, coração do meu Brasil” – a marcha composta pelo carioca André Filho, cantada em parceria com a também carioca Aurora Miranda (irmã de Carmem), para o Carnaval de 1935 virou hino oficial da cidade depois de décadas de sucesso, encerrando praticamente todos os bailes carnavalescos do Rio. E não falava de calor, apesar do Rio registrar temperaturas de 40 graus a pelo menos um século.

Praia do Arpoador lotado no começo de uma noite de verão no Rio onda de calor extremo impulsiona e desafia o espírito rueiro do carioca (Foto: Prefeitura do Rio - 27/12/2025)
Praia do Arpoador lotado no começo de uma noite de verão no Rio onda de calor extremo impulsiona e desafia o espírito rueiro do carioca (Foto: Prefeitura do Rio – 27/12/2025)

Este #RioéRua também não reclama do calor, parte do cotidiano e da cultura da cidade, que impulsiona – e desafia – o nosso espírito rueiro. “Carioca é igual barata, basta esquentar e vai tudo para a rua” – reproduzi na primeira crônica para o #Colabora a frase filosófica de um companheiro anônimo de balcão de quiosque ao ver calçadão lotado numa noite quente de um verão no fim do século 20. Prefere, neste fim de 2025, ficar no verso de André Filho que exalta o Rio como “Berço do samba e das lindas canções”. Faz um calor infernal realmente enquanto escrevo mas o Rio castigado pelo sol também é uma cidade iluminada pelo sol – e, cariocas, vocês sabem, “não gostam de dias nublados”, como registrou a gaúcha Adriana Calcanhoto.

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“O Rio de Janeiro, o Rio de Janeiro continua sendo”, cantou o baiano Gilberto Gil ao dar Aquele Abraço na cidade. A canção composta – quando Gil preparava-se para seu exílio durante a ditadura militar, após ser preso duas vezes – virou mais um hino informal da cidade, repetida pelos cariocas nas rodas de samba, já garantida no repertório do show que o incansável baiano fará na festa de Réveillon, na praia de Copacabana, em um dos 13 palcos, ao ar livre, montados para a virada de ano.

“Um bom lugar para encontrar, Copacabana /  Pra passear à beira-mar, Copacabana / Depois num bar à meia-luz, Copacabana / Eu esperei por essa noite uma semana”, cantou Dorival Caymmi, outro baiano apaixonado pelo Rio, em 1951, quando Copacabana já era chamada de “Princesinha do Mar”, por conta da canção de 1934, de Braguinha e Alberto Ribeiro, quando Copacabana já era a praia mais conhecida do Rio e do Brasil e uma das mais famosas do mundo. A fama internacional só seria ameaçado depois que Tom Jobim e Vinícius de Moraes criaram Garota de Ipanema, em 1962, um sucesso mundial, gravada em milhares de discos, de mais de 500 intérpretes ao redor do planeta.

Banhistas aproveitam o mar para enfrentar a onda de calor: música para viver e sobreviver no Rio 40 graus (Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil (26/12/2025)
Banhistas aproveitam o mar para enfrentar a onda de calor: música para viver e sobreviver no Rio 40 graus (Foto: Tomaz Silva / Agência Brasil (26/12/2025)

“Do Leme ao Pontal, não há nada igual”, cantou o tijucano Tim Maia, para celebrar as praias cariocas. Mas não é preciso ficar nas belezas mais óbvias – como o “Cristo Redentor / braços abertos / sobre Guanabara”, do Samba do Avião, de Tom  Jobim – para fazer uma viagem musical pelo Rio. É possível ir de trem, pelo samba Geografia Popular, de Marquinhos de Oswaldo Cruz; ou girar pelas favelas no funk Endereço dos Bailes, dos MCs Júnior e Leonardo. Ou ficar num bairro só na elegância de Nei Lopes  (“É isso aí, ê Irajá meu samba é a única coisa que eu posso te dar”) ou de Arlindo Cruz (“O meu lugar / É sorriso, é paz e prazer / O seu nome é doce dizer / Madureira”).

Na minha temporada de oito anos em Salvador, fiz de Saudades da Guanabara, de Moacyr Luz , Aldir Blanc e Paulo Cesar Pinheiro, um hino particular: “Reguei / O Salgueiro pra Muda pegar outro alento / E plantei novos brotos no Engenho de Dentro / Pra alma não se atrofiar / Brasil / Tua cara ainda é o Rio de Janeiro / Três por quatro na foto e o teu corpo inteiro / Precisa se regenerar”. O samba também passa por São Conrado, Ramos, Laranjeiras, Juramento, Encantado, Flamengo, Catete, Lapa, Centro. E o Spoify me informa na retrospectiva de 2025 que meu ranking é encabeçado pelo samba Alma Boêmia, de Toninho Geraes (“Eu vou pra Gamboa / E, de lá, vou pra Lapa / Aí, o bom senso me escapa / Amor, eu não sei como evitar / Eu subo a colina / E para minha supresa / Alguém diz em Santa Tereza / Que o dia já vai clarear”.

A alma carioca canta, mas o corpo sofre com esse Rio 40 graus – não é apenas calor, é onda de calor extremo, cinco graus acima da média e não dá para esquecer que também as cidades acostumadas a tantos verões abrasivos precisam se preparar para os efeitos da escalada da crise climática. Aqui no #Colabora, José Eustáquio Diniz Alves, já citou o livro “The Last Beach” (A Última Praia) que mostra cientificamente que intervenções humanas nas áreas costeiras, juntamente com a elevação do nível do mar e as tempestades, vão levar ao desaparecimento de grandes extensões de praias densamente povoadas. O Rio e suas praias não estão imunes à erosão costeira, à degradação ambiental e ao avanço do oceano.

Dias mais quentes virão. É preciso se preparar e se hidratar. Mas também aproveitar o sol e a rua já que a gente mora neste país tropical e musical.

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