Dom: depósito de seres humanos

Prédio abandonado desde a guerra serve de precário abrigo para os refugiados, que queimam plástico contra o frio, inalando fumaça tóxica

Por Janaína Cesar | ODS 10ODS 11 • Publicada em 14 de abril de 2021 - 08:28 • Atualizada em 21 de junho de 2021 - 14:33

Homem observa a paisagem de um andar em escombros no Dom: prédio abandonado desde a guerra (Foto: Dennis Castiglione)

Homem observa a paisagem de um andar em escombros no Dom: prédio abandonado desde a guerra (Foto: Dennis Castiglione)

Prédio abandonado desde a guerra serve de precário abrigo para os refugiados, que queimam plástico contra o frio, inalando fumaça tóxica

Por Janaína Cesar | ODS 10ODS 11 • Publicada em 14 de abril de 2021 - 08:28 • Atualizada em 21 de junho de 2021 - 14:33

(Enviada especial a Sarajevo). No extremo noroeste da Bósnia e Herzegovina, no cantão de Una Sana, região próxima à fronteira com a Croácia, a situação dos imigrantes é desesperadora. Aqui encontram-se as cidades de Ostrozac (onde está o iraniano Amir Labbaf), Velika, Kladusa, Miral e Bihać. Em meio ao silêncio das montanhas que as circundam, em abril de 2020, foi erguido, a toque de caixa, o campo de refugiados de Lipa para enfrentar a emergência da covid-19. Com a mesma velocidade, oito meses depois, em 23 de dezembro, o campo foi destruído por um incêndio e milhares de seres humanos ficaram sem ter para onde ir. Naquele mesmo dia a Organização Internacional para as Migrações (OIM), responsável pelo campo, anunciava o fechamento do local porque não era “adequado para hospedar pessoas”: faltava água, saneamento básico e comida.

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Os “desgraçados” de Lipa se somam às centenas de outros refugiados que não encontram lugar nos campos do governo ou da OIM e acabam indo parar em barracas de plástico preto erguidas em meio à floresta ou em velhas construções abandonadas nas cidades.

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No centro de Bihać, cerca de 200 pessoas tentam se proteger do frio em um prédio abandonado nos tempos de guerra. Conhecido como Dom, seria um lar para idosos, mas nunca foi concluído. O perigo é latente para os que vivem sob esse teto sem porta nem janela. Talvez, por isso, não tenha crianças e mulheres vivendo aqui. Os homens, que têm entre 21 e 35 anos, se organizam para que o campo improvisado, caindo aos pedaços, não despenque de vez em suas cabeças. O lugar mais parece um aterro: o lixo divide o espaço com seres humanos.

Como ratos de laboratório, eles dormem amontoados em pequenos espaços mais fechados para tentar se proteger do frio. Os cobertores são usados para forrar o chão de cimento e os mais sortudos queimam o que ainda resta da madeira doada por ativistas dos direitos humanos. Os menos afortunados queimam plástico e enchem os pulmões de dioxina, substância altamente cancerígena. O fogo é usado não só para o aquecimento, mas também para preparar comida em grandes latões, que substituem as panelas. A miséria impera no Dom, e é impossível mandá-la embora. Além de comida e roupas, esses seres humanos precisam, principalmente, de remédios e cuidados médicos.

No bar de um vizinho posto de gasolina, na periferia de Bihać, Gianni, um senhor aposentado, toma um café e conversa com outros dois amigos. Do outro lado da rua, em frente a um terreno baldio, um grande cartaz onde se lê “No camp”. Gianni diz que os habitantes de Bihać estão cansados dos problemas causados pelos refugiados. “Eles ficavam espalhados pela cidade, faziam baderna até que o governo mandou todos para Lipa”, conta, referindo-se ao campo que pegou fogo ano passado. Bósnio, sabe um pouco de italiano dos tempos em que foi caminhoneiro: “É um desastre, é tudo um jogo político”.

Depósito de seres humanos: refugiados tentam se proteger do frio no Dom. Foto Dennis Castiglione
Refugiados tentam se proteger do frio no Dom. Foto Dennis Castiglione

Janaína Cesar

Formada pela Universidade São Judas Tadeu (SP), trabalha há 17 anos como jornalista e vive há 15 na Itália, onde fez mestrado em imigração, na Universidade de Veneza. Escreve para Estadão, Opera Mundi, IstoÉ e alguns veículos italianos como GQ, Linkiesta e Il Giornale di Vicenza. Foi gerente de projetos da associação Il Quarto Ponte, uma ONG que trabalha com imigração.

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